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Princípio de insignificância
26/07/2022
Neste trecho do livro Curso de Direito Penal Brasileiro — Volume Único, Luiz Regis Prado explica o princípio da insignificância e algumas teses a ele relacionadas. Leia!
Princípio de insignificância
De acordo com o princípio de insignificância, formulado por Claus Roxin[76], e relacionado com o axioma minima non curat praeter, enquanto manifestação contrária ao uso excessivo da sanção criminal, devem ser tidas como atípicas as ações ou omissões que afetem infimamente a um bem jurídico-penal.
A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta em caso de danos de pouca importância ou quando afete infimamente a um bem jurídico-penal.
Vale dizer: a irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta em casos de lesões de pouca gravidade ou quando “no caso concreto seu grau de injusto seja mínimo”.[77]
O princípio de insignificância é tratado pelas modernas teorias da imputação objetiva como critério para a determinação do injusto penal, isto é, como um instrumento para a exclusão da imputação objetiva de resultados.
Alguns autores assimilam ou equiparam o instituto da adequação social de Welzel e o critério da insignificância elaborado por Roxin.[78]Entretanto, a finalidade dos casos englobados por ambos os critérios permite identificar diferenças marcantes entre eles, posto que nos casos abarcados pelo chamado princípio de insignificância não há a valoração social implícita na adequação social. Exemplo paradigmático é o furto de objetos de ínfimo valor.
A partir do princípio de insignificância como “máxima de interpretação típica”,[79]defende-se um exame de cada caso concreto “mediante uma interpretação restritiva orientada ao bem jurídico protegido”,[80]pois “só uma interpretação estritamente referida ao bem jurídico e que atenda ao respectivo tipo (espécie) de injusto deixa claro por que uma parte das ações insignificantes são atípicas e frequentemente já estão excluídas pela própria dicção legal, mas por outro lado, como v.g. os furtos de bagatela, encaixam indubitavelmente no tipo: a propriedade e a posse também se veem vulneradas pelo furto de objetos insignificantes, enquanto em outros casos o bem jurídico só é menoscabado se ocorre certa intensidade da lesão”.[81]
Em realidade, a tão criticada imprecisão da adequação social não foi superada pelo critério de insignificância proposto para a solução de casos como o mencionado.[82]O que é, afinal, insignificante? Trata-se de um conceito extremamente fluido e de incontestável amplitude. Daí porque sua aplicação costuma vulnerar a segurança jurídica, peça angular do Estado de Direito.
É ele, como bem se destaca, “incompatível com as exigências da segurança jurídica. A delimitação dos casos de bagatela ficaria confiada à doutrina e à jurisprudência, sendo o limite sempre discutível”.[83]
É bem verdade que o furto de objeto de valor insignificante não pode ser valorado como socialmente útil ou adequado, sendo, por isso, inaplicável a adequação social. Tampouco é possível falar aqui em desvalor de situação ou estado, visto que a conduta do agente, conscientemente dirigida ao fim proposto, perfaz formalmente o tipo legal.
Em tese, a solução está na aplicação do aludido princípio, em razão do mínimo valor da coisa furtada, como causa de atipicidade da conduta, visto que não há lesão de suficiente magnitude para a configuração do injusto (desvalor de resultado).
Deve operar com total falta de critérios, ou derivar de interpretação meramente subjetiva do julgador, mas ao contrário há de ser resultado de uma análise acurada do caso em exame, com o emprego de um ou mais vetores – v.g., mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada,[84]e, em determinados casos (furto[85]/descaminho[86]etc.), valoração socioeconômica média existente em certa sociedade, tidos como necessários à determinação do conteúdo da insignificância. Isso do modo mais coerente e equitativo possível, com o intuito de afastar eventual lesão ao princípio da segurança jurídica[87].
Demais disso, em grande parte dos casos concretos de aplicação desse postulado, o problema pode ser mais seguramente solucionado por meio dos princípios da lesividade (ofensividade ou exclusiva proteção de bens jurídicos), da intervenção mínima e fragmentariedade, e também pelo princípio da proporcionalidade.[88]
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[76]Roxin, C. Política Criminal y sistema del Derecho Penal, p. 53.
[77]Luzón Peña, D.-M. Causas de atipicidad y causas de justificación. In: Luzón Peña, D.-M.; Mir Puig, S. Causas de justificación y de atipicidad en Derecho Penal, p. 28.
[78]Assim, por exemplo, Roldán Barbero, H. Adecuación social y teoría jurídica del delito, p. 111-112.
[79]Roxin, C. Derecho Penal. P. G., p. 296, nota 75.
[80]Ibidem, p. 297.
[81]Idem. Op. cit., p. 297.
[82]Cf. Zipf, H. Introducción a la política criminal, p. 106.
[83]Cerezo Mir, J. Curso de Derecho Penal español. P. G., II, p. 99. Para se comprovar o averbado, é bastante compulsar algumas decisões de um único tribunal brasileiro, em relação à aplicação do princípio da insignificância. Assim, por exemplo, STJ: REsp 1.171.199/RS (Apropriação indébita previdenciária – Sempre que o valor do débito não for superior a R$ 10.000,00); STJ: REsp 1.179.690/RS (Furto, com abuso de confiança – Valor da coisa R$ 120,00); STJ: HC 207.444/MS (Tentativa de furto – Bicicleta avaliada em R$ 500,00).
[84]STF – HC 84.412/SP.
[85]O STF, em recente decisão, afastou a tipicidade material da conduta, pelo princípio da insignificância, do furto de um celular devido ao valor da res, que não ultrapassava quinhentos reais (STF – HC 138.697/MG).
[86]Para o STF, aplica-se o princípio da insignificância ao delito de descaminho quando, além dos demais critérios aventados pelo próprio Supremo, o valor do tributo devido não ultrapassa vinte mil reais (vide, por exemplo, STF – HC 130.453/MT).
[87]Súmula 606, STJ: “Não se aplica o princípio da insignificância a casos de transmissão clandestina de sinal de internet via radiofrequência, que caracteriza o fato típico previsto no art. 183 da Lei 9.472/1997”.
[88]Prado, L. R. Curso de Direito Penal brasileiro, 10. ed., 1, p. 146-152. Idem, Tratado de Direito Penal brasileiro, 4. ed., 2021, v. 1, p. 150 e ss. A fixação de critérios para tentar afastar a imprecisão da insignificância, todavia, não elidiu dissidências jurisprudenciais no âmbito dos Tribunais Superiores. Por exemplo, o mesmo caso foi tratado de forma diversa pelo STJ e pelo STF: o STJ afastou a aplicação do princípio da insignificância no caso em que o sujeito foi acusado de praticar o delito de furto de duas telhas de aço em desuso, subtratídas de uma antiga fábrica de biscoitos que estava desativada, em razão da reincidência do réu (STJ, AgRg no REsp 1924349/MG, Rel. Min. Olindo Menezes, julg. 9.11.2021). Em julgamento de Habeas Corpus impetrado contra a decisão do STJ, dediciu-se pela aplicação do princípio da insignificância apesar da reincidência, porque tal princípio opera no âmbito da tipicidade material da conduta e a reincidência, por si só, não tem o condão de afastar sua aplicação, sendo irrelevante a existência de antecedentes criminais (STF, HC 210032/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julg. 13.12.2021).