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SOCIOLOGIA JURÍDICA

José Manuel de Sacadura Rocha

José Manuel de Sacadura Rocha

29/08/2023

O livro Sociologia Jurídica, de José Manuel de Sacadura da Rocha, chega à 7ª edição discutindo os autores e os temas que encaminham o leitor, principalmente o de primeira viagem, para o entendimento dos fundamentos da Sociologia Jurídica.

Ao final de cada capítulo, o livro traz casos para discussão com exercícios, questões dissertativas e objetivas, com o intuito de auxiliar no estudo e no aprofundamento das teorias e dos conceitos, relacionando-os com a realidade. Além disso, ao final, é apresentado um glossário com expressões da literatura sociológica.

Leia, a seguir, o prefácio escrito pelo autor.

Prefácio à 7ª edição do livro Sociologia Jurídica

Nos últimos dois anos a pandemia do Covid-19 deixou claro as profundas diferenças sociais em nosso país e no mundo. A miséria e a fome em nossas favelas foram escancaradas de forma abrupta e incontestável aos olhos de um país que teima em varrer para debaixo do tapete sua desigualdade e desconsideração pelos mais vulneráveis: pretos, mulheres, crianças pobres, indígenas etc. No mundo basta ver a péssima e genocida distribuição de vacinas para os países mais pobres, atingindo continentes inteiros como no caso da África. Todos estes horrores e crimes de lesa-humanidade, no entanto, não são consequências do Covid-19, mas as consequências estruturais de um Planeta às voltas com a irracionalidade estrutural de um tipo de sociedade que privilegia o dinheiro e o individualismo ao invés do homem e da cooperação. A pandemia que graça o mundo com milhões de mortes apenas faz emergir os “campos”, ou melhor, o campo geral do que se trata a “democracia de mercado”. Dantesco!

Existem apenas duas formas de sociologizar: 1) ver a vida social como uma sucessão de fenômenos quantitativos que levam à entropia, ao caos da existência no coletivo – escola positivista ou Positivismo; 2) ver a vida social como a erupção mais ou menos incontrolável e muitas vezes imprevisível de fenômenos específicos ao dinamismo da vida social, onde aquela “entropia” não passa de um momento necessário ao movimento coletivo homeostático e qualitativo do homem em sua luta diária pela sobrevivência material e imaterial – progressismo ou Materialismo Histórico. 

Todos os métodos das Ciências Sociais derivam destas duas abordagens. O pensamento de Weber, afinal, como uma terceira forma, para ficar nas ideias fundamentais da Sociologia, tende à historicidade, apenas por vias de uma emancipação decisória do agente social, um subjetivismo interessado, meio às estratégias da vida coletiva. O pensamento de Weber pressupõe uma “democracia real” para a liberdade da vontade pessoal no âmbito da vida social, o que, objetivamente, ainda é impossível no estádio de desenvolvimento técnico-científico das sociedades de mercado, também porque envoltas por seu individualismo e meritocracia concorrencial neoliberal.

Assim, como se vê neste livro, o Positivismo preocupou-se, na Sociologia inicial, em entender as causas da entropia e da denominada efervescência desagregadora dos comportamentos e dos fatos sociais – a determinação de “patologias” sociais e a causalidade dos fenômenos que levariam à anomia da vida coletiva justificava, e ainda justifica, a busca permanente da Ordem. Pior que Comte, que via o sofrimento e a pobreza dos operários de sua época como o preço a ser pago pelo progresso que a Revolução Industrial burguesa haveria de trazer à humanidade, pior que Durkheim ou Gurvitch, que viam no Direito positivo a única forma de controle e regulação da vida social e nas leis a coerção necessária à anomia e ao crime, que repudiavam a autocomposição e demais fontes jurídicas além da Lei como incapazes de ser uma solução para os interesses e visões em conflito, pior que eles, temos nesta linha de pensamento Lombroso, com sua “predisposição fisiológica” para o crime, ou Ferri com a “defesa da sociedade” e a defesa do que se chama hoje de “direito penal do inimigo”, com isolamento ou máximo ostracismo do faltoso, como se este fosse naturalmente indivíduo enfermo e perigoso, não um ser social.

Por outro lado, a Sociologia Crítica progressista, o Materialismo Histórico – que começou com Marx e Engels e se estendeu a várias gerações de sociólogos (Lenine, Gramsci, Althusser, Polantzas, Trotsky), como hoje com o Novo Marxismo (Hirsch, Holloway, Negri, Kurz, Jappe) – ousou entender, diante da realidade brutal e desumana dos trabalhadores e menos favorecidos, que aquilo que se dizia ser pernicioso à “ordem social” – a entropia e o propalado “caos” -, era de fato a reação a uma determinada visão de ordem que apenas pretendia atender aos interesses de uma classe social, minoritária, de proprietários, que, portanto, não era a defesa inconteste de uma ordem universal para o bem-estar coletivo, mas a tentativa de universalizar o controle da reação de amplas camadas exploradas da sociedade e a regulação do Estado e da Justiça para os interesses monetários privados. Como neste livro se explica, a Sociologia Crítica progressista parte da premissa que o dinamismo social é historicamente relacionado com a existência no seio da coletividade de interesses opostos que constantemente se materializam nas contradições de classes, e que em situações específicas e especiais adquirem uma radicalidade que se manifesta em enfrentamentos objetivos, mais ou menos contundentes, provocando reações e contrarreações por parte dos grupos, alterando mais ou menos os valores e o funcionamento das sociedades. 

Neste sentido, longe de se considerar a ordem como o fundamento da pesquisa e prática sociológica, ela é a antítese da dialética, que se considera aqui como aquela que eleva sempre qualitativamente a vida coletiva em seu arranjo pela sobrevivência humana. O sociologizar é, neste caso, entendido como uma correlação de fenômenos dos agentes sociais em uma organização produtiva que eleva as contradições de suas posições e interesses de grupo, de classes e suas frações, a posições políticas. Desde as mais antigas civilizações, portanto, desde as primeiras organizações sociais politicas e econômicas, com alguma tecnologia, a luta de classes se deu em torno de possuidores e poderosos de um lado, e despossuídos e fazedores de outro – ou, de outra forma, de ociosos dominadores, exploradores do trabalho humano, em contradição com produtores dominados, explorados em sua força de trabalho. O que acima se chamou de “democracia de mercado” é nada mais que a moderna forma de organização estrutural para a vida coletiva, industrial, técnica e científica, uma determinação histórica fruto de várias correlações revolucionárias dos agentes sociais: da ciência sobre os mitos e os dogmas religiosos a instrumentalizar o conhecimento para os objetivos do capitalismo, da luta pelo poder sobre a força de trabalho, das relações jurídicas e da gestão do fazer e estar, da produção de mercadorias, do hiperconsumo – bem como de uma moral adequada a promulgar como geral o que é particular

Atravessamos neste momento, na esteira global dos regimes políticos neoliberais, um tempo histórico de ressurgimento de facções positivistas ultraconservadoras, de governos autoritários e do negacionismo da ciência. Por mais que a Sociologia possa vê-los como parte de uma onda que se curva sobre si mesma em movimento dialético (mutação/ imbricação dos contrários), ou como a antítese “natural” ao progressismo civilizatório e humanizador, é indubitável que a retomada de posições e entendimentos já há muito refutados e ultrapassados pelos avanços da democracia e da ciência, gera apreensão e mesmo desânimo. Uma forma de ver esse fenômeno do ultraconservadorismo e nagacionismo é os colocar na dimensão do funcionamento estrutural da “democracia de mercado”. Para o mercado, para a vida pautada pelo hiperconsumo e agenciada pela hiperprodução, é possível, e mesmo necessário, que se exija da razão a volta medieval da crucificação puritana, patrística e instrumental do Estado não laico. Por isso o Estado Jurídico (democrático de Direito, cf. as teses do capítulo 13 deste livro) é tão atacado – e por isso, destarte o que ele realmente é para o mercado, se faz necessário ser pragmático e defendê-lo. 

Este estádio de coisas é compatível, em muitos sentidos, com as alianças que o capital e suas elites necessitam para “retardar” seu eclipse diante do avanço da pesquisa e ciência, do recrudescimento do tempo livre de trabalho, da consciência das massas assalariadas, dos movimentos sociais das minorias, da força do movimento ecológico e climático e do surgimento de novas formas de coletivismo social. Da mesma forma que o Positivismo sociológico serviu às sociedades mercantilistas, querendo identificar e controlar os elementos disruptivos e regular a causalidade dos fenômenos sociais que consolidavam a hegemonia das classes abastadas e proprietárias, o negacionismo e o autoritarismo se prestam agora a “desacelerar” pela crendice, sugestionamento, factoides e mentiras, e pela violência física e simbólica, a própria reprodução do sistema financista atual e o privilégio de seus rentistas. Neste sentido que falamos de uma “onda” – segundo David Harvey o sistema do capital não pode crescer globalmente mais de 3% ao ano, com pena de se extinguir como regime de trabalho assalariado

Fazer análises sociológicas sobre estes acontecimentos e este movimento de volta ao tempo de Giordano Bruno (1548-1600) e Galileu Galilei (1564-1642), ou da publicação do Malleus Maleficarum (1487), é um ato enorme de desprendimento acadêmico e heroísmo. A sociologia dos positivistas havia falado, acertadamente, que a censura maior é aquela levada a cabo pelos nossos colegas, amigos, vizinhos, família – enfim, não é inverossímil que aqueles que até bem pouco tempo nos incentivavam agora nos censurem e condenem. Mas a Sociologia como crítica do que é desigual, do que oprime e quer pretensiosamente destinar (segundo Roland Brathes, fascista não é aquilo ou aquele que proíbe ou nega, mas, fundamentalmente, o que apregoa a “verdade”), do obscuro sobre a luz da Razão e da Ciência, sempre sobreviveu, como sobreviverá (já se o dizia na Nota à Segunda Edição deste livro).

Na contramarcha de uma democracia mais efetiva para as maiorias, e da dinâmica social rumo a mais civilização e humanização, na contramão da ideologia e da utopia, o mercado parece exigir de volta a velha disciplina e obediência na presença de certos demônios que julgávamos enterrados pelo menos desde que Auschwitz foi fotografado! Mas até as fotografias já perderam o poder da revelação: elas podem ser apenas uma produção técnica de um bem intencionado jovem para quem deram um Photoshop… E foi assim que a “reprodutividade técnica” como um meio democrático de acesso das massas à cultura se tornou um instrumento do domínio do irracional – mas da ordem e do establishment. A Escola de Frankfurt, que introduzimos nesta edição, com Adorno, Horkheimer, Marcuse e Olgária Matos, foi contundente sobre isto, e de certa forma seus pensadores imortalizaram a esperança de um certo Benjamim, que diante do fascismo e tendo por retaguarda o nazismo, não pode mais que oferecer à humanidade seu sacrifício. De muitas formas a Escola de Frankfurt foi a percussora da Sociologia Crítica e seu estudo esclarece muito do que os sociólogos fizeram, escreveram e escrevem até hoje. Os sociólogos Zygmunt Bauman (Modernidade e Holocausto) e Giorgio Agamben (Homo Sacer) são neste livro exemplos preciosos desta Sociologia Crítica de sua Modernidade e das estruturas sociais que sustentam os piores erros e descasos das sociedades mercantilistas/ financistas atuais.

A Sociologia, como se vê, não surgiu crítica, mas sim positivista e conservadora; tornou-se crítica em face dos problemas a serem enfrentados pelo poder quanto à dinâmica contestatária dos grupos sociais. Mas a grande lição da Sociologia é que não existem mitos, heróis ou vilões. Existem indivíduos que nascem, aprendem e apresentam comportamentos conforme as relações sociais que ao longo de suas vidas lhes propuseram possibilidades de agir. O certo e o errado, o bem e o mal, o desejável ou o repreensível, são construções de grupo. Para os indivíduos sempre haverá o limite aceitável, e fora dele, algum tipo de sanção ou punição. Não é apenas a Lei que pune – de muitas formas a censura mais presente e o repúdio mais eficaz é o da própria coletividade. As instituições de controle social – família, escola, igreja, clube, e o Estado – são as grandes responsáveis pela sociabilização dentro destes parâmetros coletivos. O mal, por exemplo, não pode chegar ao poder sem a contribuição do coletivo: existe a responsabilidade de sua adequada sociabilização e a responsabilidade coletiva de permitir que ele ascenda a posições sociais que impactam a vida do grupo. Os mecanismos de educação social têm sua razão de ser, de se imporem sobre os agentes sociais, deveriam evitar possíveis distorções e ações danosas para a vida em sociedade. 

O agir social que se impõe às subjetividades sempre poderá ser contestado pelos sujeitos, mas não pode permitir se omitir para o bem, o desejável à própria vida coletiva. Ou como Aristóteles há mais de 2500 anos afirmava, o Justo Particular só pode ser atendido até o limite do interesse coletivo ou Justo Total. Como se vê, não se trata de ignorar e destituir as particularidades dos sujeitos e seus interesses pessoais, mas de os limitar ao que é justo para todos, o que é inalienável para todos. A Liberdade e a Justiça Social não podem ser questionadas por interesses elitizados ou de uns poucos. A vida social precisa ser boa para todos, ou não poderá ser justa para ninguém. 

Estamos presenciando uma onda de ultraconservadorismo e nagacionismo da ciência e do conhecimento que levou séculos para se tornar consenso em muitos aspectos fundamentais para a vida. Claro que o consenso absoluto não é possível, nem desejável, para a totalidade da vida e dos agentes sociais, a menos que sejam tiranicamente obrigados – mas então não seria consenso. Mas aquilo que a “democracia de mercado” pelo menos não pode exigir democraticamente após a Revolução Francesa de 1789, o “fundamentalismo tirânico” do mal que chega ao poder sempre o quer exigir, no caso, os regimes fascista, nazista e totalitário. Em termos sociológicos pode-se dizer que, apesar de ser sempre uma coerção, o que um grupo espera como comportamento adequado e desejável de seus membros está contido em um leque de possibilidades aceites por ele, e por isso os comportamentos desejáveis gozam de uma liberdade limitada, mas onde a própria liberdade e justiça são valores em expansão, psicanaliticamente uma margem de recuperação de desejos culturalmente reprimidos. Mas fora do Estado Jurídico (de Direito), como este livro o aborda, fora dos regimes democráticos, esse leque é comprimido e tende a permanecer fechado para um rol taxativo e valorativo hermético dos comportamentos desejáveis, como o demonstra a censura, o sequestro (de bens e pessoas), a arbitrariedade e a violência do poder em seus mecanismos biopolíticos, como nos ensinou Michel Foucault.

Hannah Arendt havia dito que não existe poder de minoria. Para ela, se o poder e a política parecem dominados por um pequeno grupo, isso significa que a maioria o permitiu: ou depositou direta e abertamente seu voto nos que exercem a dominação (uma minoria), ou se “esquivou” diante da escalada do mal, da violência e do terror (em quantidade significativa). A omissão é na verdade uma escolha e uma presença na vida social! Em suma, para a Sociologia, “todos” somos responsáveis pelos destinos da vida em sociedade, e é por isso que a Sociologia é e precisa ser crítica.

José Manuel de Sacadura Rocha

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