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Apontamentos a respeito da nota técnica SEI 4921/20 do Ministério da Economia – Impacto econômico da tese da revisão da vida toda (tema 1102)
Marco Aurélio Serau Junior
02/08/2021
No julgamento do tema 1102, indica-se um elevado custo econômico caso aprovada a tese. Porém, alguns elementos devem ser considerados pelo STF.
Os dados econômicos trazidos pelo Ministério da Economia na Nota Técnica SEI 4921/20 apontam para um montante de R$ 46,4 bilhões ao longo de 10 anos, em valores reais de 2020, caso aprovada pelo Excelso Pretório a denominada tese da “revisão da vida toda” – Tema 1102 da repercussão geral-, sendo que esse valor seria o resultado de gastos derivados de 3,6 bilhões no ano de 2020, acrescido de R$ 16,4 bilhões com os pagamentos de prestações passadas e mais R$ 26,4 bilhões com o pagamento de prestações futuras.
É importante pontuar que possivelmente o alcance econômico da tese da “revisão da vida toda” não chegue a tanto.
Vale ressaltar que as ações revisionais contra o INSS se sujeitam a um prazo de decadência de 10 anos, isto é, perde-se o direito a ajuizá-las a partir de 10 anos do início do recebimento do benefício previdenciário que se pretende reajustar, nos termos do art. 103, da lei 8.213/91, observadas as ressalvas constantes da ADIn 6.096:
Art. 103. O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10 (dez) anos, contado:
I – do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou
II – do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo.
A revisão tratada no tema 1102 da repercussão geral do STF se submete, portanto, a um prazo de decadência decenal, ou seja, se o primeiro recebimento de benefício já possui 10 anos o aposentado não poderá mais ajuizar a ação.
Além disso, deve-se levar em conta o prazo prescricional de 5 anos em relação às prestações em atraso, conforme art. 103, parágrafo único, da lei 8.213/91:
Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.
Estes dois elementos que constam do art. 103 da Lei 8.213/91 muito provavelmente devem reduzir o impacto estimado para a adoção da tese contida no Tema 1102, por impossibilidade de ajuizamento de novas ações ou prescrição de parcelas em atraso.
Além dos aspectos puramente normativos apontados, há outros, de cunho prático, que também devem desestimular a procura judicial por novas ações revisionais da vida toda.
O tema da “revisão da vida toda” consiste em uma tese previdenciária bastante excepcional; não se trata de uma ação previdenciária corriqueira, pois será vantajosa apenas e tão somente para o segurado que ganhava mais no início do seu período contributivo e menos nos períodos mais recentes; em regra, porém, ocorre o contrário do que a tese da revisão da vida toda contempla: no mercado de trabalho, os salários costumam começar menores e vão aumentando ao longo da a vida laboral, não o contrário.
Outrossim, vale lembrar que se está a tratar de tese revisional que leva em consideração valores recolhidos aos cofres do INSS anteriormente a 1994, isto é, um horizonte temporal superior a 27 anos, ou mais.
Do ponto de vista da instrução probatória, deve-se registrar que a prova dos salários-de-contribuição mais antigos cabe ao segurado e, se em uma ação judicial com o escopo da ‘revisão da vida toda’ exige-se que o aposentado apresente no processo documentos com cerca de 4 décadas, é muito frequente que os segurados não tenham como comprovar tais salários-de-contribuição, pois muito provavelmente não possuirão tais holerites e guias de recolhimento.
Por outro ângulo, é importante sublinhar que a Advocacia Previdenciária, em sua maioria composta por profissionais sérios e pautados pelos critérios de Ética Profissional contidos na Lei 8.906/94, costuma trabalhar a partir da elaboração de cálculos previdenciários prévios ao ajuizamento das ações, onde se pode verificar o efetivo reajuste que poderá ser obtido em eventuais ações revisionais, as quais não configuram “aventuras jurídicas”, mas exercício regular de direito.
Neste ponto, é muito provável que não sejam ajuizadas ações revisionais por parte de aposentados em relação aos quais o benefício poderá ser reajustado minimamente, ou mesmo apresente resultado negativo. Na prática, não haverá interesse econômico no processo, ou este não será viável do ponto de vista econômico, e aqui trazemos à baila a barreira econômica ao acesso à justiça, conforme a clássica abordagem de Mauro Cappelletti e Bryant Garth.
Em relação aos possíveis custos administrativos para implementação da revisão previdenciária tratada no tema 1102, a Nota Técnica SEI 4921/20 aponta gastos para a realização de cálculos e estruturação para os pedidos de revisão na ordem de R$ 1,6 bi.
Porém, considerando os muito prováveis fatores de desestímulo para judicialização em torno do Tema 1102, conforme indicamos acima (decadência, prescrição, ausência de documentos comprobatórios dos salários-de-contribuição, inexistência de vantagem econômica no processo, etc…) pode-se antever que a demanda administrativa será muito inferior.
Primeiro porque é incipiente a dificuldade operacional apontada, tendo em vista que atualmente o INSS possui todas suas rotinas de trabalho automatizadas, a partir de diversos sistemas informatizados, e o recálculo do benefício conforme o Tema 1102 é bastante simples de ser inserido nessa programação computadorizada.
Em segundo lugar porque a Administração Pública deve ser pautar pelo princípio da eficiência – art. 37, caput, do Texto Constitucional, e eventuais custos administrativos não podem significar óbice ao exercício de direitos fundamentais. Assim, eventuais custos para implementação do recálculo derivado da revisão da vida toda devem ser necessariamente suportados pela autarquia federal e desconsiderados do montante global aduzido na Nota Técnica aqui debatida.
Os argumentos acima, com a máxima vênia devida, constituem os apontamentos em relação à Nota Técnica 4.921/20, apresentados no intuito de contribuir para o profícuo debate em torno do Tema 1102.
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