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Hamilton e a arquitetura do Judiciário em O Federalista
João Carlos Souto
20/05/2021
Entre os muitos defeitos da Confederação (união de Estados soberanos que se organizou logo após as 13 Colônias terem conquistado a Independência em 1776) figurava justamente a inexistência de um Judiciário Federal, conforme apontado por Alexander Hamilton – um dos mais destacados pais fundadores (founding fathers) – no Capítulo 78 de O Federalista.
Para ele, a revelação dos defeitos da “existente” confederação realçou claramente a necessidade de se organizar o Judiciário federal (in unfolding the defects of the existing confederation, the utility and necessity of a federal judicature have been clearly pointed out) e que, em abstrato, a propriedade da instituição não é contestada (the propriety of the institution in the abstract is not disputed) e em seguida emendou que as únicas questões que mereciam considerações mais alongadas diziam respeito à maneira como esse ramo da Justiça deveria ser constituído e sua extensão.
Hamilton e a arquitetura do Judiciário em O Federalista
São de autoria de Alexander Hamilton os seis capítulos (78 a 83) de O Federalista dedicados ao Poder Judiciário. Neles, o autor defende a independência do Poder, argumenta em favor de garantias para os magistrados e aprofunda o conceito então incipiente sobre o funcionamento do Judiciário e a escolha dos seus membros. O texto se transformou em um clássico dentro do clássico, e se tornou referência na defesa da independência e do judicial review.
Dentre os argumentos esgrimidos por Hamilton, interessa aos propósitos do presente capítulo os três pontos que para ele se apresentavam como cruciais ao Judiciário:
a) o modo de escolha dos juízes;
b) a extensão temporal do mandato; e
c) a divisão das competências entre os órgãos judiciais.
Com relação ao modo de escolha, ele preferiu remeter o leitor aos dois capítulos anteriores, nos quais defendeu a nomeação de servidores públicos por ato do Presidente da República com a supervisão do Senado. Esse tema será objeto de comentários mais à frente, ao discorrer sobre o processo de indicação de membro da Suprema Corte (Capítulo II), de qualquer modo, acresça-se que Hamilton reitera as vantagens desse sistema, exaltando o controle recíproco (indicação pelo Executivo e análise e autorização do Legislativo) como um “bem” sem qualquer mal.
Sobre a estabilidade assegurada ao cargo de juiz, por conter argumentos mais extensos, será feita logo em seguida às considerações acerca da “divisão de competências”, que, em verdade, pode ser resumida como a discussão sobre a conveniência de se inserir ou não o Judiciário como um “departamento” do Poder Legislativo. Essa ideia surgiu durante os debates da Convenção Constituinte, que resultou na elaboração da Lei Fundamental de 1787 e se pautou pela resistência de uma ala mais conservadora em admitir que o Judiciário pudesse dar a última palavra em questões constitucionais e na resolução de conflitos.
Hamilton argumentou contra essa proposta de vincular o Judiciário ao Legislativo, ressaltando, em termos, a formação do juiz, de quem se deve exigir estudo e conhecimento jurídico, diferentemente do legislador, com a natural propensão à divisão partidária (natural propensity of such bodies to party divisions), desaconselhável ao poder encarregado de dizer o direito. Afirmou, sem rodeios, que o sopro pestilento da facção política poderia envenenar as fontes de justiça (the pestilential breath of faction may poison the fountains of justice), de modo que era desaconselhável subordinar o Judiciário ao ambiente legislativo, impregnado de política e da luta entre partidos.
E, ao afirmar a razoabilidade dessa separação entre a atividade legislativa e a judiciária, Hamilton observou ser merecedores de aplausos, pela sabedoria, os Estados que não atribuíram a última instância do poder judicial ao legislativo, e sim ao próprio Judiciário, formado por homens distintos e independentes. Os Estados a que ele se refere são alguns dos 13 que à época eram soberanos, após a conquista da Independência contra a Inglaterra. Esse modelo deveria ser replicado na Constituição Federal.
A tentativa de vincular o Judiciário, ou melhor, sua mais alta Corte, ao Poder Legislativo se explica basicamente por duas razões: primeiro, porque havia um temor de que a proposta de o Judiciário ser o intérprete último da Constituição pudesse transformá-lo em um instrumento de tirania, sem controle, considerando que não havia mandato. Segundo, porque a ideia da legitimidade popular encontrava-se ainda mais impregnada que nos dias atuais, e ela encapsulava a magistratura.
Desnecessário dizer que as razões dos que advogavam um Judiciário totalmente independente, sem qualquer vínculo com o Legislativo, acabaram prevalecendo na Constituição de 1787, permanecendo desde então.
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Nesta 4ª edição, a estrutura do Judiciário Federal de 1º e 2º graus é objeto de olhar acurado, com considerações sobre as Cortes Distritais, Cortes Especializadas e Cortes de Apelação. Além disso, surgimento, escolha de membros e processo decisório da Corte Suprema são analisados no Capítulo II desde a 3ª edição, incluindo considerações sobre a razão de o Chief Justice presidir o processo de Impeachment no Senado, dinâmica que o Brasil incorporou desde 1891 e que a doutrina brasileira, ao que tudo indica, nunca explicou em detalhes (Clique aqui!).
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