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Momento consumativo do crime de extorsão (art. 158 do Código Penal)
Augusta Diniz
17/10/2023
O tipo do crime de extorsão, na sua modalidade simples, encontra-se no art. 158 do Código Penal e consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa: pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa. Os §§ 1º, 2º e 3º, por sua vez, trazem modalidades circunstanciada e qualificadas do delito.
Jurisprudência sobre extorsão
Há muito, resta consolidado na jurisprudência que a extorsão é delito formal e, sendo assim, não depende da ocorrência do resultado naturalístico para sua consumação, já que o efetivo auferimento da vantagem econômica indevida constitui mero exaurimento. O entendimento, aliás, encontra-se sumulado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos: “o crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida” (Súmula n.º 96/STJ).
E não poderia ser diferente, uma vez que o tipo apenas integra uma finalidade especial ao seu núcleo, sem, contudo, exigir sua realização.
Além disso, conquanto formal, a extorsão é crime plurissubsistente, podendo ser fracionada em vários atos, o que torna possível a tentativa caso a execução seja interrompida em razão de circunstâncias alheias à vontade do agente.
Consumação do crime de extorsão
Por outro lado, é errôneo afirmar que a consumação se dá no momento em que o agente constrange a vítima, seja empregando violência, seja empreendendo grave ameaça.
É que, nos termos do art. 14 do Código Penal, o crime é consumado quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal (inciso I) e, tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente (inciso II). Isso significa que a consumação somente ocorrerá se preenchidas todas as elementares típicas. Caso contrário, a infração penal não ultrapassará a esfera tentada.
No caso da extorsão, além da elementar subjetiva consistente no intuito de obter, para si ou para outrem, indevida vantagem econômica, o correspondente tipo descreve outras, de natureza objetiva, consistentes em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça e a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. Sendo assim, para a consumação, não basta que o agente empregue a violência ou grave ameaça para constranger (subjugar, coagir, compelir) o ofendido. É necessário que este adote o comportamento exigido, pouco importando se o infrator obteve ou não a vantagem econômica indevida pretendida.
Modalidade tentada X crime
Se, por qualquer razão, a vítima, embora constrangida, não se comporta da forma como lhe foi exigido (seja fazendo o que a lei não determina ou não fazendo o que a lei não proíbe), o crime não passa da modalidade tentada. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já teve a oportunidade de consignar expressamente tal entendimento, como se observa a seguir:
1. Nada obstante a natureza formal do crime de extorsão e o enunciado 96 da Súmula de Jurisprudência deste Superior Tribunal (o crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida), nenhuma ação praticou a vítima, em função da ameaça sofrida, faltando, pois, elementos necessários para a caracterização da forma consumada do delito, comunicando o fato imediatamente à polícia. Precedente do STJ.
2. Conforme lição de Nelson Hungria, acontecendo que o ameaçado vença o temor inspirado e deixe de atender à imposição quanto ao facere, pati ou omittere, preferindo arrostar o perigo ou solicitar, confiantemente, a intervenção policial, é inquestionável a existência da tentativa de extorsão (in comentários ao Código Penal, vol. VII. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 68).
(HC n. 95.389/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 20/10/2009, DJe de 23/11/2009.)
O mesmo ocorre nas modalidades qualificadas previstas nos §§ 2º e 3º do art. 158 do estatuto Repressivo, os quais apenas aderem outras circunstâncias elementares àquelas inscritas no caput.
Nada obstante, é comum, na jurisprudência pátria, a afirmação de que a consumação do delito de extorsão ocorre quando há o efetivo constrangimento, independentemente da obtenção da vantagem. Tome-se como exemplo a ementa do julgado no AgRg no AREsp n. 1.880.393/SP, a seguir colacionada:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXTORSÃO. CONSUMAÇÃO. MOMENTO EM QUE HÁ O EFETIVO CONSTRANGIMENTO. OBTENÇÃO DA VANTAGEM ECONÔMICA INDEVIDA. MERO EXAURIMENTO. SÚMULA 96/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A consumação do delito de extorsão ocorre quando há o efetivo constrangimento, independente da obtenção da vantagem. Isso porque o crime de extorsão é formal, consumando-se no momento em que o agente, mediante violência ou grave ameaça, constrange a vítima com o intuito de obter vantagem econômica indevida. O recebimento da vantagem, por sua vez, constitui mero exaurimento do crime.
Precedentes.
2. Agravo regimental desprovido.
(STJ; AgRg no AREsp n. 1.880.393/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 20/9/2021.)
Ora, sem entrar nas especificidades fáticas do caso, não é correto afirmar que a consumação se deu no momento do constrangimento, mas sim quando a vítima, após ser constrangida, adotou qualquer comportamento (ao qual não estava legalmente obrigada, seja positivo, seja negativo) dirigido à consecução da finalidade especial do agente, independentemente do seu êxito (vale dizer: do auferimento da vantagem econômica por parte do infrator).
O mesmo equívoco redacional ocorre na jurisprudência dos tribunais de segunda instância, como se verifica a seguir:
O crime de extorsão é formal e, portanto, consuma-se no momento em que o agente, mediante violência ou grave ameaça, constrange a vítima com o intuito de obter vantagem econômica indevida, o que efetivamente ficou demonstrado nos autos, razão pela qual improcede o pleito de reconhecimento da forma tentada. O recebimento da vantagem indevida constitui mero exaurimento do crime, não sendo necessária sua ocorrência para a consumação do tipo penal em comento, a teor da Súmula nº 96 do Superior Tribunal de Justiça. 4. Recurso conhecido e desprovido.
(TJ-DF 00000082920198070005 DF 0000008-29.2019.8.07.0005, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, Data de Julgamento: 14/10/2021, 3ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 26/10/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)
A extorsão trata-se de crime formal, ou seja, consuma-se no momento em que o agente pratica a conduta núcleo do tipo, vale dizer, o verbo constranger, obrigando a vítima, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, a tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa, sendo prescindível a efetiva obtenção de vantagem desejada pelo autor. Praticada tal ação, no presente caso, consumado está o delito previsto no art. 158, § 3º, do Código Penal, sendo de rigor, portanto, o afastamento da tentativa.
(TJ-MG – APR: 10707200029866001 Varginha, Relator: Eduardo Machado, Data de Julgamento: 22/06/2021, Câmaras Criminais / 5ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 30/06/2021)
A consumação do crime extorsivo inexige a produção de resultado naturalístico, bastando o constrangimento da vítima para o êxito do delito. Dispensável a obtenção da vantagem econômica, que configura exaurimento do crime. Inteligência do Enunciado nº 96 das Súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Manutenção do voto condutor da maioria, proferido por ocasião do julgamento do recurso de apelação. EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS. UNÂNIME.
(TJ-RS – EI: 70069488583 RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Data de Julgamento: 22/07/2016, Quarto Grupo de Câmaras Criminais, Data de Publicação: 13/09/2016)
Nada obstante, é preciso ter em mente que apenas com a adoção do comportamento por parte do ofendido constrangido é que se dará a consumação. Caso, por qualquer razão, ele resista à exigência, a extorsão será tentada.
Sobre a autora
Maria Augusta de Albuquerque Melo Diniz – Juíza do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) e Professora de Direito Penal. Estudante do Programa para Ingresso no Doutorado na Universidade de Buenos Aires. Pós-graduada em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem, em Comunicação e Oratória e em Direito Público.