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Lei 14.647/2023: instituições religiosas e o vínculo de emprego

LEI 14.647/2023

VÍNCULO DE EMPREGO

Marco Aurélio Serau Junior

Marco Aurélio Serau Junior

14/08/2023

Foi publicada a Lei 14.647/2023, que alterou a CLT para estabelecer a inexistência de vínculo empregatício entre entidades religiosas ou instituições de ensino vocacional e seus ministros, membros ou quaisquer outros que a eles se equiparem.

Art. 442. (…)

§ 2º Não existe vínculo empregatício entre entidades religiosas de qualquer denominação ou natureza ou instituições de ensino vocacional e ministros de confissão religiosa, membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, ou quaisquer outros que a eles se equiparem, ainda que se dediquem parcial ou integralmente a atividades ligadas à administração da entidade ou instituição a que estejam vinculados ou estejam em formação ou treinamento.

§ 3º O disposto no § 2º não se aplica em caso de desvirtuamento da finalidade religiosa e voluntária.

Apresentaremos ao leitor os principais aspectos dessa nova alteração na CLT.

Laicidade do Estado brasileiro

Na análise da Lei 14.647/2023 deve-se ter como premissa de interpretação a laicidade do Estado brasileiro, prevista no art. 5º, VI, e, especialmente, no art. 19, I, ambos da Constituição Federal:

Art. 5º (…)

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Ou seja, o Estado brasileiro é laico e não interfere nem se imiscui nos assuntos religiosos e na forma como a população brasileira exerce sua espiritualidade. Esse é o ponto básico pelo qual deverá ser interpretada a Lei 14.647/2023.

Assim, não pode a legislação ou a Justiça do Trabalho estabelecer quais atividades possuem cunho religioso ou quais configuram vínculo de emprego, por desvirtuamento da função religiosa.

Outrossim, não é irrelevante mencionar que as instituições religiosas, como quaisquer organizações da sociedade civil, possuem inúmeros empregados e empregadas, necessários à realização de suas atividades: limpeza, jardinagem, motoristas, serviços em geral, etc.

Mais uma tentativa de impedir a Justiça do Trabalho de reconhecer vínculo de emprego

É interessante notar que o tipo de dispositivo legal trazido pela Lei 14.647/2023 segue uma trilha já pretendida anteriormente, no sentido de buscar impedir à Justiça do Trabalho de reconhecer o vínculo de emprego no caso de, na situação concreta, estarem presentes os elementos do artigo 3º da CLT.

Isso já ocorreu anteriormente em relação ao trabalho autônomo exclusivo, bem como aos trabalhadores de cooperativas e terceirizados, conforme, respectivamente, artigos 442, § 1º, e 442-B, da CLT, e 4º-A, da Lei 6.019/1974, que reproduzimos abaixo:

Art. 442. (…)

§ 1º Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela.

Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta Consolidação.  

Art. 4º-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.

§ 1º A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços.                 

§ 2º Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante.  

Todavia, e na hipótese trazida pela Lei 14.647/2023 isso fica mais evidente que nos casos anteriores, havendo fraude à legislação e existindo, de fato, relação de emprego, esta poderá ser reconhecida judicialmente. É que dispõe o § 3º recém introduzido ao artigo 442, que reproduzimos novamente aqui:

§ 3º O disposto no § 2º não se aplica em caso de desvirtuamento da finalidade religiosa e voluntária.

Ou seja, a função religiosa em si e a priori não configura relação de emprego, mas é possível que, em certas situações, havendo desvirtuamento da função religiosa e fraude à legislação, vir a ser reconhecido o vínculo laboral. Não se deve perder de vista que esta possibilidade já é inata à regra geral disposta no art. 9º da CLT:

Art. 9º – Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

Apesar de não ocorrer judicialização massiva desse tema, há algumas decisões da Justiça do Trabalho reconhecendo vínculo de emprego entre instituições religiosas e pessoas que exerceram determinadas funções em seus quadros.

Aspectos previdenciários

Por fim, vale a menção aos aspectos previdenciários relativos à situação dos membros de instituições religiosas, os quais tratamos no nosso livro Processo Previdenciário Judicial. Caso não ocorra o reconhecimento de vínculo de emprego, nos termos do art. 442, § 3º, da CLT, recém introduzido pela Lei 14.647/2023, quando tais pessoas serão consideradas como segurados obrigatórios empregados, o enquadramento previdenciário típico dos ministros de confissão religiosa vem na condição de contribuintes individuais, conforme art. 11, V, c, da Lei 8.213/1991:

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

V – como contribuinte individual:

c) o ministro de confissão religiosa e o membro de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa;   

Em suma, esses são os principais tópicos trazidos pela Lei 14.647/2023.

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