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Consequências (inexistentes) da revogação do art. 79 da Lei 89.213/1991 pela Lei 13.846/2019
Carreira Alvim
05/06/2023
RESUMO: Tendo o art. 38, I, “b” da Lei 13.846/2019 revogado o art. 79 da Lei 8.213/1991, que dispõe sobre os Planos Benefícios da Previdência Social, surgiu dúvida na doutrina sobre se essa revogação, teria deixado ao desemparo o direito do menor, do incapaz e do ausente, em contraste com o disposto pelo Código Civil. Alguns juristas entenderam que sim, publicando artigos a respeito, o que me chamou a atenção sobre o tema, pelo que resolvi fazer uma leitura e interpretação sistemática do preceito revogado, chegando à conclusão, oposta, de que essa revogação não acarretou nenhum prejuízo ao direito desses beneficiários. Minhas reflexões a respeito do tema geraram estas considerações, que submeto à apreciação dos praticantes do Direito Previdenciário, para que façam chegar aos juízes que aplicam esse ramo do direito, a fim de que a jurisprudência não se forme no sentido de negar a esses beneficiários do sistema um direito de que continuam titulares, mesmo depois da revogação em questão.
RESUMEN: Teniendo el art. 38, I, “b” de la Ley 13.846/2019 derogado el art. 79 de la Ley 8.213/1991, que prevé los Planes de Prestaciones de la Seguridad Social, surgió la duda en la doctrina si esta revocación hubiera dejado el derecho del menor, del incapaz y del ausente, en contraposición a lo dispuesto en el Código Civil. Algunos juristas entendieron que sí, publicando artículos al respecto, que me llamaron la atención sobre el tema, por lo que decidí hacer una lectura e interpretación sistemática del precepto revocado, llegando a la conclusión contraria, de que dicha revocación no causaba perjuicio alguno al derecho de estos beneficiarios. Mis reflexiones sobre el tema generaron estas consideraciones, las cuales someto a la apreciación de los practicantes del Derecho de la Seguridad Social, para que lleguen a los jueces que aplican esta rama del derecho, a fin de que no se forme jurisprudencia en el sentido de negar a estos beneficiarios del sistema un derecho que siguen siendo titulares, incluso después de la revocación de que se trata.
PALAVRAS CHAVE: Art. 79 da Lei 8.213/1991- Lei 13.846/2019 – Antinomia – Aplicação das leis – Conceitos de menor, incapaz e ausente – Decadência – Prescrição – Código Civil – Interseção de leis – Inconstitucionalidade de lei – Ausência de antinomia.
PALABRAS CLAVE: Art. 79 de la Ley 8.213/1991 – Ley 13.846/2019 – Antinomia – Aplicación de las leyes – Conceptos de menor, incapaz y ausente – Decaimiento – Prescripción – Código Civil – Intersección de leyes – Inconstitucionalidad de la ley – Ausencia de antinomia.
Sumário: 1. Introdução. 2. Revogação do art. 79 da Lei 8.213/1991 e suas consequências. 3. Antinomia e princípios de aplicação das leis. 4. Conceitos de “menor”, “incapaz”, “ausente, “decadência” e “prescrição”. 5. Normas do Código Civil e das Leis 8.213/1991 e 13.846/2019. 6. Interseção das Leis 8.213/1991 e 13.846/2019 com o Código Civil. 7. Inconstitucionalidade parcial do art. 103 da Lei 8.213/1991 pelo STF. 8. Ausência de antinomia entre o Código Civil e a Lei Previdenciária. 9. Conclusão
Introdução
Surgiu, recentemente, no sistema da Previdência Social, uma controvérsia inteiramente despropositada, patrocinada por alguns operadores do direito previdenciário, sobre a real exegese dos direitos do menor, incapaz ou ausente na forma da lei, ante a revogação do art. 79 da Lei 8.213/1991 – que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social –, pelo art. 38, I, “b” da Lei 13.846/2019 –, conhecida como “Minirreforma da Previdência Social”.
Revogação do art. 79 da Lei 8.213/1991 e suas consequências
E quais teriam sido as consequências jurídicas dessa revogação, na esfera da decadência e da prescrição, para esses beneficiários da Previdência Social? Absolutamente NENHUMA. E dizemos “nenhuma”, porque a norma do art. 79 da Lei 8.213/1991 figurava ali como “Pilatos no Credo”, porque sem consequência jurídica alguma, que pudesse justificar a sua presença nesse texto legal.
Antinomia e princípios de aplicação das leis
Os que desenvolveram o tema, falam até, de forma imprópria e inadequada, numa “antinomia” da norma do art. 79 da Lei 8.213/1991 com o art. 198 do Código Civil, mormente porque, segundo os princípios que regem a interpretação das leis, a norma especial ou específica —, que seria o art. 79 da Lei Previdenciária –, teria prioridade, na hipótese de eventual conflito de leis, na solução de questões jurídicas, sobre a regra geral, que seria o art. 198 do Código Civil.
O raciocínio tem sido o de que a revogação do art. 79 da Lei 8.213/1991 pelo art. 38, I, “b” da Lei 13.846/2019 teria deixado ao desemparo o direito do menor, do incapaz e do ausente, em contraste com o disposto pelo Código Civil.
Vejamos o que de fato ocorreu, na esfera legislativa, no que toca à revogação de que se trata, e as consequências que alguns operadores do direito previdenciário enxergam nessa revogação, relativamente aos direitos do pensionista menor, incapaz ou ausente na forma da lei.
Conceitos de “menor”, “incapaz”, “ausente, “decadência” e “prescrição”
Dispensamo-nos de determinar o que seja um “menor”, um “incapaz” ou um “ausente”, porquanto esses conceitos são, por definição legal, conhecidos dos operadores do direito, em qualquer de seus ramos, inclusive no direito previdenciário. O mesmo se diga dos conceitos de “decadência” e de “prescrição”, mais ou menos pacificados na esfera do direito civil e previdenciário.
Normas do Código Civil e das Leis 8.213/1991 e 13.846/2019
Vamos, então, ao que dispõe o Código Civil e ao que dispunham e passaram depois a dispor os textos previdenciários, que disciplinam a decadência e a prescrição, em relação ao menor, incapaz e ausente na forma da lei, e que determinaram tanta (e dispensável) controvérsia na esfera previdenciária, com a revogação do art. 79 da Lei 8.213/1991 pelo art. 38, I, “b” da Lei 13.846/2019.
Interseção das Leis 8.213/1991 e 13.846/2019 com o Código Civil
Dispõe o art. 198 do Código Civil que: “Art. 198. Também não corre a prescrição: I – contra os incapazes de que trata o art. 3º”; dispondo esse artigo, por seu turno, que: “Art. 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.”
Prevê a Lei 8.213/1991, no seu art. 103 que: “É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. (“Caput” com a redação dada pela Lei nº 10.839/2004); e prevendo, por sua feita, o parágrafo único desse mesmo artigo que: “Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil. (Parágrafo acrescido pela Lei nº 9.528/1997).
Portanto, ao dispor o art. 79 da Lei 8.213/1991 que: “Não se aplica o disposto no art. 103 desta Lei ao pensionista menor, incapaz ou ausente, na forma da lei”, chovia literalmente no molhado, repetindo o que já dispunha a parte final do art. 103 dessa mesma Lei, pondo a salvo direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.
Portanto, o art. 79 da Lei 8.213/1991 foi revogado, porque não fazia realmente o menor sentido prever que não se aplicaria o art. 103 dessa mesma Lei ao “pensionista menor, incapaz ou ausente na forma da lei”, quando isso já estava previsto na parte final do referido art. 103, pondo a “salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil”.
Inconstitucionalidade parcial do art. 103 da Lei 8.213/1991 pelo STF
A propósito do art. 103 da Lei 8.213/1991, este já teve a sua constitucionalidade analisada pelo STF na ADI 6096/DF, que declarou parcialmente inconstitucional a sua redação no que se refere à “prescrição de fundo do direito”; tendo esta mesma Corte, no RE 626489/SE, ratificado essa decisão, de que inexiste, no direito previdenciário, “prescrição de fundo do direito”, no que se refere ao ato de concessão do benefício, aplicando-se apenas a decadência para os casos de revisão.
Ausência de antinomia entre o Código Civil e a Lei Previdenciária
Destarte, não existe antinomia alguma entre as normas da Lei 13.846/2019 e as regras do Código Civil, porquanto elas eram compatíveis antes da revogação do art. 79 da Lei 8.213/1991, na sua redação original, como continuam compatíveis depois da precitada revogação, que apenas expungiu desta última um preceito que nele figurava como “Pilatos no Credo”, porque não fazia ali a menor falta, nem tinha qualquer função jurídica, porque a matéria já vinha regulada pelo Código Civil (art. 198) e pela própria Lei de Benefícios Previdenciários (art. 103, parágrafo único).
Conclusão
Em conclusão: Os direitos do pensionista menor, incapaz e ausente na forma da lei –, a que aludia o art. 79 da Lei 8.213/1991, agora revogados pelo art. 38, I, “b” da Lei 13.846/2019 –, continuam tão tutelados juridicamente, como antes dessa revogação, amparados pelos preceitos do Código Civil (art. 198 c/c art. 3º) e da Lei 13.846/2019 (art. 103, parágrafo único).
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