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O novo CPC e o fim da gestão na Justiça
22/12/2014
Praticamente todos que se arriscam a pensar o sistema de Justiça no Brasil afirmam que o nosso problema não é de legislação processual (ao menos não é o principal deles). A Justiça brasileira precisa, muito antes do que qualquer Novo Código de Processo Civil, investir em gestão judicial.
Pois em todo o mundo se trabalha, atualmente, com a ideia de gerenciamento de unidades judiciais (court management) e de processos (case management), isto é, com a aplicação, no âmbito do Poder Judiciário, de conhecimentos e técnicas de gestão hauridos da Economia e da Administração (definição de prioridades, racionalização do uso dos recursos econômicos e humanos disponíveis, separação de problemas afins para tratamento em bloco, realocação racional dos espaços físicos, investigação do potencial de cada célula dentro das unidades judicias, etc.).
Através da gestão judicial busca-se emprestar à prática cartorial e dos gabinetes judiciais (court management), e também à própria condução individualizada do processo pelo magistrado (case management), um grau de racionalidade e organização próprias da iniciativa privada, com a produtividade e eficiência que lhes é peculiar.
O Novo Código de Processo Civil, contudo – na contramão desta tendência mundial -, dificulta sobremaneira a aplicação da gestão na Justiça brasileira, vedando que magistrados e servidores possam, com a liberdade necessária, gerenciar as unidades judiciais em que atuam.
Com efeito, o art. 12, do NCPC, estabelece, peremptoriamente, que todos “os juízes e os tribunais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão”, enumerando, em seus parágrafos, uma série de exceções (embora insuficientes) nas quais é autorizada a quebra da ordem cronológica.
E o art. 153, do NCPC, dispõe que “o Escrivão ou chefe de secretaria deverá obedecer à ordem cronológica de recebimento para publicação e efetivação dos pronunciamentos judiciais”, a qual, sob pena de responsabilidade funcional, só poderá ser violada mediante prévia, expressa e fundamentada decisão judicial.
Os dispositivos, em primeira análise, mostram-se razoáveis. Realmente, a cronologia no julgamento, no cumprimento dos processos e na publicação das decisões judiciais, ao menos em princípio, aparenta ser imperativo de igualdade, já que distribui as agruras da espera pela tutela jurisdicional entre todos (art. 5º, caput, da CF). Além disso, a regra impede, também, que o julgamento, o cumprimento e a publicação das decisões no processo sigam ordem distinta, considerando as partes envolvidas (e sua eventual capacidade econômica ou política), ou mesmo a “influência” ou o “prestígio” dos advogados atuantes.
Por fim, tem-se que a previsão da cronologia obstará que magistrados e secretarias venham a preterir os processos mais complexos em favor dos processos mais simples, de fácil julgamento/cumprimento, uniformizando, assim, o tempo da Justiça.
O que, entretanto, aparenta ser um avanço, causará infindáveis problemas práticos, havendo real risco de a novidade prejudicar profundamente a prestação do serviço público jurisdicional no país.
Considerando que mais de 50% das unidades judiciais no Brasil têm competência cumulativa – verdadeiras clínicas gerais que cuidam de processo cíveis, criminais, de família, empresariais, fiscais, etc. – , não se acredita que o estabelecimento da cronologia, como única rotina de trabalho, seja algo razoável ou minimamente eficiente.
A cronologia impede que os processos sejam selecionados por tema para julgamento e cumprimento em bloco, com enorme perda de eficiência; impede que determinadas demandas tenham seu julgamento preterido exatamente porque, no caso, a sensibilidade do magistrado e dos advogados indique que, naquele momento, a sentença, em vez de pacificar, potencializará o conflito (v.g. conflitos familiares, conflitos coletivos pela posse da terra); impede que os Tribunais Superiores levem a julgamento casos de repercussão geral apenas no momento em que haja segurança suficiente para decidi-los; impede que o serviço seja dividido por assunto entre servidores distintos, considerando a afinidade e especialização de cada um; impede que processos mais simples e de fácil solução – mas cujo rápido julgamento/cumprimento seja fundamental para as partes envolvidas (alvarás para levantamento de resíduos salariais, ações de benefícios previdenciários, etc.) –, possam ser julgados/cumpridos se eventualmente, na unidade, haja uma ação muito complexa pendente de julgamento ou cumprimento; enfim, impede qualquer autonomia da unidade judicial (ou mesmo de sua Corregedoria) na definição, à luz das particularidades locais (volume de serviço, números de juízes e servidores, estrutura física/material), da melhor forma de atender aquele caso e todos os demais que ali têm curso.
Além disso, a fixação, em lei cogente e de validade nacional, de um único critério de gerenciamento – isto é, a ordem cronológica –, engessa qualquer tipo de inovação de gestão que porventura possa vir, seja ela através de resultados revelados por pesquisas empíricas, seja em vista de novos modelos de gestão aplicados à administração judiciária. Atente-se: a revelação de que a cronologia não é o melhor método de gestão, certamente demandará futura e dificultosa alteração legislativa, algo que não existiria se a regra partisse de quem tem atribuição constitucional para fiscalizar e definir planos e metas para a Justiça: o CNJ e as Corregedorias de cada Tribunal.
Ninguém é contra a cronologia para julgamento e cumprimento de processos. Pelo contrário. Ela é desejável, pois espelha igualdade de tratamento pelo Estado. Porém, ela deve ser aplicada juntamente com outras técnicas de gestão, avaliadas casuisticamente conforme características da unidade judicial e do próprio caso concreto.
Definir legal e abstratamente, com base simplesmente na cronologia, a forma de julgamento, cumprimento/publicação de atos processuais, não parece consentânea com a promessa de um processo civil constitucional, justo e célere, premissas principais do Novo CPC (arts. 1º e 4º).
O sistema deveria se preocupar em punir os poucos magistrados e servidores que cedem a influências escusas para definir suas pautas de trabalho. Não, na ânsia de impedir iniquidades, engessar inovações na gestão da Justiça.