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Instrução Concentrada no Processo Judicial Previdenciário (Recomendação CJF 1/2025)

Marco Aurélio Serau Junior
25/03/2025
Em meados de fevereiro o CJF – Conselho da Justiça Federal publicou a Recomendação 1/2025, que trata da Instrução Concentrada em algumas modalidades de ações previdenciárias.
Abaixo comentamos os principais aspectos dessa inovação procedimental que certamente acarretará forte impacto nas ações previdenciárias, objeto de nosso livro PROCESSO PREVIDENCIÁRIO JUDICIAL.
As menções normativas abaixo serão todas da própria Recomendação CJF 1/2025.
Escopo específico de aplicação da instrução concentrada
O procedimento de instrução concentrada se aplica, a priori, somente às ações de aposentadoria por idade rural, aposentadoria por idade híbrida e salário maternidade para segurada especial.
Fundamentação que autoriza a utilização da instrução concentrada
Dentre os vários considerandos que justificam e fundamentam a adoção da prática da instrução concentrada, destacam-se os seguintes:
CONSIDERANDO o disposto no artigo 2.º da Lei n.º 9.099/1995 c/c o artigo 1.º da Lei n.º 10.259/2001, que determinam a observância dos critérios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade no âmbito dos Juizados Especiais Federais,
CONSIDERANDO a faculdade das partes de formalizar negócio jurídico processual sobre matéria probatória, consoante artigo 190 do Código de Processo Civil e Enunciado n.º 21 do Fórum Permanente de Processualistas Civis;
O primeiro considerando destacado diz respeito à forma processual nos Juizados Especiais Federais, pautada pelos critérios de simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, o que obviamente justifica a adoção da instrução concentrada.
Chamo a atenção para a possibilidade de realização de negócio processual, nos termos do art. 190 do CPC, que permite, havendo consenso entre as partes, a flexibilização do rito processual.
No caso da Recomendação CJF 1/2025 o que existe não é propriamente a “negociação” em torno de um novo e mais adaptado rito processual, mas tão somente a possibilidade de a parte autora (o segurado, dependente ou beneficiário da Previdência Social) “aderir” ao formato proposto pelo órgão judiciário, sem verdadeiro e profundo ato consensual.
Por isso, a sugestão da instrução concentrada deve ser sempre objeto de profunda reflexão sobre seus prós e contras, sobretudo porque, conforme outro considerando, o escopo é “reduzir a extensa pauta de audiências nos Juizados Especiais Federais”, e esse tipo de medida costumeiramente desemboca em empobrecimento do princípio do devido processo legal (o que é ainda mais delicado em se tratando do segurado especial, parte mais vulnerável do regime previdenciário).
Adoção facultativa da instrução concentrada
A instrução concentrada é procedimento de adoção facultativa tanto em relação ao juízo como em relação à parte autora:
Art. 2º A adoção do procedimento de Instrução Concentrada é facultativa e extensiva a qualquer Subseção Judiciária, mediante comunicação prévia da sua adoção pelo seu Juiz responsável para a Procuradoria Regional Federal da respectiva Região.
Art. 4º Na hipótese de adoção do procedimento de Instrução Concentrada pelo Juízo, a parte autora na propositura da ação ou antes da citação do INSS deverá manifestar sua adesão, hipótese em que a petição será instruída com as seguintes provas documentais ou documentadas:
O art. 4º, § 5º, da Recomendação 1/2025 proíbe que a instrução concentrada seja adotada em relação aos processos em curso em que já tenha ocorrido a citação do INSS.
Provas/Gravações a serem produzidas e encaminhadas pela parte autora
No caso de adesão à instrução concentrada, a petição inicial (ou antes da citação do INSS) deverá ser acompanhada seguintes provas documentais ou documentadas:
I – gravação de vídeo do depoimento pessoal da parte e de suas testemunhas;
II – vídeos ou fotografias do imóvel rural ou imóveis rurais ocupados pela parte autora, bem como de outros elementos capazes de indicar o exercício do labor rural;
III – início de prova material contemporânea ao período que pretende comprovar.
Em todos os casos deve haver início de prova material da atividade rural, nos termos do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/1991 e Súmula 34 da TNU.
Esse tópico da Recomendação acentua uma tendência silenciosa, mas muito nítida, de transferir, cada vez mais, parcela expressiva do “serviço público judiciário” às partes do processo.
Explico: o natural é que a oitiva de depoimento pessoal e testemunhal ocorra em face do juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, especialmente em razão dos princípios do juízo natural e da identidade física do juiz, mas doravante as provas testemunhais e de depoimento pessoal serão produzidas de modo privado, sob responsabilidade privada, e a autoridade judiciária tão somente irá validá-las e observá-las em momento posterior à de sua realização.
Se esse tipo de procedimento é tecnicamente válido (nos termos do art. 190 do CPC), talvez não seja tão pertinente às ações previdenciárias, onde se destaca a vulnerabilidade processual das partes.
Requisitos a serem observados pelas gravações
As gravações a serem produzidas pelos advogados das partes devem atender aos requisitos do art. 5º da Recomendação CJF 1/2025:
Art. 5º A validade da prova oral gravada em vídeo e trazida aos autos, nos termos do art. 4º, inciso I, desta Recomendação, estará condicionada ao cumprimento dos seguintes requisitos mínimos:
I – no início de cada gravação em vídeo deverá ser mencionado o nome da parte autora e/ou o número do processo judicial a que se refere o depoimento;
II – cada gravação em vídeo deverá observar o limite de 50mb, em formato MP4, e conter um único depoimento, permitindo-se a juntada do depoimento pessoal e de, no máximo, 3 (três) depoimentos testemunhais, na forma do art. 34 da Lei n. 9.099/1995;
III – a parte autora e as testemunhas deverão apresentar documento de identificação original com foto no início da gravação e, em seguida, deverão ser devidamente qualificadas, com indicação do nome, estado civil, profissão e local de residência, bem como indicar se são parentes ou amigos íntimos da parte autora;
IV – as testemunhas deverão ser compromissadas antes de prestarem depoimento, assumindo o compromisso de dizer a verdade sob pena de cometimento do crime de falso testemunho (Código Penal, art. 342);
V – a gravação em vídeo deve ser contínua, sem edições ou cortes de qualquer natureza, de modo a garantir a integridade do depoimento;
VI – a obrigatoriedade de respostas, pela parte autora e pelas testemunhas, às perguntas padronizadas indicadas no Anexo II, desde que cabíveis ao caso concreto, além de outras que o advogado da parte autora entenda pertinentes.
§ 1º A prova oral será colhida sob a orientação e responsabilidade do advogado ou defensor público, podendo utilizar as ferramentas que permitem a gravação telepresencial.
§ 2º O descumprimento do disposto neste artigo implicará invalidade da prova oral gravada e sua consequente desconsideração na formação do convencimento do juízo.
Eventuais problemas técnicos no envio das gravações ensejam a abertura de 15 dias de prazo para saneamento destas questões (art. 6º, § 3º, da Recomendação).
Fluxo processual
A adesão ao procedimento de instrução concentrada acarreta grande mudança do fluxo processual:
Art. 6º A adesão expressa ao procedimento de Instrução Concentrada implicará renúncia à faculdade de produção de prova testemunhal ou de colheita de depoimento pessoal em audiência.
§ 1º A parte autora e o INSS ficam cientes de que, após a adesão ao procedimento de Instrução Concentrada, não poderão suscitar, em âmbito recursal ou em outros meios de impugnação, a nulidade da sentença em razão da não realização de audiência de conciliação ou de instrução.
Em resumo, a adesão à instrução concentrada implica renúncia à possibilidade de produção de prova testemunhal ou depoimento pessoal em audiência, o que impede, também, eventual alegação de nulidade da sentença em razão da não realização de audiência de instrução.
Todavia, ao INSS (somente a esta parte processual) é facultado requerer, motivadamente, a oitiva de testemunhas ou depoimento pessoal em audiência de instrução processual, ainda que a parte autora tenha convencionado pela instrução concentrada:
§ 2º Em casos excepcionais, o INSS poderá requerer a oitiva de testemunhas ou do depoimento pessoal da parte, desde que o faça no prazo de resposta, ficando o deferimento da produção da prova condicionado à indicação, concreta e pormenorizada, de sua necessidade, excluída a hipótese de simples pretensão de contradição do conteúdo dos depoimentos, documentos ou afirmações trazidas pela parte autora, o que deverá ser feito em contestação.
Ao juízo, evidentemente, por ser o condutor natural do processo, é facultado, ainda que se tenha dado início ao procedimento de instrução concentrada, sob algumas condições, ouvir testemunhas e extrair o depoimento pessoal da parte:
Art. 8º A adesão ao procedimento de Instrução Concentrada não impede que o juiz, excepcionalmente e de ofício (CPC, art. 370), determine a realização de audiência de instrução, caso verifique que as gravações em vídeo são inidôneas, os arquivos juntados aos autos estão corrompidos ou que não conferem substrato mínimo para o julgamento da causa.
§ 1º O não exercício da faculdade prevista no caput deste artigo pelo juiz não autoriza que as partes suscitem a nulidade da sentença, nos termos do art. 6º, § 1º, desta Recomendação;
Com este quadro, o fluxo procedimental passa a ser o seguinte (explicitado em quadro de workflow constante em anexo à Recomendação CJF 1/2025):
Art. 7º Com a expressa adesão à Instrução Concentrada e à juntada da documentação pertinente, o fluxo processual tradicional será substituído nos seguintes termos:
I – não sendo apresentados, de imediato, os documentos para viabilizar a Instrução Concentrada, quando expressamente aceita, a parte autora será intimada para, no prazo de 15 (quinze) dias, emendar a petição inicial e juntar os documentos aos autos;
II – o INSS será citado para contestar, no prazo de 30 (trinta) dias, e, conhecendo as provas apresentadas, poderá apresentar proposta de acordo direto ou se pronunciar sobre o mérito;
III – havendo ou não proposta de acordo, a parte autora será intimada para se manifestar, no prazo de 15 (quinze) dias. Em caso de concordância, o processo será concluso para que, conforme o inciso I do § 2º do art. 12 do Código de Processo Civil, seja imediatamente homologado o acordo, determinando a implantação do benefício correspondente no prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias, devendo ainda encaminhar os autos para a rotina de expedição de ofícios requisitórios em prazo máximo de 60 (sessenta) dias.
IV – não havendo concordância, a parte autora deverá, desde logo, apresentar réplica no mesmo prazo de 15 (quinze) dias;
V – não havendo proposta de acordo ou não sendo este aceito pela parte autora, sem a necessidade de marcação de audiência, o processo será concluso para sentença, obedecendo-se a ordem cronológica de julgamentos, nos termos do caput do art. 12 do CPC.
Perguntas padronizadas
O Anexo da Recomendação trata das perguntas padronizadas a serem feitas às partes e testemunhas:
ANEXO II – PERGUNTAS PADRONIZADAS MÍNIMAS
As perguntas abaixo devem ser formuladas à parte autora e às testemunhas. Aqui constam as perguntas obrigatórias mínimas a serem formuladas, sem prejuízo de o advogado ou defensor público complementar com outras questões que entender cabíveis.
Eis alguns exemplos de perguntas padronizadas:
1) Você nasceu na roça ou na cidade?
1.1) Você estudou em escola rural? Se sim, em qual escola, onde ficava e até qual série?
1.2) Com qual idade você começou a auxiliar os pais na atividade rural?
2) Com qual idade você começou a trabalhar o dia todo na atividade rural?
2.1) Com qual idade você começou a trabalhar com salário na atividade rural?
2.2) Onde e quem era o patrão na primeira atividade sozinho (sem os pais)? Qual a lavoura plantada?
3) Os seus pais eram trabalhadores rurais?
3.1) Os seus pais moravam na roça ou na cidade?
3.2) Que idade você tinha quando seus pais se mudaram para a cidade?
4) Os seus pais eram proprietários da terra, arrendatários, parceiros, colonos ou boias-frias? Especificar.
4.1) Qual o nome e tamanho da propriedade?
As perguntas contidas no Anexo da Recomendação são todas pertinentes à demonstração da atividade rural e costumeiramente realizadas na prática forense do Processo Judicial Previdenciário.
Não temos nenhuma oposição a mecanismos de racionalização do trabalho judiciário ou de ganho de eficiência, como parece ser o caso. Mas sempre resta a preocupação de “padrões de atuação judiciária e judicial” que porventura limitem o devido processo legal bem como a ampla defesa.
Natureza jurídica de Recomendação
Por fim, deve ser pontuado que se trata tão somente de uma Recomendação do CJF, de caráter meramente indicativo, destituído de força vinculante. Todavia, à medida que se trata de ato normativo derivado do órgão de cúpula da Justiça Federal no Brasil, a repercussão será grande e em igual medida a aceitação e adoção desta modalidade de processamento das ações previdenciárias.

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