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Confissão espontânea e tribunal do júri
Augusta Diniz
05/11/2024
No ano de 2015, o Superior Tribunal de Justiça – STJ editou o verbete de súmula n.º 545, consolidando o entendimento no sentido de que “quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal”. Com efeito, o mencionado dispositivo legal prevê, como circunstância que sempre atenua a pena, o fato de o agente ter confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime.
Ocorre que a edição da súmula não extirpou todas as discursões sobre o tema. Afinal, o verbete não tratou, por exemplo, de situações como as de confissões parciais, qualificadas e retratadas. Chamado a se pronunciar sobre o tema, o STJ então firmou o entendimento de que “a atenuante da confissão espontânea deve ser reconhecida, ainda que tenha sido parcial ou qualificada, seja ela judicial ou extrajudicial, e mesmo que o réu venha a dela se retratar, quando a manifestação for utilizada para motivar a sua condenação” (AgRg no AgRg no HC n. 700.192/SC, relator OLINDO MENEZES (desembargador Convocado do TRF da 1ª Região), Sexta Turma, DJe de 21/2/2022).
A utilização da confissão para a formação do convencimento do julgador passou, doravante, a ser objeto de análise e interpretação. Afinal, para a atenuação da pena, seria necessário que o julgador expressamente mencionasse a confissão em suas razões de decidir? E se ele não registrasse a confissão na sentença, baseando a condenação em outros elementos probatórios produzidos durante a instrução penal?
Pois bem, em 2022, no julgamento do Recurso Especial n.º 1.972.098/SC, a Corte Superior foi chamada novamente a interpretar o art. 65, inciso III, “d”, do Código Penal, assim como foi instada a apresentar a interpretação exata da súmula n.º 545. Isso, porque foi alegado que o réu só faria jus à atenuante se o magistrado elencasse a confissão como um dos fundamentos da condenação, alegação, aliás, em conformidade com os acórdãos proferidos no AgRg no HC 721.023/SP e no HC 488.373/SP, ambos do STJ.
Diminuição da pena por conta da confissão
Analisando o caso, o STJ terminou por dissolver quaisquer dúvidas, firmando a tese no sentido de que o réu terá direito à diminuição da pena pela confissão sempre que houver admitido a autoria do crime perante a autoridade, como prevê o art. 65, inciso III, “d”, do Código Penal, independentemente de a confissão ser usada pelo juiz como um dos fundamentos da condenação e mesmo que seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada.
Para tanto, em seu voto, o Ministro Relator Ribeiro Dantas destacou que a expressão “quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador” é garantia em favor do acusado para que se evitem comportamentos contraditórios do juiz que, no momento de condenar o réu, não dirige nenhuma censura ao teor de sua confissão, mas o faz ao dosar a pena justamente para afastar a atenuante por ter sido a confissão parcial, qualificada, retratada, etc. Afinal, não é raro que acusados admitam apenas algumas elementares típicas ou mesmo que confessem o fato com o intuito de alegar causa justificante ou exculpante e que isso seja alegado pela acusação para o não reconhecimento da atenuante em comento.
E se o juiz não utilizar a confissão expressamente como razão de decidir?
Ainda restava, todavia, uma questão controversa: e se o juiz não utilizar a confissão expressamente como razão de decidir? Essa situação não foi debatida quando da elaboração da tese contida na súmula n.º 545 do STJ e, por isso, continuava a ser alegada perante os tribunais pátrios.
Mais uma vez o Tribunal Superior deu, à lei, interpretação mais favorável ao réu, tendo em vista que o Código Penal não elencou nenhum requisito adicional para a eficácia plena da confissão. Pelo contrário, estabeleceu que o fato de o agente ter confessado a autoria sempre irá atenuar a pena. Pouco importa, pois, se houve menção à confissão como razão de decidir. O Ministro Ribeiro Dantas lembrou, inclusive, que, “para o Código Penal, o direito subjetivo do réu à atenuação da reprimenda nasce no exato momento em que ele confessa a autoria ‘perante a autoridade’, sendo que fatos posteriores à confissão não têm o condão de lhe retirar o efeito atenuador”. Afinal, a confissão é uma prova única e é inevitável que ela seja utilizada no convencimento do julgador, pois, de alguma forma, corroborará a tese acusatória, mesmo que não seja expressamente mencionada como fundamento para a condenação.
Mas não é só: limitar o alcance das consequências jurídicas da confissão vai de encontro não só ao princípio da legalidade, mas também ao da boa-fé objetiva e proteção da confiança. Não pode o Estado ofertar o benefício no Código Penal e, posteriormente, em razão de requisitos não impostos legalmente, retirá-lo do acusado.
Situação peculiar, no entanto, ocorre no Plenário do Júri. É que é comum o réu confessar a autoria perante a autoridade policial ou na primeira fase do procedimento e, para o Conselho de Sentença, silenciar ou se retratar. Aqui se tem um impasse, pois, enquanto no Tribunal do Júri, a alteração procedimental decorrente da Lei n. 11.689/2008 tenha expurgado, das indagações feitas aos jurados, os quesitos relativos às agravantes e às atenuantes, o juiz presidente só poderá considerar as circunstâncias que forem alegadas nos debates, nos termos exatos do art. 492, inciso I, “b”, do Código de Processo Penal.
Em interpretação conciliatória, o STJ definiu que agravantes e atenuantes, dentre elas a confissão, somente poderão ser consideradas no Tribunal do Júri pelo juiz presidente quando da dosimetria da pena quando forem debatidas em plenário (HC 478.741/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 5/2/2019, DJe 20/2/2019). Por isso e como a regra de julgamento das decisões do Tribunal do Júri é a da íntima convicção, é imprescindível que a confissão ocorra perante o Conselho de Sentença ou que seja arguida pela defesa técnica durante o plenário” (AgRg no HC n. 805.197/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 12/6/2023, DJe de 14/6/2023).
Tem-se, pois, duas situações:
a) no rito comum e nos especiais que não o do Tribunal do Júri: a confissão terá o condão de acarretar a atenuação da pena em qualquer circunstância (sendo ela parcial, extrajudicial, qualificada ou retratada) e mesmo que não seja expressamente mencionada pelo juiz.
b) no Plenário do Tribunal do Júri, para acarretar a redução da sanção pelo juiz presidente, a confissão deverá se dar perante o Conselho de Sentença ou ser arguida pela defesa técnica quando dos debates.
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