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Agravo interno negado: sempre há a imposição de multa?
05/12/2016
Em coluna anterior, o Prof. Zulmar Duarte enfrentou um importante tema do NCPC: o objetivo do legislador de diminuir as hipóteses de julgamento monocrático. Aquele texto expôs como, ao menos em tese, o NCPC prestigia as decisões colegiadas. Ao lado da mudança na prolação de decisões monocráticas (NCPC, art. 932) o novo diploma também trouxe inovações em relação à multa no caso de agravo interno (NCPC, art. 1.021, § 4º).
Para melhor compreensão do tema, tratemos dos tópicos separadamente.
1) DA DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR (art. 932 do NCPC)
Como se sabe, no âmbito dos tribunais a decisão colegiada recebe o nome de acórdão, ao passo que o provimento unipessoal (do desembargador ou ministro) é denominado de decisão monocrática.
Na redação original do CPC/1973, os poderes do relator para prolação de decisão monocrática eram bastante limitados. Basicamente era possível a decisão monocrática em relação a um pedido de tutela de urgência – como a apreciação de liminar em mandado de segurança ou habeas corpus. Sempre haveria a posterior necessidade de confirmação (ou rejeição) do mérito, em decisão colegiada.
Na década de 1990, os poderes dos relatores começaram a aumentar. Inicialmente, permitiu-se aos relatores, monocraticamente, não conhecer dos recursos, diante de vício processual grave (alteração do art. 557 pela L. 9.139/1995).
A seguir, alargou-se os poderes dos relatores para também permitir a decisão monocrática em relação ao juízo de mérito (para dar ou negar provimento ao recurso), no caso de “jurisprudência dominante” (alteração do art. 557 pela L. 9.756/1998) – termo que é altamente subjetivo para se verificar, com segurança, em quais casos possível o julgamento monocrático[1].
O art. 557 tinha problemas de técnica processual, pois confundia juízo de admissibilidade com juízo de mérito (usando não conhecer quando deveria ser não prover) e, pior, tinha problemas de aritmética, pois tinha 3 parágrafos, mas não havia § 3o…[2]
O art. 932, do ponto de vista da técnica legislativa, é muito melhor: não confunde juízo de admissibilidade e de mérito, de modo que são utilizados corretamente os termos não conhecer (para juízo de admissibilidade negativo) e dar ou negar provimento (para juízo de mérito). Vale reproduzir o artigo, na parte útil (grifos nossos).
Art. 932. Incumbe ao relator:
III – não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
IV – negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
V – depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
Como se percebe, dentre as hipóteses de julgamento monocrático NÃO está mais a “jurisprudência dominante”. É exatamente este o ponto enfrentado por Zulmar Duarte em coluna anterior, na qual ele aponta o “reforço à colegialidade no exame dos recursos pelos tribunais”.
Porém, a realidade nestes primeiros meses de vigência do NCPC vem demonstrando que essa inovação é letra morta: ou seja, apesar da mudança legislativa, na prática continuam ocorrendo julgamentos monocráticos de mérito FORA dos estritos limites do art. 932, IV e V do NCPC.
Essa constatação pode ser sintetizada com a edição da Súmula 568/STJ, às vésperas da vigência do NCPC:
O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.
(Súmula 568, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/03/2016, DJe 17/03/2016)
Ou seja, com esse enunciado, em verdade tem-se a previsão sumular (e não legislativa) para julgamentos monocráticos com base em “jurisprudência ou entendimento dominante”. Há, portanto, a repristinação do art. 557 do CPC/73 para o sistema do atual Código.
Portanto, apesar da mudança legislativa, nada mudou no cotidiano forense.
Mas o assunto não se encerra aqui. Pois há a previsão de multa no agravo interno.
2) DA PREVISÃO DE MULTA QUANDO NEGADO O AGRAVO INTERNO (NCPC, art. 1.021, § 4º)[3]
Da decisão monocrática cabe agravo interno, recurso agora regulado no Código (NCPC, art. 1.021), e que antes era usualmente denominado de “agravo regimental”.
Por sua vez, ao ser julgado, o agravo interno acarreta a prolação de um acórdão.
E o NCPC – de forma mais enfática que no sistema anterior[4]– aponta que, no caso de não conhecimento ou não provimento do agravo interno, por votação unânime, haverá a aplicação de multa:
Art. 1.021, § 4o Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa.
A interpretação desse § 4º é objeto de rica divergência – mesmo entre os autores que dividem esta coluna. Assim, teremos de aguardar a jurisprudência do STJ para saber exatamente como será a aplicação desse dispositivo.
Longe de esgotar o tema, apresento a seguir, brevemente, algumas reflexões a respeito desse dispositivo. A primeira delas, e uma das mais relevantes: em meu entender, a multa, para o legislador, é in re ipsa, ou seja, “automática”.
Assim, não se trata de multa penalizadora de má-fé. Independentemente de qual for o argumento exposto no recurso, a multa terá de aplicada, e não somente em hipóteses nas quais o recorrente agiu em descompasso com o dever de boa-fé.
Isso significa, portanto, que em TODO julgamento de agravo interno deverá haver a aplicação da multa?
A rigor, pela letra da lei, sim.
Contudo, considerando o exposto no item anterior (no sentido de que o art. 932 não vem sendo aplicado nos termos pensados pelo legislador), a resposta há de ser negativa.
3) O NCPC É UM SISTEMA: SÓ CABE A MULTA DO 1.021 SE OBSERVADO O 932
Do exposto, onde se quer chegar?
Ora, o NCPC é um sistema. Sendo assim, só é caso de aplicação de multa no agravo interno que foi negado por acórdão se, anteriormente, o relator tiver proferido decisão monocrática nas hipóteses restritas do art. 932, IV e V, do NCPC.
Caso contrário – ou seja, se o relator julgar com base em “jurisprudência ou entendimento dominante” – apenas no caso de recurso protelatório (com base no art. 80, VII, considerando a litigância de má-fé) é que será cabível a multa.
O que não é possível é a aplicação do Código aos “pedaços”, isoladamente, sem considerar o todo. Como, aliás, não pode ocorrer com nenhum diploma legal.
Mas, como já alertado, resta verificar como será a jurisprudência do STJ.
[1] Em obra anterior tratei das dificuldades relativas ao termo “jurisprudência dominante” (Estudos sobre coisa julgada e controle de constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 301 e ss.)
[2] Vale reproduzir aqui o anterior art. 557, na íntegra:
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
§ 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.
§ 1º Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.
§ 2º Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor.
[3] E aqui divirjo do entendimento de Zulmar Duarte em sua coluna.
[4] O dispositivo correspondente, no CPC/73, era o 557, § 2º, reproduzido na nota 2.