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Eu, Daniel Blake – Direito e Cinema #9

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Direito e Cinema # 9 – “Eu, Daniel Blake”

BUROCRACIA

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DANIEL BLAKE

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EU DANIEL BLAKE

FILME

KEN LOACH

SEGURIDADE SOCIAL

Marco Aurélio Serau Junior

Marco Aurélio Serau Junior

13/05/2020

Finalmente consegui assistir a “Eu, Daniel Blake”, filme do diretor inglês Ken Loach, de 2016, que conta a história do marceneiro de mesmo nome, que padece de cardiopatia e se encontra impedido de trabalhar, iniciando um périplo tortuoso para obter o benefício de auxílio-doença.

Essa história, embora se passe no norte da Inglaterra, poderia se passar na APS da esquina do trabalho ou da casa de qualquer um de nós.

O filme, bastante triste, é muito interessante para ilustrar a burocratização excessiva que hoje se coloca para o acesso aos benefícios da Seguridade Social, previdenciários e assistenciais; nada mais que a expressão cotidiana da inacessibilidade do próprio Estado Social.

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No enredo do filme, Daniel Blake sofre com a indiferença da funcionária (terceirizada) que analisa sua incapacidade para o trabalho, ignorando por completo seu problema cardíaco e se dedicando a perguntas inúteis e impertinentes, alheias ao seu quadro pessoal específico (“consegue colocar um chapéu?”; “consegue ir ao banheiro?”).

Ao final da “perícia”, o benefício é negado a Daniel pois ele só atinge 12 dos 15 pontos necessários à concessão do auxílio-doença.

O filme ainda mostra um labirinto kafkiano imposto para a interposição do recurso administrativo, assim como uma diferenciação enigmática entre o benefício que deveria ser corretamente requerido: auxílio-doença ou seguro-desemprego, diferenciados por complexas regras jurídicas, ininteligíveis para a personagem.

Daniel, por conta disso, se submete a inúmeras idas e vindas às agências governamentais, padecendo também pelo fato de estar em uma situação de exclusão digital:  todos os programas de apoio governamental exigem sempre determinado nível de inclusão digital, acesso a celulares ou computadores etc.

Outro ponto forte mostrado no filme é a exigência de que Daniel, para obter o benefício de seguro-desemprego, comprove que está fazendo cursos de “qualificação profissional”, a exemplo de um esdrúxulo curso de elaboração de currículos, e que passa a semana procurando emprego – a esmo, em um mercado de trabalho excludente para sua idade.

Essas cenas não são narrativas exclusivas da Seguridade Social inglesa; também ocorrem muitas por aqui. Basta lembrar de algumas situações decorrentes da Operação Pente-Fino ou a exigência de prova de vida.

A literatura especializada tem demonstrado a existência de uma burocratização excessiva e desarrazoada, que impede, a partir de aspectos meramente formais, burocráticos, descolados da realidade, o acesso aos benefícios da Seguridade Social.

O preenchimento dos requisitos e condicionamentos, que existem em qualquer política pública voltada aos direitos sociais, ganha vida própria e passa a ser o elemento central, mais importante que a própria perspectiva da concessão dos benefícios às pessoas em situação de vulnerabilidade social ou econômica.

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“Eu, Daniel Blake” também traz uma mensagem de solidariedade e empatia, que se revela na preocupação e amizade de seus ex-colegas de trabalho, bem como com seu relacionamento afetuoso com Katie, uma mãe solteira em busca de amparo assistencial que ele conhece em uma de suas idas à repartição pública.

Mas o filme se encerra de forma dramática, com Daniel Blake falecendo durante a sessão de revisão administrativa do pedido de concessão do auxílio-doença. Essa cena, que tem muito de expiação e catarse, tal qual eram estruturadas as tragédias gregas, não é totalmente estranha àqueles que advogam na área previdenciária.

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