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PROCESSO CIVIL
Arbitragem e Fazenda Pública
Heitor Vitor Mendonça Sica
24/03/2016
SUMÁRIO – 1. Introdução – 2. Cabimento da arbitragem para solução de conflitos envolvendo a Fazenda Pública – 3. Alguns limites da arbitragem para solução de conflitos envolvendo a Fazenda Pública – 4. Aspectos relacionados à celebração da convenção arbitral – 5. Aspectos relacionados ao desenvolvimento do processo arbitral – Referência bibliográfica
1. Introdução
O presente texto tem por objetivo destacar de maneira sucinta e objetiva as principais questões atinentes à aplicação da arbitragem para solução de conflitos envolvendo a Fazenda Pública, algumas das quais enfrentados pela recentíssima Lei nº 13.129/2015 (que reformou a Lei nº 9.307/96) e outros não contemplados por essa reforma legislativa.
As questões aqui suscitadas gravitam em torno de três aspectos fundamentais: (a) cabimento da arbitragem envolvendo a Fazenda Pública e seus limites; (b) aspectos relativos à celebração da convenção de arbitragem por parte da Fazenda Pública; e, finalmente, (c) aspectos do processo arbitral que tem como parte a Fazenda Pública.
Ainda à guisa de introdução, convém destacar que, para o presente texto, considerar-se-ão compreendidos na expressão “Fazenda Pública” os seguintes entes: União, Estados, Municípios, Distrito Federal e suas respectivas autarquias e fundações[1]. Percebe-se com clareza que estão fora desse conceito outros dois entes da Administração Pública indireta[2], quais sejam, as empresas públicas e as sociedades de economia mista. A distinção se justifica pelo fato de a elas se aplicar o regime de direito privado (art. 173, caput, da Constituição Federal), embora com a submissão a algumas regras típicas do direito público, como a exigência de concurso público para provimento da maioria de seus quadros e a obrigatoriedade de licitação para celebração de contratos (por força, respectivamente, do arts. 37, XXI, e do 173, §1º, III, da Constituição da República, ambos com redação dada pela Emenda nº 19/98). Ou seja, para efeitos de celebração de convenção de arbitragem empresas públicas e sociedades de economia mista são, para todos os efeitos, entes privados, sobretudo quando se trata de dirimir conflitos atinentes aos atos de gestão do exercício de atividade econômica.
2. Cabimento da arbitragem para solução de conflitos envolvendo a Fazenda Pública
Com fundamento no art. 1º da Lei n. 9.307/96, a doutrina há tempos cunhou a ideia de que o cabimento da arbitragem depende de elementos subjetivos e objetivos.
Sob o primeiro aspecto, podem se socorrer da arbitragem todos os sujeitos de direito[3] “capazes de contratar”. A Fazenda Pública é inquestionavelmente capaz de celebrar contratos, não tendo jamais se questionado, sob esse prisma, o cabimento da arbitragem para dirimir os seus conflitos.
Sob o segundo aspecto, a arbitragem é limitada à solução de “litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. Que a Fazenda Pública é titular de direitos patrimoniais, ninguém duvida. Contudo, sempre causou preocupação a existência ou não de disponibilidade quanto aos direitos patrimoniais da Fazenda Pública. Foi justamente em torno desse ponto que se colheram manifestações (até passado relativamente recente) no tocante ao descabimento da arbitragem para solucionar disputas envolvendo entes públicos[4].
Parece razoável o entendimento de que os direitos patrimoniais da Fazenda Pública são disponíveis nos limites traçados pelo ordenamento jurídico, baseado na mais simples ideia de princípio da legalidade. Ou seja, é necessária norma jurídica expressa para definir de quais direitos da Fazenda os agentes públicos que a representam podem dispor, e os limites e condições para que assim o façam, sem que com isso se considere ferida a indisponibilidade do interesse público[5].
Não é por outra razão que as alienações de bens públicos são possíveis, mas desde que autorizadas por lei[6]. Da mesma forma, os créditos tributários podem ser excluídos por anistia, exigindo-se apenas que ela seja instituída necessariamente por lei[7]. Finalmente, diversas normas permitem que advogados públicos celebrem transação em juízo[8].
Nesse passo, pode-se afirmar que a arbitragem sempre foi cabível para solucionar conflitos envolvendo a Fazenda Pública sempre que a lei assim o autorizar[9]. E, nos últimos vinte anos, o rol de hipóteses em que tal autorização foi conferida para situações específicas cresceu substancialmente[10].
Assim, pode-se dizer que a Lei no 13.129/2015 não trouxe propriamente inovação ao dispor expressamente sobre a arbitrabilidade de qualquer conflito relativo a direito patrimonial disponível da Administração Pública, conforme os seguintes (novos) dispositivos:
Art. 1º (…)
§ 1° A Administração Pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
§ 2º A autoridade ou o órgão competente da Administração Pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações.” (NR)
Todos esses elementos se sobrepõem a alguns outros argumentos contrários à aplicação da arbitragem à Fazenda Pública, como, por exemplo, o de que o art. 55, §2º, da Lei n. 8.666/93 obrigaria a solução judicial de conflitos por exigir que os contratos administrativos elegem o “foro da sede da Administração para dirimir qualquer questão contratual”. Essa norma pode ser considerada parcialmente derrogada por todas as normas posteriores, as quais permitem que, em vez de dirimir litígios apenas em juízo, os entes públicos podem submetê-los à solução arbitral. De resto, prevalece a utilidade da eleição de foro para medidas de urgência pré-arbitrais, para a execução e para ação anulatória da sentença arbitral etc.[11].
Restaria apenas verificar se essa nova norma seria apenas federal (apenas aplicável à União Federal, suas autarquias e fundações) ou nacional (aplicável a todos os entes da Administração Pública nas três esferas da Federação). Por um lado, haveria que se respeitar a autonomia dos Estados e Municípios em estipular quais direitos patrimoniais que lhes pertencem seriam disponíveis ou não. Contudo, a meu ver prevalece a ideia de que as novas disposições não obrigam a celebração de convenção arbitral, apenas a autorizam, de modo que não se pode cogitar de qualquer violação da recíproca autonomia entre os entes federativos. Ademais, a Estados e Municípios se reserva o poder de indicar (ou não) o agente público com poderes para transacionar (e, consequentemente, para celebrar convenção arbitral, nos termos do §2º acima transcrito). Essas normas haverão, pois, de se aplicar também no âmbito dos Estados e Municípios.
Outra constatação interessante que se pode extrair desses novos dispositivos: eles não limitam sua aplicação a litígios oriundos de contratos. Isso significa que disputas envolvendo direitos patrimoniais disponíveis decorrentes de relações extracontratuais poderiam ser objeto de convenção arbitral, desde que sejam objeto de compromisso arbitral (não seria possível alvitrar, por óbvio, uma cláusula compromissória em tais casos). Ocorre-me particularmente o cabimento desse meio de solução de conflitos envolvendo desapropriações[12] e indenização por atos ilícitos extracontratuais[13], embora provavelmente, na prática, seu efeito emprego seria raríssimo.
Note-se que a defesa do cabimento da arbitragem envolvendo a Fazenda Pública não pode se justificar sob a alegação de que tal medida contribuiria para “desafogar o Poder Judiciário”, como fizeram tanto o Senado Federal[14], quanto a Câmara dos Deputados[15], nos pareceres produzidos a respeito do então projeto de reforma da Lei nº 9.307/96. Em que pese a disseminação da arbitragem entre nós, salta aos olhos que o número de processos arbitrais ainda é absurdamente ínfimo frente ao número total de processos pendentes perante o Poder Judiciário[16].
O incentivo à utilização da arbitragem para relações jurídicas envolvendo a Fazenda Pública justifica-se, isso sim, pela constatação de que em diversos casos ela se apresenta como um mecanismo mais adequado de solução de conflitos. Especialmente em conflitos complexos eclodidos relativamente a contratos vultosos, a solução arbitral mostra-se superior à solução judicial porquanto sobressaem particularmente relevantes algumas de suas vantagens, tais como a celeridade e a possibilidade de escolha de árbitros detentores de expertise em questões técnicas específicas atinentes ao litígio. Assim, a utilização da arbitragem insere-se atualmente na lógica de um sistema “multiportas” de solução de disputas, sem que se possa identificar um mecanismo “preferencial” e outros “alternativos”, mas sim em analisar as circunstâncias do caso concreto para escolha do mecanismo mais “adequado”[17].
A ampliação do cabimento da arbitragem para os litígios envolvendo a Fazenda Pública não se deve exclusivamente ao anseio dos processualistas civis e dos arbitralistas no sentido aumentar a efetividade da tutela jurisdicional, mas vai ao encontro de tendências marcantes do direito administrativo atual, que valorizam a “consensualidade” das atividades administrativas, ampliam sua “contratualização”[18], e visam criar condições mais atrativas para o investimento privado na gestão da coisa pública[19].
3. Alguns limites da arbitragem para solução de conflitos envolvendo a Fazenda Pública
Traçadas as diretrizes no capítulo anterior acerca do cabimento da arbitragem para solução de conflitos envolvendo a Fazenda Pública, resta analisar quais seriam os seus limites, cuja definição depende, não mais, da identificação do que seriam direitos disponíveis, mas sim da identificação da real extensão da expressão direitos patrimoniais.
Há algumas “zonas de conforto”, nas quais não se colocará em dúvida que os conflitos entre contratante público e contratante particular são arbitráveis. Refiro-me às disputas sobre o equilíbrio da equação econômico-financeira, a fixação de indenizações por rescisão unilateral dos contratos em geral ou encampação de uma concessão, a solução de disputas envolvendo a reversão de bens ao final da concessão etc.. Ou seja, o campo natural da arbitragem é o regime econômico dos contratos administrativos.
Contudo, outras disputas envolvendo a execução de contratos administrativos – especialmente aquelas que interferem no modo como são executados pelo particular serviços públicos objeto de concessão[20] ou que envolvem o exercício de “autoridade” por parte do ente público face ao particular[21] – podem gerar desafios em torno da definição sobre sua arbitrabilidade. Parece-nos que serão arbitráveis todas as pretensões que envolvam créditos e débitos pecuniários entre as partes signatárias decorrentes das questões acima delineadas, incluindo-se até mesmo, por exemplo, o ajuste tarifário decorrente da inclusão de um serviço não previsto originalmente na concessão ou a anulação de uma multa imposta ao contratado por suposta inexecução contratual.
Outra questão interessante concerne à arbitrabilidade de conflitos envolvendo a Fazenda Pública em face da auto-executoriedade dos atos administrativos[22].
Uma das manifestações desse fenômeno está no poder conferido aos entes da Administração Pública direta, bem como às autarquias, de constituir unilateralmente a seu favor título executivo extrajudicial, nos termos das Leis n. 4.320/64 e 6.830/80, o que dispensaria a necessidade de um prévio processo de conhecimento (judicial ou arbitral[23]) para ver reconhecido um crédito pecuniário do ente público em face do particular[24]. A primeira solução diante de tal questão residiria no reconhecimento de falta de interesse processual do ente público para cobrar pela via arbitral um crédito passível de inscrição em dívida ativa e subsequente ajuizamento de execução fiscal. Contudo, considerando-se a crônica ineficiência da execução fiscal[25], e a possibilidade de o executado alegar qualquer matéria de defesa em sede de embargos, parece mais adequada a solução de reconhecer presente o interesse de agir do Poder Público para cobrar do particular, por meio do processo arbitral, um crédito pecuniário[26].
Resta saber se solução será a mesma ou não em se tratando de outros poderes de autotutela, como o direito de fazer valer as chamadas “cláusulas exorbitantes”[27] ou anular seus próprios atos[28]. Se tais poderes se relacionarem a relações jurídicas abrangidas por convenção de arbitragem, podem surgir as mesmas dúvidas em torno da existência ou não de interesse de agir do ente público em instaurar um processo arbitral em face do particular. Parece razoável reconhecer que o Poder Público não teria necessidade da tutela arbitral declaratória ou desconstitutiva, cabendo ao particular pedir a tutela arbitral diante da atuação administrativa que afete sua esfera jurídica[29]–[30].
De resto, aplicam-se ao processo arbitral os mesmos limites atinentes ao controle judicial de atos administrativos – em especial no tocante ao mérito do ato administrativo discricionário –, tema clássico e complexo, cujo exame não é compatível com os objetivos do presente estudo.
4. Aspectos relacionados à celebração da convenção arbitral
Convém agora destacar algumas questões atinentes à celebração da convenção arbitral por parte da Fazenda Pública.
A primeira concerne à necessidade de previsão ou não no edital da licitação que precede a celebração do contrato. Durante a tramitação do projeto de reforma da Lei nº 9.307/96 o Congresso Nacional cogitou instituir essa limitação, ao prever que a Fazenda Pública apenas poderia se submeter ao juízo arbitral caso houvesse inserção da cláusula compromissória nos editais licitatórios ou nos contratos administrativos. Contudo, essa limitação ficou de fora do texto final e a questão continuará a ser resolvida à luz dos demais elementos do ordenamento jurídico brasileiro. O STJ, firme na ideia de que o ente público pode se submeter à arbitragem por meio tanto da cláusula compromissória quanto do compromisso arbitral, pontuou corretamente que a omissão do edital e do contrato em instituir a primeira forma de convenção arbitral não representaria óbice para celebração da segunda[31]. Contudo, parece razoável entender que a inclusão posterior de cláusula compromissória em contrato administrativo já celebrado esbarraria no entendimento de que as hipóteses de aditamento contratual estão taxativamente previstas no art. 65 da Lei n. 8.666/93[32] e que nenhuma delas abriria ensejo para tal alteração.
Outro tema interessante diz respeito à necessidade ou não de o ente público obter adesão do particular em separado quanto à cláusula compromissória inserta em um contrato administrativo, a teor do art. 4º, §2º, da Lei n. 9.307/96. Parece-me que seria uma medida prudente do administrador público assim proceder, muito embora seja improbabilíssimo que o particular, que seria o único legitimado a apontar o vício decorrente da falta de observância dessa formalidade, realmente tenha interesse em fazê-lo, haja vista as ponderáveis vantagens do processo arbitral em relação ao judicial (máxime para o particular em face do Poder Público).
Em se tratando de uma cláusula compromissória cheia, que delimita desde logo os parâmetros completos para instauração e desenvolvimento da arbitragem, ou mesmo em se tratando de um compromisso arbitral, é de rigor ainda observar a necessidade de 3 (três) adequações fundamentais: (a) a aplicação do princípio da publicidade, que rege a Administração Pública em todas as esferas (CF, art. 37, caput) em detrimento do sigilo que usualmente conota o processo arbitral[33]; (b) a observância do princípio da legalidade, de modo a impor que o processo arbitral nacional[34] seja resolvido pelas regras do direito brasileiro, afastando-se a possibilidade de arbitragem de equidade (Lei n. 9.307/96, art. 2º, caput) ou baseada em “princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio” (art. 2º, §2º); e, por fim, (c) que haja observância dos princípios da impessoalidade e da isonomia para seleção dos contratos e/ou litígios com base nos quais serão celebradas convenções arbitrais[35].
As duas primeiras questões são definitivamente solucionadas pela Lei no 13.129 de 26 de maio de 2015, que incluiu o §3º no seu art. 2º, assim redigido: “As arbitragens que envolvem a Administração Pública serão sempre de direito e respeitarão o princípio da publicidade”.
Já a terceira questão haverá de observar a determinação do TCU no sentido de exigir justificativas técnicas e econômicas para a celebração de convenção arbitral[36].
Outro aspecto relevante concerne à escolha do órgão arbitral (em se tratando de arbitragem institucional) e à escolha dos árbitros (seja na arbitragem institucional ou na arbitragem ad hoc[37]) face à exigência de que todo serviço prestado à Administração Pública – e o árbitro não deixa de ser um prestador de serviços – deve ser contratado mediante licitação (CF, art. 37, XXI).
Alguns autores[38] ponderam que a escolha do árbitro poderia ser feita diretamente, sem licitação, pois o art. 13 da Lei n. 9.307/96 indica a necessidade de que o escolhido goze da “confiança das partes” (no plural), de tal sorte que deveria haver consenso entre o ente público e o litigante particular. Contudo, essa situação somente explicaria a dispensa de licitação para escolha de árbitro único. Em se tratando de tribunal arbitral, cada parte escolhe livremente ao menos um dos membros, de modo que o argumento cai por terra.
Mesmo nos casos em que a escolha do árbitro dependa apenas da confiança do litigante público (casos de formação de tribunal arbitral), ainda assim poder-se-ia cogitar da dispensa de procedimento seletivo público. A necessidade da confiança do agente público na pessoa escolhida para exercício de uma função pública é reputada pela Constituição Federal como circunstância apta a afastar a exigência do concurso público (art. 37, V). Embora o árbitro não seja servidor público, ele exerce uma função pública[39] revestida de confiança, o que permite a aplicação, ainda que analógica, da mesma diretriz constitucional.
Contudo, essas mesmas afirmativas não justificariam a contratação direta de um órgão arbitral, cujo papel apenas é fornecer serviços relativamente padronizados de administração do processo arbitral. Não há como reconhecer, aqui, o cabimento da inexigibilidade de licitação[40], pois não existe singularidade e exclusividade na prestação desses serviços, que tampouco se revestem de notória especialização[41].
5. Aspectos relacionados ao desenvolvimento do processo arbitral
Parece hoje prevalecente a ideia de que a maioria das prerrogativas aplicáveis à Administração Pública em juízo não se aplicam ao processo arbitral.
Veja-se, de início, o chamado “reexame necessário” (CPC/73, art. 475; do CPC/15, art. 496). Sua inaplicabilidade ao processo arbitral é manifesta, seja porque não há previsão na Lei n. 9.307/96, seja porque o CPC (seja o de 1973, seja o de 2015) não se aplica sequer subsidiariamente ao processo arbitral (o qual é regido pelas regras escolhidas pelas partes ou, à falta delas, por aquelas fixadas pelo árbitro, a teor do art. 21, caput e §1º, da Lei n..9.307/96[42]). Não bastasse, o processo arbitral é desenvolvido em instância única, o que o tornaria incompatível com esse vetusto instituto. Por fim, não há uma imposição absoluta e inerente ao regime processual aplicável aos processos envolvendo a Fazenda Pública que todas as decisões a ela contrárias sejam necessariamente revistas em grau superior.[43]
Há também que de se afastar a observância de prazos processuais ampliados (CPC/73, art. 188, CPC/15, art. 183[44]). Além da falta de previsão específica na Lei n. 9.307/96 e da necessidade de observância das regras procedimentais pactuadas pelos signatários da convenção arbitral ou, subsidiariamente, pelo árbitro, há que se acrescentar que essa prerrogativa também não se mostra inerente a todo processo envolvendo a Fazenda Pública. Tanto é que foi excluída em alguns casos (como nos Juizados Especiais Federais e da Fazenda Pública, ex vi do art. 9º da Lei nº 10.259/01 e do art. 7º da Lei nº 12.153/09, respectivamente).
A isenção de que goza a Fazenda Pública quanto à taxa judiciária e aos emolumentos processuais[45] mostra-se igualmente inaplicável para o processo arbitral, cujas despesas ostentam natureza inteiramente diversa; trata-se de contraprestação que o Estado entrega ao particular (órgão arbitral, árbitro e seus auxiliares) em razão de serviços prestados em regime diverso da prestação do serviço público judiciário. Reforça esse entendimento a constatação de que a Fazenda Pública não está isenta, por exemplo, do pagamento de honorários periciais (conforme pacificou o STJ no verbete nº 232 de sua Súmula).
Razões similares impõe que se afaste a regra que beneficia a Fazenda Pública no tocante à fixação dos honorários sucumbenciais nas causas em que sai vencida (CPC/73, art. 20, §4º; do CPC/15, art. 85, §3º[46]). Trata-se de matéria reservada à convenção de arbitragem (Lei n. 9.307/96, art. 11, V).
Por outro lado, há que se reconhecer que eventual execução da sentença arbitral no tocante ao pagamento de quantia certa se realizará em juízo e, portanto, não poderá fugir do regime constitucional de precatórios (CF, art. 100[47]).
No tocante à disciplina das tutelas de urgência em face da Fazenda Pública, a questão ganha contornos um pouco mais complexos, pois há restrições decorrentes do regime constitucional de precatórios (o STF entendeu que a concessão de tutela de urgência que ordene pagamento de quantia seria contrária ao art. 100 da CF[48]) e decorrentes de normas infraconstitucionais (em especial aquelas previstas nas Leis n. 8.437/92, 9.494/97 e 12.016/09, seja no tocante ao estabelecimento de procedimentos prévios à concessão, seja com relação a matérias para as quais a tutela de urgência é defesa seja, por fim, ao cabimento da famigerada “suspensão” de liminar ou sentença).
Entendo que a melhor solução é a de reconhecer que as restrições decorrentes da Constituição Federal se aplicarão integralmente, mas as limitações previstas nas leis infraconstitucionais haverão de ser observadas apenas nos procedimentos judiciais pré-arbitrais, aforados pelo particular em face da Fazenda Pública antes da instauração do processo arbitral. No curso do processo arbitral, as regras processuais aplicáveis são outras, e nelas não se incluem aquelas que impedem a concessão de tutelas urgentes[49].
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[1] Esse é o entendimento majoritário na doutrina, cumprindo citar a título exemplificativo na linha da doutrina de Leonardo Carneiro da Cunha (Fazenda Pública em juízo, p. 15 a 17), que ainda incluiu nesse conceito as agências executivas e reguladoras, consideradas “autarquias especiais”.
[2] Entende-se que as empresas públicas e as sociedades de economia mista fazem parte da Administração Pública indireta por força do art. 4º, II, ‘b’ e ‘c’, do Decreto-lei n. 200/67,
[3] Refiro-me às pessoas físicas, às pessoas jurídicas e aos “entes despersonalizados” que podem contratar e ser parte em processo, tais como aqueles listados (exemplificativamente) no art. 12 do CPC de 1973 equivalente ao art. 75 do Novo CPC (Lei n. 13.105/2015).
[4] Veja-se, por exemplo, peremptório julgado do Tribunal de Contas das União proferido em sessão de 05.07.2006, o qual assentou ser “ilegal, com afronta a princípios de direito público, a previsão, em contrato administrativo, da adoção de juízo arbitral para a solução de conflitos” (Acórdão n. 1099/2006, Plenário, Relator Ministro Augusto Nardes). Outro julgado da mesma Corte destaca que “É ilegal a previsão, em contrato administrativo, da adoção de juízo arbitral para a solução de conflitos” (Acórdão n. 537/2006, Segunda Câmara, Relator Ministro Alencar Rodrigues, j.: 14.03.2006). Esse entendimento demorou a ser alterado, mas se consolidou, sendo dominante atualmente (v.g., Acórdão n. 2145/2013, Plenário, Relator Ministro Benjamin Zymler, j.: 14.08.2013).
[5] Carlos Alberto Carmona sintetiza bem essa ideia: “o verdadeiro preconceito que se estabeleceu em relação à arbitragem envolvendo a Administração esteja vinculado ao erro comum de associar a ideia da indisponibilidade a tudo o que diga respeito, direta ou indiretamente, ao Estado. Os administrativistas já especificaram há muito tempo que uma coisa é o interesse público, outra o interesse da Administração ou da Fazenda Pública: o interesse público está na correta aplicação da lei, de tal sorte que, muitas vezes, para atender o interesse público, é preciso julgar contra a Administração” (Arbitragem e processo, p.65-66). No mesmo sentido, Selma Lemes assim se pronuncia: “disponibilidade de direitos patrimoniais não se confunde com indisponibilidade de interesse público. Destarte, como verificado, indisponível é o interesse público primário, não o interesse da Administração. Este entendimento já se encontra sedimentado na doutrina brasileira, sendo de observar que Celso A. BANDEIRA DE MELLO esclarece que os interesses públicos secundários só são atendíveis quando coincidentes com os interesses públicos primários.” (Arbitragem na Administração Pública, p.133). O STJ já acolheu essa tese: ““indisponível é o interesse público, e não o interesse da administração” (MS 11.308/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 09/04/2008, DJe 19/05/2008).
[6] É o que dispõem os arts. 100 e 101 do Código Civil: “Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar” e “Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei”. No caso de terras públicas com área superior a 2.500 hectares, não basta a autorização legal; há também a exigência de autorização do Congresso Nacional (art. 49, XVII, da Constituição Federal), salvo se o objetivo da alienação gira em torno da reforma agrária (art. 188, §2º, da mesma Carta).
[7] Conforme exige o art. 180 do CTN.
[8]V.g. art. 1º da Lei n. 9.469/97, com redação dada pela Lei nº 13.140/2015 (“Art. 1º. O Advogado-Geral da União, diretamente ou mediante delegação, e os dirigentes máximos das empresas públicas federais, em conjunto com o dirigente estatutário da área afeta ao assunto, poderão autorizar a realização de acordos ou transações para prevenir ou terminar litígios, inclusive os judiciais.”); art. 10 da Lei n. 10.259/01 (“Art. 10 (…) Parágrafo único. Os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, bem como os indicados na forma do caput, ficam autorizados a conciliar, transigir ou desistir, nos processos da competência dos Juizados Especiais Federais”); e art. 8º da Lei n. 12.153/09 (“Art. 8º. Os representantes judiciais dos réus presentes à audiência poderão conciliar, transigir ou desistir nos processos da competência dos Juizados Especiais, nos termos e nas hipóteses previstas na lei do respectivo ente da Federação”) e, de resto, os arts. 32 a 40 da Lei nº 13.140/2015.
[9] Relacionando disponibilidade e legalidade há clássica lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, p.108).
[10] Eis o exaustivo rol enunciado por Salles (Arbitragem…, cit., p.237 a 258): art. 23-A da Lei n. 8.987/95 (relativo aos contratos de concessão em geral); arts. 93, XV e 120, X, da Lei n. 9.472/97 (contratos de concessão e permissão de serviços de telecomunicações). art. 43, X, da Lei n. 9.478/97 (contratos de concessão na área de petróleo e gás); arts. 35, XVI, e 39, XI, da Lei n. 10.233/01 (contrato de concessão e permissão de transporte aquaviário e terrestre); art. 11, III, da Lei n. 11.079/04 (contratos de parceria público-privada); art. 4º, §4º e §5º, da Lei n. 10.848/04 (litígios na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica); art. 4º, XII, da Lei n. 11.668/08 (contrato de franquia postal); art. 21, XI da Lei n. 11.909/09 (contrato de concessão de transporte de gás); art.62, §1º, da Lei n. 12.815/13 (contratos de concessão portuária) etc.
[11] Esses foram os argumentos usados pelo STJ para reconhecer a compatibilidade da inserção de cláusula compromissória em contrato administrativo com o art. 55, §2º, da Lei n. 8.666/93 (REsp 904813/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/10/2011, DJe 28/02/2012). A esses argumentos, Carmona acrescenta outros: “É preciso notar, antes de mais nada, que a Lei de Licitações não determina que toda e qualquer controvérsia oriunda dos contratos celebrados com a Administração seja dirimida pelo Poder Judiciário, pois se assim fosse não poderia haver resolução de pendências contratuais através da transação; o texto legal exige, isso sim, que se as partes tiverem que acorrer ao Poder Judiciário, será competente o juízo do foro da sede da Administração, e não órgão judicial situado em outa região geográfica. […] A questão gira em torno do foro de eleição, ou foro contratual, onde as partes – no que se refere ao território – determinam o local de sua conveniência para solucionar litígios (se o Poder Judiciário vier a ser chamado a atuar). Nada disso é incompatível com a arbitragem: elegendo as partes foro no contrato (e nos contratos administrativos submetidos à Lei de Licitações é obrigatória a eleição do foro da sede da Administração), estarão apenas determinando que o eventual concurso do juiz togado para a realização dos atos para os quais o árbitro não tenha competência […] sejam realizados na comarca escolhida.” (Arbitragem…, cit., p.64).
[12] O art. 10 do Decreto-lei n. 3.365/41 prevê expressamente o cabimento de acordo que, na prática, constitui forma extremamente usual de fixação do valor da indenização pelo bem desapropriado.
[13] Dentro dos limites da possibilidade de o agente público transacionar, o que variará para cada ente da federação.
[14] Parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, relatado pelo Senador José Pimentel, datado de 11.12.2013, com adendo da mesma data da lavra do Senador Vital do Rêgo, disponível em http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=143478&tp=1, consulta em 22.04.2015.
[15] Parecer da Comissão Especial designada para análise do projeto, relatado pelo Deputado Edinho Araújo, datado de 15.07.2014 e disponível em http://www.camara.gov.br/sileg/integras/1265779.pdf, consulta em 22.04.2015.
[16] O próprio parecer exarado pelo relator do projeto na Câmara Federal, Deputado Edinho Araújo, fornece tais informações, com base nos resultados da pesquisa “Arbitragem em Números e Valores”, realizada feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), entre 2010 e 2013. A pesquisa coletou dados em seis das principais câmaras de arbitragem no Brasil, e constatou que, no período analisado, o número total de procedimentos iniciados foi de 603. Ou seja, nada comparado com o universo de quase 100 milhões de processos em trâmite perante a Justiça brasileira (conforme recentes dados divulgados pelo CNJ), ainda que se reconheça que a maioria dos processos arbitrais envolveu somas expressivas (a mesma pesquisa relata que o valor total dos litígios submetidos à arbitragem nesse período de quatro anos alcançou quase R$ 16 bilhões”
[17] Conforme, v.g., Marco Antonio Garcia Lopes Lorencini (“Sistema multiportas”: opções para tratamento de conflitos de forma adequada. Negociação e Arbitragem: curso básico para programas de graduação em direito, p.57-85).
[18] Confira-se, apenas a título meramente ilustrativo, Marçal Justen Filho (Curso de direito administrativo, p. 276-277).
[19] Argumento empregado por Salles (Arbitragem…, cit., p.148).
[20] A propósito, confira-se, e,g., Selma Lemes (Arbitragem na Administração Pública, p.146).
[21] A propósito, confira-se, e,g., Paulo Osternack Amaral (Arbitragem e Administração Pública, p. 67).
[22] Segundo clássica lição de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello “Já a auto-executoriedade é a execução coativa, por ato próprio da Administração Pública, sem intervenção do Poder Judiciário, dos atos administrativos. Decorre de sua exigibilidade prévia, como consequência natural. Assim, a auto-executoriedade é a prerrogativa da Administração Pública de executá-lo de ofício, por ação direta. É o privilège d’action d’office. Nessa eventualidade, a Administração Pública, sendo necessário, coage o particular à efetivação do ato administrativo, exercendo, mediante autotutela, sua execução forçada, através do emprego da força pública.” (Princípios gerais de direito administrativo, v. 1, p. 614-615).
[23] Entende-se majoritariamente que a existência de convenção arbitral (especialmente a cláusula compromissória) não impede a execução de título extrajudicial que tenha por objeto obrigação emergente do conflito arbitrável. O acórdão do STJ que pioneiramente decidiu assim é da 3ª Turma, no REsp n. 944.917/SP, em que foi relatora a Ministra NANCY ANDRIGHI, da 3ª Turma, em 18/09/2008, publicado no DJU de 03/10/2008, assim ementado: “PROCESSO CIVIL. POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DE TÍTULO QUE CONTÉM CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE AFASTADA. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS DEVIDA. Deve-se admitir que a cláusula compromissória possa conviver com a natureza executiva do título. Não se exige que todas as controvérsias oriundas de um contrato sejam submetidas à solução arbitral. Ademais, não é razoável exigir que o credor seja obrigado a iniciar uma arbitragem para obter juízo de certeza sobre uma confissão de dívida que, no seu entender, já consta do título executivo. Além disso, é certo que o árbitro não tem poder coercitivo direto, não podendo impor, contra a vontade do devedor, restrições a seu patrimônio, como a penhora, e nem excussão forçada de seus bens. – São devidos honorários tanto na procedência quanto na improcedência da exceção de pré-executividade, desde que nesta última hipótese tenha se formado contraditório sobre a questão levantada. Recurso Especial improvido”.
[24] É bem verdade que esse poder de emissão de certidão de dívida ativa para amparar execução fiscal não alcança todo e qualquer crédito. Excluem-se, por exemplo, “os créditos provenientes exclusivamente de ilícitos civis extracontratuais que não tenham sido previamente apurados pela via judicial”, conforme já decidiu o STJ (AgRg no REsp 800.405/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 01/12/2009, DJe 26/04/2011). O fundamento é o de que “em tais casos, não há certeza da existência de uma relação jurídica que vai ensejar o crédito, não havendo ainda débito decorrente de obrigação vencida e prevista em lei, regulamento ou contrato”.
[25] Revelado escancaradamente pela Pesquisa “Custo Unitário do Processo de Execução Fiscal na Justiça Federal”, elaborada pelo IPEA e pelo CNJ e cujo relatório foi divulgado em 2011 (disponível em http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/887/1/livro_custounitario.pdf, consulta em 22.04.2015).
[26] Nesse sentido, Carlos Alberto de Salles pondera que a arbitragem envolvendo contratos administrativos “implica em dupla renúncia por parte da Administração. Com ela o Poder Público renuncia à possibilidade de decidir unilateralmente a questão – mesmo considerando o sentido limitado dessa decisão – e, em igual medida, à via judicial para solução da controvérsia” (Arbitragem em contratos administrativos, p.147-148).
[27] Como, por exemplo, a que permite em algumas hipóteses a alteração unilateral dos contratos por decisão da Administração Pública (art. 65, I, da Lei n. 8.666/93), bem como a que lhe autoriza a rescisão unilateral (art. 79, I, da Lei n.8.666/93).
[28] Trata-se de poder reconhecido pelo art. 53 da Lei n. 9.784/99, na esteira do que já havia décadas antes pacificado o STF no verbete n. 473 de sua Súmula.
[29] Nesse sentido, Selma Lemes (Arbitragem…, cit., p.143-144).
[30] Conforme pondera, com absoluta razão, Carlos Alberto de Salles (Arbitragem em contratos administrativos, p.147-148) esse poder de autotutela não inclui a possibilidade de unilateralmente declarar a nulidade ou anular a própria convenção arbitral. De fato, pelo princípio “competência-competência”, insculpido no art. 8º, par. ún., da Lei n.9.307/96 (que prevalece sobre a norma geral do já citado art. 53 da Lei n. 9.784/99) determina que somente o árbitro possa “decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem”.
[31] Eis o trecho da ementa que assenta esse entendimento: “O fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato celebrado entre as partes não invalida o compromisso arbitral firmado posteriormente.” (REsp 904.813/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/10/2011, DJe 28/02/2012)
[32] Trata-se de solução que emerge do texto expresso da lei e que é prestigiada nos tribunais (v.g., TJSP, Apelação Cível n. 994.04.048210-3, 8ª Câmara de Direito público, Rel. Des. Silvia Meirelles, j.: 17.11.2010).
[33] Diante da virtual impossibilidade de o cidadão descobrir perante qual árbitro ou instituição arbitral se tramita o processo para sobre ele se informar (não há um órgão que centralize informações a respeito, algo como um “cartório distribuidor de processos arbitrais”) e considerando-se que as intimações feitas no âmbito do processo arbitral não se valem do Diário Oficial, impõe-se ao Poder Público especial atenção na divulgação de todos os atos praticados no processo arbitral para que se respeite o princípio da publicidade.
[34] Apenas nas arbitragens internacionais, parece-me que seria possível à Administração Pública convencionar a observância de direito estrangeiro, equidade, princípios gerais de direito ou regras consuetudinárias.
[35] Dois contratos que tenham objetos similares, celebrados na mesma época, não podem ser submetidos a regras diferentes no tocante aos métodos de solução de conflitos, ao menos sem justificativas técnicas que apontem razões para diferenciar as duas situações. Embora a decisão sobre firmar ou não convenção arbitral seja discricionária, ela deve ser pautada pelos princípios que regem a Administração Pública.
[36]V.g., Acórdão n. 2145/2013, Plenário, Relator Ministro Benjamin Zymler, j.: 14.08.2013.
[37] Embora extremamente incomum, a arbitragem ad hoc não encontra qualquer óbice para ser aplicada aos litígios envolvendo a Fazenda Pública, conforme pondera, com fortes argumentos, Aline Lúcia Klein (A arbitragem nas concessões de serviço público, Arbitragem e Poder Público, p.98).
[38] Dentre os quais, e.g., Marcelo José Magalhães Bonício (Breve análise sobre a arbitragem em conflitos que envolvem o Estado. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, v. 75, p. 13-20, 2012).
[39] Como se sabe, além de o árbitro exercer função pública, de caráter jurisdicional, ele se equipara aos servidores púbicos para fins penais (Lei n. 9.307/96, art. 17).
[40] Como sustenta, por exemplo, Paulo Osternack Amaral (Arbitragem e Administração Pública, p.75) sem distinguir (como, a meu ver seria necessário) as peculiaridades da escolha do árbitro da escolha do órgão arbitral: “a escolha da câmara arbitral ou do árbitro pelo administrador não exigirá a realização de prévia licitação pública. Nesse caso, o processo licitatório seria de todo inadequado, pois o interesse estatal não poderia ser satisfeito por uma prestação padrão. A contratação do árbitro ou da câmara arbitral envolve peculiaridades (reputação, especialidade na matéria objeto do litígio etc.) que escapam aos padrões de normalidade. Essas especificidades conduzem à conclusão de que a contratação do árbitro ou da câmara arbitral subsome-se às hipóteses de inexigibilidade de licitação, nos termos do art. 25 inc. II § 1º da Lei n. 8.666/93”.
[41] A Lei n. 19.477/2011 do Estado de Minas Gerais, tangencia essa questão ao exigir que as convenções arbitrais celebradas no âmbito de sua Administração sejam confiadas apenas a câmaras arbitrais inscritas no Cadastro Geral de Fornecedores de Serviços do Estado e que funcionem há pelo menos 3 anos. A questão é: e se houver mais de uma Câmara que preencha esses requisitos? Não há como contornar, aqui, a imposição do art. 37, XII, da Constituição Federal, no sentido de que se promova licitação.
[42] Já havia me pronunciado a respeito há mais de dez anos em texto escrito em coautoria com Ligia Paula Pires Pinto (Reflexões sobre a arbitragem no Brasil e a arbitragem internacional, Revista de direito internacional e econômico, v.2, n. 6, Porto Alegre: Síntese, janeiro/fevereiro/março de 2004, item 6, fine).
[43] Assim assentou o STJ ao reconhecer o cabimento da ação monitória em face de ente público, cuja estrutura é incompatível com o reexame obrigatório (EREsp 345.752/MG, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 09/11/2005, DJ 05/12/2005, p. 207).
[44] O primeiro diploma dispunha sobre prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer; o novo diploma prevê prazo em dobro para todos os atos.
[45] O art. 511, §2º, do CPC/73, dispensa do recolhimento de preparo recursal a União, os Estados, os Municípios e respectivas autarquias. Nos processos perante a Justiça Federal, o art. 4º da Lei n. 9.289/96 isenta da taxa judiciária “a União, os Estados, os Municípios, os Territórios Federais, o Distrito Federal e as respectivas autarquias e fundações”. Já a Medida Provisória n. 2.180/2001 (ainda em vigor por força da Emenda Constitucional nº 32/2001), introduziu o art. 24-A na Lei nº 9.028/95, o qual é portador de norma mais ampla: “A União, suas autarquias e fundações, são isentas de custas e emolumentos e demais taxas judiciárias, bem como de depósito prévio e multa em ação rescisória, em quaisquer foros e instâncias”. No âmbito da Justiça nos Estados da Federação, a matéria é regulamentada por lei local, cumprindo assinalar ser comuníssima a isenção da taxa judiciária aos entes da Administração Pública (É o que dispõe, à guisa de exemplo, o art. 6º da Lei nº 11.608/2003 do Estado de São Paulo: “A União, o Estado, o Município e respectivas autarquias e fundações, assim como o Ministério Público estão isentos da taxa judiciária”). Para encerrar esse quadro, o art. 91 do Novo CPC dispõe que “As despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública serão pagas ao final pelo vencido”.
[46] O primeiro diploma atribui o juiz o poder de realizar “apreciação equitativa”; o segundo prevê uma “escala” entre 1% a 20% a depender do valor da condenação ou do proveito econômico.
[47] Pouco importa que o caput do art. 100 da Constituição Federal tenha se referido a “sentença judicial”. Prova disso é que se reconhece a possibilidade de expedição de precatórios com base em título executivo extrajudicial e com base em título executivo judicial formado a partir da conversão de mandado monitório (verbetes nº 279 e 339, da Súmula do STJ, respectivamente). Em nenhum desses casos há “sentença judicial”. Ademais, embora a sentença arbitral não seja “judicial”, prevalece o entendimento de que ela é ao menos “jurisdicional”.
[48] ADC 4, Relator: Min. Sydney Sanches, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Celso De Mello, Tribunal Pleno, julgado em 01/10/2008)
[49] Para completa e profunda tratativa desse tema, confira-se Paulo Osternack Amaral (Arbitragem e Fazenda Pública, esp. p.109-174).
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