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Filosofia do Direito
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FILOSOFIA DO DIREITO
A “Introdução ao Estudo do Direito”, de Tércio Sampaio Ferraz Jr.
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
16/08/2023
No fim dos anos de 1990, fui aluno de Tércio Sampaio Ferraz Jr. no PPGD da PUC-SP. Lembro-me das aulas e de como nós alunos ficávamos mesmerizados com os problemas e dilemas então colocados, o que sugeria uma filosofia do Direito centrada no binômio da linguagem e da decisão. Era diferente. No início daquela mesma década, Tércio fora Procurador-Geral da Fazenda Nacional, instituição na qual trabalhei por quase trinta anos. O que extraio dessas primeiras linhas é a ponte que Tércio construiu entre teoria e prática, entre reflexão problematizadora e ação prática. É o modelo de jurista que penso como ideal. Uma espécie infelizmente em extinção.
Resenha de Introdução ao Estudo do Direito
Na vasta obra do professor Tércio retomo um pequeno grande livro, modesto no título, opulento no conteúdo: “Introdução ao Estudo do Direito (Técnica, Decisão, Dominação)”. Trata-se de livro que enfatiza a universalidade do fenômeno jurídico, na linha do argentino Carlos Santiago Nino (precocemente falecido), para quem o Direito era como o ar, está em toda parte. Na obra de Tércio tem-se (pela primeira vez no Brasil, acredito) a distinção entre abordagens zetéticas e dogmáticas do direito.
A zetética aproxima o direito de outros campos, a exemplo da sociologia, da antropologia, da etnologia. Pode ser empírica (quando se centra na experiência) ou analítica (quando se aproxima de estruturas normativas mais instrumentais, a exemplo da lógica formal das normas e da metodologia jurídica). A dogmática ocupa-se de disciplinas jurídicas que tratam de questões chamadas finitas (ao contrário da zetética que se ocupa de questões infinitas), e Tércio exemplifica essa abordagem com a ciência do Direito Civil, do Direito Constitucional, ao que eu acrescentaria toda a chamada enciclopédia jurídica prática.
O capítulo referente à teoria do ordenamento ou dogmática das fontes do Direito é de extrema aplicabilidade prática, à vista das definições de validade, vigência, eficácia e força das normas, leitura que pode ser complementada com o clássico “Teoria do Ordenamento Jurídico”, de Norberto Bobbio.
Tércio explica os limites e a extensão das antinomias e lacunas, prescrevendo fórmulas para enfrentamento desses acidentes. Há um excerto sobre a teoria das fontes, com ênfase na jurisprudência. Recorde-se que o livro seria originalmente de 1988, quando a técnica do precedente não existia entre nós outros, como hoje conhecemos. Valíamos, naqueles tempos, do mantra macunaímico do “mutatis mutantis“, isto é, só era precedente quando o precedente nos interessava. Tem muito juiz e advogado que ainda não virou a página. Uma turma para quem o art. 927 do CPC de 2015 seria simples referencial explicativo.
Em “Introdução ao Estudo do Direito” o autor apresenta-nos também um esboço histórica da experiência normativa. Chamo a atenção para a percepção de racionalidade que se acopla ao direito, marca singular da teoria jurídica da época moderna. Há um percurso marcado por atropelos, avanços e retrocessos, mas que alcança, inegavelmente, um direito com finalidade decisória, o que é ponto central da ciência jurídica dogmática na atualidade. Parece-me o ponto alto do livro.
Inovadora era também a parte relativa à dogmática hermenêutica, fixando a ciência do direito como uma teoria da interpretação. A função simbólica da linguagem — dado que “falar é atribuir símbolos a algo” — suscita ambiguidades e indefinições que animam as discussões que marcam a experiência jurídica cotidiana. Talvez uma forte influência de Theodor Viehweg, cujo livro central, “Tópica e Jurisprudência”, Tércio traduzira em 1979. O Ministério da Justiça publicou a tradução, com apresentação de Petrônio Portella.
Passados quase trinta anos da primeira vez que li essa pequena grande obra, ainda me socorro recorrentemente do excerto relativo à teoria da argumentação, com a indicação e precisa explicação das várias fórmulas argumentativas, assunto hoje relegado pelos programas de boa parte das faculdades de Direito que conheço.
Mais do que uma recomendação para quem começa a estudar direito hoje, a importância de “Introdução ao Estudo do Direito” de Tércio Sampaio Ferraz Jr., é ainda maior para quem leciona e advoga ao longo desses últimos anos. Contemplamos e comprovamos que tínhamos esperanças, expectativas e projetos existenciais. Que havia bons livros. Que havia autores magistrais. “Introdução ao Estudo do Direito”.de Tércio Sampaio Ferraz Jr., mais do que um livro geracional, é um texto clássico da reflexão jurídica brasileira.
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