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Execuções no Novo CPC – Parte VI: “Astreintes”: Exigibilidade e Modificabilidade
Humberto Theodoro Júnior
05/01/2015
Com intuito de analisarmos temas pertinentes às diversas formas de execução forçada, no que toca diretamente aos reflexos das inovações propostas sobre a jurisprudência atual relacionada, sobretudo, com problemas societários e empresariais, propomos esta série de artigos. Nela, cuidaremos das inovações mais relevantes propostas para ambas as modalidades executivas, títulos judiciais e títulos extrajudiciais.
1 – Introdução
Tramita pelo Congresso Federal o Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado 166, de 2010, aprovado sob o número 8.046, de 2010, da Câmara, e que se refere à instituição de um novo Código de Processo Civil. O texto atual do novo Código de Processo Civil (CPC) teve aprovação concluída em 18.12.2014 e será encaminhado à sanção presidencial, é com base neste texto que faremos os comentários que se seguem.
2 – “Astreintes”: Exigibilidade e Modificabilidade
O Código novo permite, como o atual, o uso da medida de apoio à execução da sentença relativa às obrigações de fazer consistente em multa periódica (“astreintes”) pelo atraso no cumprimento da condenação (art. 533, § 1º). Prevê, outrossim, que sua aplicabilidade independe de pedido da parte, e ocorre tanto na fase de conhecimento, na tutela antecipada e na sentença, como na execução dela. Sempre, porém, que seja compatível com a obrigação e que seja determinado “prazo razoável para o cumprimento do preceito” (art. 534).
Prevalece, portanto, a jurisprudência sumulada do STJ no sentido de que “a prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer” (Súmula 410-STJ). É lógico que sendo a multa uma sanção pelo descumprimento do preceito contido na decisão judicial, só será aplicável depois que a parte tiver sido intimada a cumprir a determinação e tiver deixado de fazê-lo no prazo que lhe foi assinado. A multa é prevista pelo atraso no cumprimento do preceito. É preciso, pois, que o prazo da intimação se esgote, uma vez que somente depois de vencido o termo final daquele prazo é que começará a fluir o tempo de atraso justificador da aplicação da multa.
Há dois momentos nesse procedimento: (i) o da cominação da multa, que ocorre geralmente durante a fase de conhecimento, em decisão interlocutória ou sentença (às vezes, pode acontecer na fase de execução, também em decisão interlocutória que comine a multa, por não ter sido estipulada na fase de conhecimento); e (ii) o da aplicação da multa, fato que sempre ocorrerá dentro da atividade judicial executiva, justamente quando o comando judicial de cumprimento da obrigação deixar de ser adimplido pelo executado.
Essa prévia intimação para cumprir a decisão judicial é exigível tanto para as liminares como para as sentenças definitivas. O que se discute na jurisprudência do STJ, atualmente, é sobre se a intimação continuaria sendo pessoal à parte ou se poderia ser na pessoa do seu advogado. A Súmula que exigia a pessoalidade (Súmula 410-STJ) é antiga, mas vinha sendo cumprida até recentemente, sem discussão. A 3ª Turma, todavia, passou a admitir que, a exemplo do que ocorria com a execução de sentença por quantia certa, também nas de obrigações de fazer e não fazer, haveria de ser permitida a intimação do advogado do devedor[1]. E na 2ª Seção a Min. Nancy Andrighi inseriu em seu voto de relatora, a declaração de que “a intimação do devedor acerca da imposição da multa do art. 461, § 4º, do CPC, para o caso de descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer pode ser feita via advogado”, tendo oferecido discordância o Min. Luis Felipe Salomão[2].
O Projeto parece dar acolhida à tese da Min. Nancy Andrighi, já que a previsão de intimação ao advogado da parte foi colocada nas “disposições gerais” do Capítulo relativo ao Cumprimento da Sentença. Assim, a regra do art. 510, § 2º, I, alcança todas as sentenças e decisões exequíveis, permitindo, por consequência, que a intimação “na pessoa do advogado” (pelo Diário da Justiça) prevaleça também para a execução das astreintes.
Têm divergido internamente as decisões do STJ sobre ser exequível em caráter definitivo, ou não, a multa aplicada por meio de decisão interlocutória. Há acórdãos que admitem essa execução em caráter definitivo[3], enquanto outros só a permitem na modalidade provisória[4]. E há, ainda, os que reconhecem que o valor da multa só seria exigível após o trânsito em julgado da sentença de mérito[5].
O Projeto enfrentou a polêmica e assentou no § 3º do art. 534:
“A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte ou na pendência do agravo fundado nos incisos II ou III do art. 1.039.”
Logo, em matéria de multa, não há contradição em sua execução definitiva e provisória. Cada uma cabe em momento processual distinto, de sorte que é possível haver tanto execução provisória, como execução definitiva de astreinte. O que é preciso é a configuração do inadimplemento da obrigação, que sempre haverá de ser precedida de intimação da parte para dar cumprimento ao preceito judicial, para depois ser aplicada a multa, a partir do momento de escoamento do prazo assinado na respectiva intimação.
Quanto a modificabilidade da multa diária, a jurisprudência atual do STJ é no sentido de permiti-la a qualquer tempo, inclusive na fase de cumprimento da sentença, ao fundamento de que, em se tratando de medida de apoio, sua redução ou ampliação não ofendem a coisa julgada[6].
O Projeto, no § 1º do art. 534, continua admitindo que “o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor”, mas o fará em relação à “multa vincenda”; e permite, também, sua “exclusão”, porém, “sem eficácia retroativa”. Dessa maneira, tem-se a impressão que as alterações em torno das astreintes seriam permitidas apenas com eficácia ex nunc. Ficariam, pois, inatacáveis as multas já vencidas. Somente as vincendas se sujeitariam, segundo a literalidade do dispositivo comentado, a alteração ou exclusão.
No entanto, o inciso II do mesmo § 1º do art. 534, autoriza que a exclusão seja acolhida pelo juiz quando o devedor demonstrar que houve “justa causa para o descumprimento”. Ora, se possível invocar semelhante causa de eliminação da multa, claro é que a hipótese somente acontecerá em relação a multas já vencidas, porque apenas estas poderão se referir a prestações descumpridas.
Se assim é, o Projeto não se rebela, pelo menos em caráter absoluto, contra a regra consagrada pela jurisprudência atual, qual seja, a de que a decisão que aplica a multa por atraso no cumprimento da obrigação de fazer não transita em julgado. Daí porque pode ser modificada ou eliminada na fase de cumprimento da condenação.
Portanto, a regra geral traçada pelo Projeto é, de fato, a de que a modificação ou a eliminação da multa não afetará, em princípio, as prestações vencidas. Mas, se houver justa causa demonstrável pelo devedor para explicar o descumprimento da obrigação, o poder do juiz de modificar ou dispensar a multa poderá ser exercitado, tanto em relação às sanções vincendas, como às vencidas.
3 – Conclusões
O Projeto, na maioria das vezes, cuida de suprir lacunas normativas mediante incorporação de teses de origem pretoriana. Poucas são as inovações que as contradizem. Os institutos realmente novos se apresentam como complemento ou aprimoramento do processo executivo atualmente em vigor. Com ele se harmonizam, sem romper, portanto, com suas linhas mestras.
Não se pode negar, enfim, o empenho do Projeto de simplificar o procedimento executivo, desembaraçando-o de formalidades desnecessárias e dotando-o de medidas e expedientes práticos que visem torná-lo mais célere e eficiente, sem descurar dos princípios fundamentais indispensáveis à configuração do moderno processo justo.