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NOVO CPC
PROCESSO CIVIL
O Novo CPC não é o que queremos que ele seja
20/07/2015
Entre as várias preocupações comuns que tenho com os autores desta coluna está a de interpretar o Novo CPC como ele é, não como nós ou outros desejássemos que ele fosse. Isso, inclusive, já foi objeto de aguda advertência em um de nossos mais recentes e importantes escritos sobre o tema (Gajardoni, Dellore, Roque e Oliveira Jr. Teoria Geral do Processo – Comentáriosao CPC/2015. Método: São Paulo 2015, p. XX).
Fosse o Novo CPC aquilo que eu desejava que ele fosse, certamente estaria cumprida a promessa dos seus idealizadores originais de entregar à sociedade um diploma com previsão de (muito) menos recursos e sucedâneos; teria, na esteira de inúmeros outros ordenamentos jurídicos, disposições que permitissem o efetivo sancionamento do contempt of court, inclusive contra advogados ímprobos; preveria, expressamente, sanções administrativas contra juízes que, excetuadas as hipóteses de distinguishing e overruling, não seguissem os precedentes superiores; conservaria, como a lógica recomendava que o fosse, o STF como verdadeiro Tribunal Constitucional; e extirparia, como regra, o efeito suspensivo automático da apelação, tornando realmente eficazes as decisões de 1º grau.
Nenhum destes meus anseios e expectativas, todavia, vingou ao fim do tramitar da Lei 13.105/2015. O Novo CPC aumentou o número de recursos e sucedâneos recursais já existentes (arts. 988 e 1.042); manteve, exatamente como posto no CPC/73, o inefetivo instrumental para o combate à litigância ímproba (arts. 77 a 81); nada previu contra magistrados que não respeitam a hierarquia e a verticalidade do Poder Judiciário brasileiro; transformou o STF em instância judiciária de admissão de recursos extraordinários (art. 1.030, parágrafo) e de julgamento de reclamações (art. 988) e agravos extraordinários (art. 1.042); manteve o inexplicável efeito suspensivo automático da apelação (art. 1.012), mesmo havendo estatísticas seguras de que o número de recursos providos é consideravelmente menor do que os não providos [1].
Estou insatisfeito, bem se vê, com uma série de opções legislativas da Lei 13.105/2015 (embora, destaque, muitas outras me agradam). E estou certo que muitos leitores desta coluna também têm a porção do que lhes agrada e não agrada no Novo CPC. Entretanto, não parece lícito a nenhum de nós construir, através de expedientes retóricos, interpretações que afastem a eficácia de disposições legais e legitimamente aprovadas pelo legislador brasileiro, ou que ressuscitem institutos que, expressamente, foram rejeitados pelo parlamento. Um punhado de erudição, com citações em alemão ou de autores estrangeiros desconhecidos do grande público, não têm o condão de tornar existente o inexistente, nem sustentável o insustentável, e vice-versa.
Não que não haja na Lei 13.105/2015 espaço interpretativo para negar aplicabilidade de uma série de seus dispositivos. De fato, é bastante duvidosa a constitucionalidade de disposição infraconstitucional que torne vinculantes precedentes dos Tribunais Superiores e dos Tribunais de 2º grau, sem que haja comando expresso na Carta Constitucional (cf. art. 927 do NCPC). Ou de uma série de alterações realizadas após a aprovação do projeto pela Câmara, que a pretexto de serem meramente redacionais, acabaram por alterar o conteúdo e o alcance de várias disposições do Novo CPC [2]. Duvida-se, também, da constitucionalidade da regra do art. 985, I, do Novo CPC, que vincula o sistema dos Juizados Especiais (Cíveis, da Fazenda Pública e Federais) – que tem órgão julgador de 2º grau próprios (Turmas ou Colégios Recursais) – às decisões proferidas em IRDR pelos TJs/TRFs (quando a própria CF não o fez). E crê-se, ainda, na inconstitucionalidade do art. 12 do Novo CPC (ordem cronológica de julgamentos), que parece contrariar os princípios constitucionais da isonomia, tripartição dos poderes, autogoverno da magistratura e proporcionalidade [3].
O que se pretende alertar neste breve escrito, contudo, é que há um limite interpretativo para a academia e jurisprudência. Tirantes casos de inconstitucionalidade, não parece possível sobrepor o juízo pessoal de desaprovação das opções do Novo CPC sobre a vontade legítima do legislador, fazendo que o Novo CPC seja o que queremos, e não o que ele realmente é.
Alguns exemplos dão a tônica da advertência.
– O art. 1.015 do Novo CPC estabelece um rol taxativo de hipóteses em que é cabível o manejo do recurso de agravo de instrumento.
A sinalização legislativa é clara: não se quer, à exceção das hipóteses expressamente previstas, recurso ou sucedâneo contra as decisões interlocutórias, devendo a parte veicular seu inconformismo na apelação. Até se admite alguma interpretação extensiva de alguns incisos e dispositivos que admitem o manejo do agravo. Mas não se pode, diversamente do modelo do CPC/73, criar uma hipótese de recorribilidade de decisão interlocutória não prevista expressamente no Novo CPC.
A opção legislativa de um rol fechado de hipóteses de cabimento do agravo de instrumento não é boa, sendo um manancial de problemas práticos. Há real possibilidade de prática de atos processuais que, ao final, venham a ser considerados nulos ou ineficazes por decisão superior. Mas apesar disso, não se pode construir uma interpretação que, tirante casos graves de teratologia, sustente o cabimento do agravo de instrumento, de mandado de segurança, ou seja lá o que for, contra decisões que, por exemplo, reconhecem a competência ou incompetência do juízo para julgamento dos processos, que decidam sobre valor da causa, que defiram ou indefiram provas na fase instrutória. Foi clara a opção legislativa em não admitir recurso nestas situações, de modo que intepretação diversa significa deturpar a vontade reprovável, mas legítima, do legislador, sobrepondo o juízo de reprovação pessoal ao Poder Legislativo.
– Outra situação digna de destaque é a da estabilização da tutela antecipada (art. 304 do Novo CPC).
Sem dúvida alguma, o capítulo das tutelas provisórias no Novo CPC (arts. 294 a 311) é um dos piores do novo diploma. Confuso e capaz de gerar muito mais problemas do que soluções.
Todavia, quando a lei diz que a tutela antecipada só não se estabilizará se contra a decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso, não quis dizer contestação, pedido de suspensão de liminar (art. 4º da lei 8.437/92 e art. 15 da Lei 12.016/2009) ou qualquer outro instrumento que não seja recurso. Talvez possamos até construir interpretativamente o entendimento de que sucedâneo recursal, como a reclamação (art. 988), seja capaz de impedir a estabilização. Mas parece que esse é o limite sendo o mais tentativa de consertar a manifesta falha legislativa na redação do dispositivo. Algo que deve ser feito por lei. Não por doutrina ou jurisprudência.
Do mesmo modo, não se pode admitir que a estabilização da tutela antecipada antecedente (art. 304 do Novo CPC) seja aplicável às situações de tutela da evidência (art. 311 do Novo CPC). Não que isso não fosse lógico, até mais lógico do que a própria estabilização no âmbito da tutela antecipada (que em nosso sentir, é deferida em um juízo de probabilidade menos acentuado que o da tutela de evidência). Porém, além da clareza da opção legislativa pela negativa, não se pode, à míngua de previsão legal específica, prejudicar a parte que não recorreu da decisão que concedeu a tutela de evidência. Não se pode atribuir ao prejudicado o ônus de recorrer para evitar a estabilização, sem que isso conste expressamente da lei.
Há também a questão da competência para julgar o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR (art. 976 do Novo CPC). Optou-se, de forma expressa, pelo ajuizamento do IRDR perante os TJs e TRFs, ainda que, eventualmente, as demandas repetitivas já estejam alastradas por todo o país. Ora, se a lei assim quis é porque acredita ser necessário prévio debate do tema nos Estados ou regiões do país para, só então, ser a questão nacionalizada por intermédio do recurso extraordinário ou especial (art. 987 do Novo CPC). Não pode o intérprete, ainda que na correta ponderação de que o ajuizamento diretamente no STJ e STF teria o condão de pacificar a questão mais rapidamente e evitar a proliferação de demandas, sustentar o cabimento diretamente nos Tribunais Superiores. Simplesmente porque não foi o intento do legislador.
Enfim, o Novo CPC não é o que eu quero que ele seja. E não é, também, o que a doutrina e a jurisprudência querem que ele seja. Ele é fruto de um processo legislativo regular, onde todas as forças políticas falaram e, ao final, prevaleceu a vontade democrática da nação brasileira (tanto na parte de trevas quanto de luz do novo diploma).
Não se trata obviamente de tornar o intérprete um servil repetidor do texto legal, pois a norma pressupõe, mas não se reduz aquele. Porém, não podemos fazer terra arrasada com o texto legal, como se nada contribuísse na construção do ordenamento jurídico.
Que nós, os operadores do Direito, saibamos respeitar a vontade do parlamento, ou busquemos, também no parlamento, a correção das imperfeições do novo diploma [4].
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[1] Cf. Fernando da Fonseca Gajardoni. Efeito suspensivo automático da apelação deve acabar. Conjur. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-ago-09/fernando-gajardoni-efeito-suspensivo-automatico-apelacao-acabar. Acesso em 18.07.2015, às 09:45hs.
[2] Como, aliás, parte dos autores desta coluna já tiveram oportunidade de demonstrar neste mesmo espaço: Novo CPC – a revisão final.
[3] Para melhor compreensão da inconstitucionalidade do art. 12 do Novo CPC, cf. Gajardoni, Dellore, Roque e Oliveira Jr. Teoria Geral do Processo – Comentários ao CPC/2015. Método: São Paulo 2015, p. 75.
[4] Movimento que já se vê presente no parlamento brasileiro, considerando a apresentação pelo Senador Blairo Magi do PLS 414;2015, que dispõe sobre o juízo se admissibilidade do recurso extraordinário ou especial e instaura o recurso de agravo de admissão, nos próprios autos, dessa decisão, alterando dispositivos da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil.