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A problemática da pena referente às lesões corporais graves (§ 1º do art. 129 do Código Penal) quando praticadas por razões do sexo feminino após a alteração efetuada pela Lei n.º 14.994/2024
Augusta Diniz
17/10/2024
A Lei n.º 14.994 entrou em vigor em 9 de outubro de 2024, alterando o Código Penal e outros Diplomas, com o fim de estabelecer medidas destinadas a prevenir e coibir a violência praticada contra a mulher. Dentre outras modificações, foi alterado o § 13 do art. 129 do Código Penal, que passou a cominar penas mais graves para o caso de as lesões corporais terem sido praticadas contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino. A alteração, no entanto, trará maiores controvérsias quando se tratar de lesões corporais graves previstas no § 1º do art. 129 do Código Penal. Explique-se.
O § 13 do art. 129 do Estatuto Repressivo estabelece pena mais grave para as lesões corporais simples quando a vítima é mulher e o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Quando se tratar de lesões corporais graves, gravíssimas ou seguidas de morte, sempre se entendeu que as sanções aplicadas deveriam ser as do § 1º, do § 2º ou do § 3º do art. 129 do Código Penal, respectivamente, já que todos eles previam sanções mais gravosas do que aquela antes cominada no § 13.
Para um melhor esclarecimento, comparem-se as sanções cominadas às diversas modalidades típicas do crime de lesões corporais:
a) lesões corporais simples (caput do art. 129): detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano;
b) lesões corporais graves (§ 1º do art. 129): reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos;
c) lesões corporais gravíssimas (§ 2º do art. 129): reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos;
d) lesões corporais seguidas de morte (§ 3º do art. 129): reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos;
e) lesões corporais praticadas em razão da condição do sexo feminino (antes da alteração da Lei n.º 14.994/2024): reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Levando-se em conta as penas cominadas, a interpretação, então, era a seguinte: quando se tratasse de lesões corporais simples cometidas por razões do sexo feminino, a pena aplicada deveria ser a do § 13. Sendo, todavia, as lesões graves ou gravíssimas, as penas seriam as dos §§ 1º ou 2º do art. 129. Se as lesões fossem seguidas de morte, as penas seriam as do § 3º do mencionado dispositivo. Caso se aplicassem indistintamente as penas do § 13 para todos os casos de lesões corporais, a mulher estaria em situação de desvantagem quando fosse vítima das modalidades de grave, gravíssima e seguida de morte.
Essa interpretação estava em perfeita sintonia com o sistema de proteção da mulher, uma vez que o delito praticado por razões do sexo feminino recebia penas mais severas. Não se olvide, por oportuno, que, no caso de lesões graves, gravíssimas ou seguidas de morte, o maior peso da sanção deve-se à aplicação da circunstância agravante prevista na alínea “f” do inciso II do art. 61 do Código Penal.
Ocorre que a Lei n.º 14.994/2024 majorou a pena prevista no § 13 do art. 129 para 2 (dois) a 5 (cinco) anos de reclusão. No que se refere às lesões simples, às gravíssimas e às seguidas de morte, a lógica continua a mesma, já que todas essas modalidades ainda são punidas com penas mais severas do que aquela prevista no novo § 13 do art. 129 do Código Penal.
Modificação na pena sobre lesão corporal grave
Contudo, após a modificação legal, a pena destinada à lesão corporal grave (§ 1º do art. 129) apresenta-se agora menor do que aquela prevista no § 13, como se observa a seguir:
a) lesões corporais simples (caput do art. 129): detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano;
b) lesões corporais graves (§ 1º do art. 129): reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos;
c) lesões corporais gravíssimas (§ 2º do art. 129): reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos;
d) lesões corporais seguidas de morte (§ 3º do art. 129): reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos;
e) lesões corporais praticadas em razão da condição do sexo feminino (depois da alteração da Lei n.º 14.994/2024): reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Surge, assim, a necessidade de compatibilização do sistema, uma vez que a interpretação da norma, como antes era feita, deixará a mulher protegida insuficientemente no caso de lesão corporal grave (§ 1º do art. 129). E, diante da gravidade dessas lesões, que podem, por exemplo, acarretar perigo de vida à vítima mulher ou causar-lhe debilidade permanente de membro, sentido ou função, a ausência de uma norma que amplie essa proteção pode ser considerada uma falha no sistema jurídico.
Por isso, sugerimos que sejam aplicadas as penas mais gravosas, a depender do caso. Tratando-se, portando, de lesões simples ou graves e sendo o crime praticado por razões do sexo feminino, as sanções aplicadas devem ser as do § 13 do art. 129. Por outro lado, quando as lesões forem gravíssimas ou seguidas de morte, as penas serão as dos §§ 2º e 3º do art. 129 do Código Penal, respectivamente, com o reconhecimento da circunstância agravante prevista na alínea “f” do inciso II do art. 61.
Interpretação diversa vai de encontro à consideração da complexidade e da gravidade da violência de gênero. É essencial, no entanto, que o sistema jurídico reavalie essas questões, buscando formas de ampliar a proteção das vítimas em todos os níveis de lesão, reforçando-se que a violência de gênero deve ser tratada com a seriedade que merece, independentemente da gravidade da ofensa. Uma abordagem mais holística e inclusiva pode contribuir para um ambiente social mais seguro e justo, alinhando-se a legislação a necessidades reais das vítimas e combatendo-se eficazmente todas as formas de violência de gênero.
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