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NOVO CPC
PROCESSO CIVIL
Sem conciliador não se faz a audiência inaugural do novo CPC
25/04/2016
O CPC/2015 aposta muito na conciliação/mediação como instrumento de catalisação da prestação jurisdicional. [1] Erigiu-se o incentivo às práticas de soluções consensuais dos conflitos ao status de norma fundamental do processo (artigo 3º, § 1º). Consignou-se que o estímulo à prática dos métodos não adversariais de solução dos conflitos é dever de todos (advogados, defensores, promotores, etc), não mais, apenas, do Estado/juiz (art. 3º, § 2º). E disciplinou uma série de oportunidades para que, no curso do procedimento processual, fosse incentivada a prática autocompositiva. [2] É certo, entretanto, que a grande vedete da temática da autocomposição no CPC/2015 é a previsão de uma audiência inaugural de conciliação/mediação nos processos seguintes do rito comum e do rito especial das ações de família.
Os artigos 334 e 695 do CPC/2015 estabelecem que não sendo caso de rejeição/emenda ou improcedência de plano do pedido, o juiz ordenará a citação do polo passivo não mais para contestar – como ocorria no modelo procedimental do CPC/1973 –, mas sim para comparecer a uma audiência de conciliação/mediação a ser realizada por mediadores/conciliadores, escolhidos na forma do artigo 165 e seguintes do CPC/2015.
Foi o desejo do sistema que os magistrados não participassem desta fase inaugural do processo, especialmente porque, na presença do julgador, as partes não têm a mesma liberdade de expor seus interesses e posições na audiência de conciliação/mediação (que poderiam ser levados em consideração pelo juiz no momento de proferir decisão).
Com o emprego de mediadores/conciliadores nesta audiência inaugural, ganha-se não só na qualidade do profissional atuante (considerando que os magistrados, de ordinário, não costumam ter preparação em técnicas de mediação/conciliação), mas também na confidencialidade, pois o tratado na audiência não será, de modo algum, levado a conhecimento do julgador, conforme estabelece o artigo 166 §§ 1º e 2º, do CPC/2015.
Além disso, desonera-se o magistrado (e sua pauta de audiências) desta importante tarefa, permitindo que se dedique com maior afinco a outras atividades igualmente importantes na condução do processo (instruir e decidir de modo geral).
Assim, em havendo mediadores ou conciliadores disponíveis (CEJUSCs – artigo 165 do CPC/2015) – cadastrados para prestação do serviço (voluntariamente ou mediante paga) ou do próprio quadro dos tribunais (selecionados por concurso) (artigo 167 do CPC/2015) –, a audiência do artigos 334 e 695 do CPC/2015 será, então, por eles presidida. A esperança do legislador é que os tribunais selecionem e dotem as unidades de primeiro grau de um corpo adequado destes auxiliares da Justiça (o que não será fácil!).
Não havendo, contudo, mediadores ou conciliadores na unidade judiciária por onde se processa a demanda surge a interessante questão, com enorme reflexos práticos, sobre a conveniência e possibilidade de o próprio magistrado presidir a audiência inaugural do rito comum e das ações de família.
O artigo 334, § 2º, do CPC/2015, estabelece que onde houver, o conciliador ou mediador atuará, necessariamente, na audiência de conciliação ou de mediação (artigo 334, § 1º, NCPC). Nada no sentido de quando NÃO houver mediadores/conciliadores, hipótese bastante crível, principalmente nas pequenas unidades judiciárias do país, mormente diante da regra do artigo 167, § 5º, do CPC/2015 (que impede o exercício da advocacia no juízo na concomitância da atuação como mediador/conciliador).
Quer nos parecer que as vantagens da realização desta audiência na fase inaugural do rito (obtenção da autocomposição, prematuro findar do processamento da ação, etc.) são bem menores dos que os prejuízos pela realização do ato pelo magistrado (oneração da pauta, quebra da confidencialidade, uso de argumentos de autoridade, falta de preparo técnico, etc.).
Por isso, ante a lacuna legislativa, acredita-se na prevalência do argumento de ordem pragmática: na ausência de mediadores/conciliadores, a tentativa inaugural de conciliação/mediação poderá ser dispensada pelo juiz.
Até porque o artigo 3º, § 2º, do CPC/2015, deixa claro que o Estado promoverá, SEMPRE QUE POSSÍVEL, a solução consensual dos conflitos. Logo, a contrario sensu, não sendo possível, não se promove a audiência de conciliação/mediação.
Solução muito mais simples e viável do que considerar que, em sendo o magistrado o conciliador/mediador, outro juiz deveria ser designado para julgar o caso, tudo a bem da preservação da confidencialidade e imparcialidade.
Rememore-se, ademais, que o artigo 139, II e VI, do CPC/2015, centra na figura do juiz duas importantes responsabilidades. A de velar pela razoável duração do processo (artigo 4º do CPC/2015 e artigo 5º, LXXVIII, da CF) e a de flexibilizar o procedimento para adaptá-lo às especificidades da causa, de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito.
Em princípio, a audiência de conciliação/mediação seria cogente para as hipóteses não contempladas no artigo 334, §4º, do CPC/2015, preservando-se, assim, o manifesto intento legislativo em só dispensar o ato mediante negócio processual para o qual haja convergência de vontade das partes.
Todavia, diante da carência estrutural, deve o magistrado, com arrimo nos já citados deveres de presidência e cooperação, flexibilizar o procedimento e dispensar a audiência nos casos em que sua realização possa comprometer a celeridade do processo ou a sua efetividade. [3]
Trata-se de verdadeira atividade de case management, em que o magistrado, à luz das particularidades da causa e da unidade (court management), promove a adaptação do procedimento prévia e abstratamente previsto em lei.
Não há, portanto, obrigatoriedade da realização dos atos previstos nos artigos 334 e 695, do CPC/2015, à míngua da existência de conciliadores/mediadores na unidade judicial. Nestes casos o polo passivo será citado para resposta na forma dos artigos 231 e 335, III, do CPC/2015 (prazo de 15 dias contados da juntada aos autos da carta/mandado de citação).
Tem-se então, além das situações já previstas no artigo 334, § 4º, do CPC (direito não autocomponível e quando ambas as partes manifestarem não desejar a prática do ato), outra hipótese em que é possível a não realização da audiência de conciliação/mediação inaugural. [4]
Obviamente (e não sem razão) se argumentará que a fruição de um importante direito – o de participar de uma audiência de conciliação/mediação no limiar do processo –, restará comprometido nos lugares em que não haja setor de conciliação/mediação formado (CEJUSCs). O que pode implicar em um certo comodismo dos tribunais na consecução de providências tendentes a subsidiar as unidades de 1º grau de estrutura adequada para atendimento dos propósitos dos artigos 334 e 695 do CPC/2015.
O tempo, entretanto, é outro. Além da intensa participação da sociedade civil na administração do Justiça (o Conselho Nacional de Justiça está aí para comprovar a afirmação) [5] – que, portanto, pode pressionar os tribunais a viabilizar o funcionamento da audiência inaugural de conciliação/mediação através da nomeação/contratação de mediadores/conciliadores –, há interesse do próprio Poder Judiciário em viabilizar o funcionamento dos CEJUSCs, vistos estes como poderosos aliados na diminuição da demanda.
Até lá, é melhor para as próprias partes e para a qualidade temporal do processo civil brasileiro a não realização da audiência inaugural do rito.
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[1] Em mais de uma coluna no JOTA, eu e os professores Andre Roque, Luiz Dellore, Marcelo Machado e Zulmar Duarte nos dedicamos a tratar do tema: Fernando da Fonseca Gajardoni, Vale apostar na mediação/conciliação?: https://www.jota.info/novo-cpc-vale-apostar-na-conciliacaomediacao; Zulmar Duarte de Oliveira Jr, A difícil conciliação entre o Novo CPC e a Lei de Mediação: https://www.jota.info/a-dificil-conciliacao-entre-o-novo-cpc-e-a-lei-de-mediacao; Zulmar Duarte de Oliveira Jr., Conciliação e mediação no novo CPC: interstício reflexivo: https://www.jota.info/conciliacao-e-mediacao-no-novo-cpc-intersticio-reflexivo; e Marcelo Pacheco Machado: Como escapar da audiência de conciliação e mediação do Novo CPC: https://www.jota.info/como-escapar-da-audiencia-de-conciliacao-ou-mediacao-novo-cpc.
[2] Exemplificativamente, o artigo 154, VI, estabelece o dever de o oficial de justiça certificar, em mandado, proposta de autocomposição apresentada por quaisquer das partes, na ocasião da realização do ato de comunicação que lhe couber. E o art. 565 §§ – tratante dos conflitos coletivos pela posse de imóvel urbano e rural –, condiciona o deferimento da liminar possessórias nas ações de força velha ou naquelas em que ela não seja cumprida em um ano, à realização de uma prévia tentativa de conciliação entre as partes envolvidas.
[3] A interpretação ora apresentada vem ao encontro do enunciado n. 35 da ENFAM, no sentido de que “além das situações em que a flexibilização do procedimento é autorizada pelo art. 139, VI, do CPC/2015, pode o juiz adaptar o rito abstratamente previsto em lei para conformá-lo às garantias constitucionais do processo”.
[4] Sem dúvida, a tentativa de autocomposição poderá ser realizada em fase posterior do feito pelo próprio magistrado, seja na abertura de eventual audiência de instrução a ser designada (art. 359 CPC/2015), seja em audiência especificamente para este fim (art. 139, V, do CPC/2015). Nesta audiência é recomendável que o juiz conciliador/mediador advirta as partes de que, caso a solução consensual não se concretize, nada do que foi conversado, proposto ou tratado na sessão mediatória servirá como fundamento de futura sentença, evitando-se, ainda que em tese, o mal que a realização do ato pelo magistrado pode causar: a quebra da confidencialidade e parcialidade. Aplica-se, aqui, o teor do enunciado n. 62 da Escola Nacional de Formação de Magistrados (ENFAM), no sentido de que “o conciliador e o mediador deverão advertir os presentes, no início da sessão ou audiência, da extensão do princípio da confidencialidade a todos os participantes do ato. Nas atas das sessões de conciliação e mediação, somente serão registradas as informações expressamente autorizadas por todas as partes”.
[5] A Resolução CNJ 195, que entrou em vigor em junho de 2014, tem o objetivo de distribuir equitativamente os recursos orçamentários entre as unidades de primeira e segunda instância de todos os ramos da Justiça. Antes dessa norma, a distribuição do orçamento era feita a partir de critérios adotados por cada tribunal. A norma é um dos resultados das atividades do grupo de trabalho que foi criado pelo CNJ em 2013 para elaborar a Política Nacional de Priorização do 1º Grau de Jurisdição, com propostas de iniciativas, ações e projetos voltados ao reforço dos recursos humanos e orçamentários da primeira instância da Justiça. Com base nela tem a OAB e a sociedade civil campo fértil para exigir dos Tribunais a disponibilização de mediadores/conciliadores em número suficiente para suportar a realização das audiências de conciliação/mediação.