32
Ínicio
>
Artigos
>
Previdenciário
ARTIGOS
PREVIDENCIÁRIO
Reforma do BPC – Benefício De Prestação Continuada (Lei 15.077/2024)
Marco Aurélio Serau Junior
30/12/2024
Em 27.12.2024 foi publicada a Lei 15.077/2024, que implementou a chamada Reforma do BPC – Benefício de Prestação Continuada.
A concessão do BPC é um dos tópicos de maior expressão na Justiça Federal, objeto de milhares de ações judiciais, cujas particularidades exploramos em nosso livro PROCESSO PREVIDENCIÁRIO JUDICIAL (Editora Forense, 5ª edição).
Abaixo analisaremos os principais pontos da Lei 15.077/2024.
Exigência de cadastro biométrico para acesso às políticas assistenciais
O art. 1º da Lei 15.077/2024 estabelece a obrigatoriedade de cadastro biométrico para a população que buscar benefícios da Seguridade Social:
Art. 1º É requisito obrigatório para concessão, manutenção e renovação de benefícios da seguridade social documento com cadastro biométrico realizado pelo poder público, nos termos estabelecidos em ato do Poder Executivo federal.
Parágrafo único. Nas localidades de difícil acesso, ou em razão de dificuldades de deslocamento do requerente, por motivo de idade avançada, estado de saúde ou outras situações excepcionais previstas em ato do Poder Executivo federal, não será exigido o documento de que trata o caput enquanto o poder público não fornecer condições para realização do cadastro biométrico, inclusive por meios tecnológicos ou atendimento itinerante..
A medida é oportuna e importante, pois auxilia no processo de combate a fraudes e desvios de verbas públicas.
Todavia, faz-se importante ressalva a certos grupos vulneráveis (por idade avançada, dificuldade de deslocamento, estado de saúde, etc), os quais estarão isentos do cadastro biométrico enquanto o Governo Federal não lhes propiciar condições de acesso favorecido ao sistema tecnológico em questão.
Os beneficiários dos programas de transferência de renda do Governo Federal (a exemplo do Bolsa Família) obedecerão à regra de atualização cadastral no CadÚnico, no prazo de 24 meses, sob pena de suspensão do benefício:
Art. 2º Para os programas ou os benefícios federais de transferência de renda que utilizem o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), deverá ser observado o prazo máximo de 24 (vinte e quatro) meses de atualização cadastral, para fins de concessão ou manutenção do pagamento às famílias, nos termos estabelecidos em ato do Poder Executivo federal.
§ 1º Ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º deste artigo e no art. 21-B da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), os órgãos responsáveis pela gestão dos programas ou dos benefícios de que trata o caput deverão notificar as famílias atendidas, com antecedência mínima de 90 (noventa) dias, prorrogáveis 1 (uma) vez, por igual período, antes da aplicação do disposto no § 5º deste artigo.
§ 2º O estoque de cadastros desatualizados há 18 (dezoito) meses ou mais de famílias integrantes dos programas ou dos benefícios de que trata o caput deste artigo será objeto de cronograma de atualização específico implementado a partir de 2025, nos termos estabelecidos em ato do Poder Executivo federal.
§ 3º Para fins de concessão ou manutenção dos benefícios de que trata o caput deste artigo a famílias compostas de 1 (uma) só pessoa ou a indivíduos que residem sem parentes, a inscrição ou a atualização do CadÚnico deverá ser feita no domicílio de residência da pessoa, conforme prazos e exceções estabelecidos em ato do Poder Executivo federal.
§ 4º Nas localidades de difícil acesso, ou em razão de dificuldades de deslocamento do requerente, por motivo de idade avançada, estado de saúde ou outras situações excepcionais previstas em ato do Poder Executivo federal, não será exigida a atualização de que trata o § 3º enquanto o poder público não fornecer condições para sua realização, inclusive por meios tecnológicos ou atendimento itinerante.
§ 5º O não cumprimento do disposto neste artigo implicará a suspensão do benefício, desde que comprovada a ciência da notificação.
§ 6º O disposto neste artigo não afastará processos em curso de revisão cadastral em função do disposto na legislação vigente.
Os órgãos responsáveis pelos programas sociais deverão comunicar os beneficiários com antecedência mínima de 90 dias em relação ao prazo de atualização cadastral, evitando suspensões desnecessárias de benefícios em virtude de inércia dos atingidos.
É necessário ressaltar a importância desta exigência. Além da questão do devido processo legal administrativo, deve-se ter em consideração que se trata de benefícios destinados às camadas mais vulneráveis da população brasileira e, assim, a adoção destes mecanismos se torna bastante adequada, pois muitos não sabem o modo correto do exercício de seus direitos.
Os cadastros atualmente desatualizados no CadÚnico, com atraso de 18 meses, serão objeto de regularização específica, a partir de 2025, conforme disposto em Regulamento.
O art. 3º, da Lei 15.077/2024, impõe às concessionárias de serviços públicos a obrigação de fornecer aos órgãos da Seguridade Social informações sobre os beneficiários, propiciando melhor controle e cruzamento de dados, respeitados os limites da LGPD:
Art. 3º São as concessionárias de serviços públicos obrigadas a fornecer informações de bases de dados de que sejam detentoras, nos termos estabelecidos em ato do Poder Executivo federal, com a finalidade de aperfeiçoar o processo de verificação de requisitos para a concessão, a manutenção e a ampliação de benefícios da seguridade social, observada a legislação de proteção de dados.
Esse conjunto de medidas é importante e fortalece o compliance dos programas de Seguridade Social, destacadamente na área assistencial.
CadÚnico: mudança de escopo?
A Lei 15.077/2024 alterou inúmeras disposições da Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social). Principiaremos analisando a alteração em relação ao CadÚnico
Art. 6º-F.
§ 6º O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) coletará informações que caracterizem a condição socioeconômica e territorial das famílias, as quais serão objeto de checagem em outras bases de dados, nos termos estabelecidos em ato do Poder Executivo federal.
A redação do art. 6º-F, § 6ºera a seguinte:
§ 6º O CadÚnico coletará informações que caracterizem a condição socioeconômica e territorial das famílias, de forma a reduzir sua invisibilidade social e com vistas a identificar suas demandas por políticas públicas, na forma do regulamento.
Percebe-se que a alteração legislativa proposta altera o escopo do dispositivo tratado. Elimina-se a ideia de que o CadÚnico será utilizado para reduzir a invisibilidade social das famílias vulneráveis e melhor estipular políticas públicas, e doravante se prioriza a perspectiva de checagem de dados para fins de combate a fraudes.
Não se pode desprezar a importância das políticas de integridade e a necessidade de proteção ao erário público, mas ao mesmo tempo se parece esquecer a necessidade de sempre atualizar as políticas públicas, especialmente no ponto de reduzir a invisibilidade de certos temas e demandas sociais.
Conceito de pessoa com deficiência
Em relação ao conceito de PcD – Pessoa com Deficiência a Lei 15.077/2024 introduziu no art. 20 da LOAS o § 2º-A, bem como alterou a redação do art. 40-B, adiante transcritos:
§ 2º-A. A concessão administrativa ou judicial do benefício de que trata este artigo a pessoa com deficiência fica sujeita a avaliação, nos termos de regulamento.
Art. 40-B. Enquanto não estiver regulamentado o instrumento de avaliação de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a concessão do benefício de prestação continuada a pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação do grau da deficiência e do impedimento de que trata o § 2º do art. 20 desta Lei, composta de avaliação médica e avaliação social realizadas, respectivamente, pela perícia médica federal e pelo serviço social do INSS, com a utilização de instrumentos desenvolvidos especificamente para esse fim, e será obrigatório o registro, nos sistemas informacionais utilizados para a concessão do benefício, do código da Classificação Internacional de Doenças (CID), garantida a preservação do sigilo.
A nosso ver o § 2º-A do art. 20 não alterou o conceito de PcD até então adotado, previsto no art. 20, § 2º:
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Esta definição, efetivamente mantida mesmo após a Lei 15.077/2024, encontra-se no mesmo sentido do que está estabelecido na Convenção de Direitos da Pessoa com Deficiência, ratificada pelo Brasil em 2009 com status de norma constitucional, bem como contraria a LBI – Lei Brasileira de Inclusão:
Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:
I – os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;
II – os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
III – a limitação no desempenho de atividades; e
IV – a restrição de participação.
§ 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência.
§ 3º O exame médico-pericial componente da avaliação biopsicossocial da deficiência de que trata o § 1º deste artigo poderá ser realizado com o uso de tecnologia de telemedicina ou por análise documental conforme situações e requisitos definidos em regulamento.
A única e efetiva alteração imposta pelo recente § 2º-A vai no sentido de que futuramente haverá uma regulamentação específica para avaliação da deficiência, mas esta não implicou no retorno ao modelo de pura constatação médica que era pretendido pela redação original do PL 4614/2024, do qual a Lei 15.077/2024 é fruto.
O dispositivo da Lei 15.077/2024 que causa certa estranheza e preocupação é o art. 40-B, pois este faz menção ao “grau de deficiência”, enquanto não houver a regulamentação da avaliação da deficiência, bem como à necessidade de “registro da CID” para fins de concessão do BPC.
Todavia, a partir de uma interpretação sistemática da própria Lei 15.077/2024, bem como da hermenêutica da Lei Orgânica da Assistência Social e do conjunto do ordenamento jurídico brasileiro, chega-se à conclusão de que a menção à CID reside em finalidades meramente cadastrais e administrativas, não tendo sido revogado o conceito vigente de deficiência.
Sobretudo porque deve ser levado em consideração o veto presidencial ao § 2º-B, do art. 20 da LOAS, conforme redação pretendida pela Lei 15.077/2024, que, este dispositivo sim, previa a retomada da configuração da deficiência como doença, com avaliação médica apenas e enquadramento em CID – Classificação Internacional de Doenças.
Cálculo da renda mensal familiar
Em relação ao cálculo da renda familiar foi introduzido no art. 20 da LOAS o § 3º-A:
§ 3º-A. O cálculo da renda familiar considerará a soma dos rendimentos auferidos mensalmente pelos membros da família que vivam sob o mesmo teto, ressalvadas as hipóteses previstas no § 14 deste artigo, nos termos estabelecidos em ato do Poder Executivo federal, vedadas deduções não previstas em lei.
É importante frisar que não foi aprovada a exigência de constatação do patrimônio familiar, tampouco se revogou a regra constante do Estatuto do Idoso e da própria LOAS, no sentido de excluir a dedução, da renda mensal familiar, dos benefícios previdenciários de 1 salário mínimo ou BPC recebidos por um membro da família do requerente.
Por fim, sublinhe-se que também não foi aprovada a regra que quebrava a exigência de coabitação para cômputo da renda de certos membros da família no cálculo da renda mensal familiar.
No geral, consideramos que a Reforma do BPC foi bem menos drástico do que constava da proposta inicial contida no PL 4.614/2024.
Conheça a obra: Processo Previdenciário Judicial de Marco Aurélio Serau Junior
LEIA TAMBÉM: