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NOVO CPC
PROCESSO CIVIL
CPC, 28 de outubro, ditaduras e fascismo
29/10/2018
O Código de Processo Civil é uma norma — conjunto de normas — estritamente técnica. Regula o modo de ser do instrumento estatal de resolução de controvérsias, na tentativa de garantir a efetividade do processo em respeito às garantias constitucionais. A tecnicidade intrínseca aos códigos processuais, todavia, nunca foi impedimento para que sofressem significativos influxos políticos.
A lei processual de Napoleão (1806), embora ofuscada pela grandeza da lei civil contemporânea (Code de 1803), representou historicamente o encampamento do pensamento liberal dentro do processo civil. Um sistema que rompia com o ancien régime, propondo um sistema lógico, simples e racional focado na publicidade e na autonomia das partes.
Seu oposto foi a ZPO Austríaca de Klein, com clara inspiração socialista e concentração dos poderes na mão do Estado-juiz. Era o processo que não bastava ser simples e racional, mas que tinha de atingir sua função social.
Para tanto, “Klein transferiu o controle do processo ao juiz, o qual deveria atuar como agente do Estado. Assim, (a) o impulso e o gerenciamento do processo passaram a ser realizados oficialmente, e não mais pelas partes (§§ 180 a 192);355 (b) foi eliminada a prova legal em benefício do princípio do livre convencimento;356 357 (c) o processo tornou-se essencialmente oral (§§ 171 a 225), público (§§ 171 a 175) e imediato;358 e (d) o juiz assumiu o controle da fase instrutória. Além disso, às partes foi imposto o dever não apenas de falar a verdade em juízo (Wahrheitspflicht, §§ 178 e 182), mas de expor os fatos de forma completa, pois Klein entendia necessária a colaboração delas para facilitar o julgamento”.
Daí, diversos estados constituíram leis processuais, similares, ou muito distintas, dentro ou fora de regimes autoritários (e.g. CPC Português de 1961 e soviético de 1964). O melhor exemplo, todavia, é representado pelo Codice italiano, inspirado pelo socialismo de Klein e criado no auge do primo-irmão fascismo e promulgado há exatos 78 anos: 28 de outubro de 1940.
Os tempos marcam o auge do fascismo. Foi nesse exato dia, 28 de outubro de 1940, que a Itália, após sucessivas pressões alemãs (que no momento contava as baixas da Batalha da Inglaterra), mesmo sem estar preparada, decidiu dar início a sua desastrosa campanha de dominação da Grécia, fracassada diante da resistência do governo — também ditatorial — de Ioannis Metaxas.
Para o fascismo verdadeiro, histórico, dia 28 de outubro marcou o início de sua primeira grande derrota. Um país agrário, menor, mas tenazmente determinado a segurar as ondas de ataque italianas. O espírito dos gregos afastou o fascismo, a facceta nera, não resistindo todavia à chegada da Wehrmacht e da Luftwaffe em abril de 1941, com sua Blitzkrieg de Panzer e Stukas.
O destino do Código, criado no mesmo, exato, dia, foi distinto. Floresceu e inspirou muitos outros, especialmente o nosso, de 1973. Na verdade, é possível dizer que o nazifascismo — ainda que involuntariamente — foi duplamente responsável pelo Código brasileiro.
Em primeiro lugar, como já dito, ideias como a oralidade, e institutos fundamentais do Código italiano, como partes, intervenção de terceiros, sentença, coisa julgada, foram encampados pela nossa lei. Em segundo lugar, porque este encampamento se deu, principalmente, pelo recebimento na América Latina, de mestres obrigados a fugir da Europa em guerra, especialmente por Enrico Tulio Liebman.
Foram as lições de Liebman que influenciaram o corpo de alunos do Largo de São Francisco e, em especial, Alfredo Buzaid, determinantes na formação do modo de ser do Código de Processo Civil de 1973, produzido — frise-se — também no auge de um regime ditatorial, em pleno Milagre Brasileiro.
Entre códigos liberais, socialistas e fascistas, tivemos o nosso primeiro de 1939 em um ditatura, ditado pelo pensamento autoritário de Vargas e Francisco Campos e, depois, um segundo, em 1973, também em ditadura, mas devidamente aliviado pelo visão de mundo de seu criador, Buzaid.
Muitos já disseram que o Código de 1973, produto ditatorial, não se deixou afetar definitivamente pelo regime que o criou. Foi mantida a ideia original de simplicidade (e.g. unificação do regime do agravo) e de valorização do princípio da demanda e da estabilização do objeto litigioso. Embora se possa afirmar que devidos poderes foram sim atribuídos ao juiz, principalmente do ponto de vista probatório.
O que dizer, então, nesse contexto do CPC/2015?
Sim, produzido dentro de uma democracia, pela primeira vez em nossas terras, mas que reflete exatamente a complexidade do momento que vivemos. Entre liberdade e estadismo, algo ainda muito mal resolvido.
As hipóteses de impenhorabilidade, protegendo enormes salários e bens de família de alto valor, demonstram o caráter elitista, e quiçá tenebroso, das forças políticas de nosso congresso (CPC, art. 833). Ao lado disso, há norma de índole essencialmente liberal, como a autorização para os negócios processuais (CPC, art. 190) e a libertação da arbitragem e eleição de foro internacional (CPC, art. 25). Por fim, e não sem ulteriores contradições, uma preocupação com a função social e uma grande atribuição de poderes ao juiz (CPC, art. 8º e 139 e 377), que colocam em xeque as possibilidades de o intérprete dar coesão e unidade ao sistema. Além da cereja do bolo: uma autoritária multa para aqueles que livremente não comparecem a uma audiência que visa submeter as partes à conciliação (CPC, art. 334, § 8º).
O fato é que o CPC, hoje, é tão complexo, contraditório e conflituoso como nossa sociedade. Esperamos que o tempo pacifique ambos, abrandado suas heranças autoritárias e privilegiando a liberdade do indivíduo, para longe das malditos influxos, socialistas e fascistas.