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Subcapitalização

ART. 349 DO CÓDIGO COMERCIAL

CAPITAL

CÓDIGO COMERCIAL

DIREITO EMPRESARIAL

PERSONALIDADE JURÍDICA

SOCIEDADES

SUBCAPITALIZAÇÃO

SUBCAPITALIZAÇÃO FORMAL

SUBCAPITALIZAÇÃO MATERIAL

17/04/2019

No direito societário, a compreensão das acepções jurídicas e dos níveis de capital de uma sociedade é matéria que ainda deve despertar atenção, já que o patrimônio líquido ativo é a garantia direta de credores. Uma relação assimétrica entre risco da empresa e estrutura de capital, com excesso de capital de terceiros, pode transmitir ao mercado os riscos que são próprios dos sócios. Identifica-se, então, o fenômeno da subcapitalização, que pode ser causa de desconsideração da personalidade jurídica (subcapitalização material) e de requalificação de créditos (subcapitalização formal).

A acepção do gênero capital comporta segmentação em três espécies:

(a) Cifra ou valor inscrito no passivo do balanço, representando montante fixo na constituição da sociedade e somente sendo passível de aumento ou redução seguindo rito legal. Cuida-se, outrossim, de garantia indireta e de instrumento de atribuição de direitos políticos aos sócios em alguns dos tipos societários.

(b) Sob o ponto de vista financeiro, capital real, que é montante do patrimônio para cobertura do capital nominal lançado no passivo do balanço.

(c) Patrimônio ativo, que representa garantia direta (ou primária) dos credores e deve, de certa forma, guardar relação de correspondência com a atividade, na medida da identificação do capital próprio. Em outros termos, trata-se do suporte dos riscos da empresa, sendo essencial para limitação da responsabilidade dos sócios[1].

As três formas de compreensão do capital compõem o sistema cogente de garantia dos credores. Entretanto, é a existência de capital próprio na composição do patrimônio que determina o critério preponderante da subcapitalização material. Isso porque a relação insuficiente entre patrimônio e atividade é indiciária da subcapitalização, fazendo com que a sociedade busque o financiamento excessivo com capitais de terceiros, tornando irreal o fluxo de valores disponíveis para solvabilidade[2]. Consequentemente, esse desequilíbrio desnatura, progressivamente, a organização, a separação de patrimônio, a limitação de responsabilidade e a imputação.

Outra diferença importante diz respeito a capital próprio e a capital de terceiros. O capital próprio é investimento do sócio e tem característica de técnica de investimentos e de garantia econômica do crédito, com função de patrimônio da atividade e de fundo de responsabilidade. Por sua vez, o capital de terceiros representa valor de financiamento externo. Trata-se de montante transferido para a sociedade com tempo determinado, contra remuneração fixa e independente de perdas da atividade empresária[3].

A subcapitalização nominal tem como causa o empréstimo de sócio, que numa insolvência não pode ser retirado antecipadamente da sociedade, uma vez que ele perde a causa mutui e passa a ter causa societas. Em outros termos, a subcapitalização nominal é a requalificação forçada do mútuo dos sócios para a sociedade, considerando-o capital próprio da sociedade para satisfação dos débitos em caso de insolvência[4].

Essa alteração ocorre porque, com o pagamento antecipado do empréstimo do sócio, em detrimento de outros credores, o sócio viola diretamente a intangibilidade do capital social antes da satisfação dos credores.

No direito alemão, os §§ 32a e 32b da GmbHG previam a substituição de capital (Kapitalersatz), que foi modificada pela subordinação na falência dos §§ 39, 44a e 135 da Insolvenzordnung. Nos EUA, o § 510 do Bankruptcy Code prevê a equitable subordination. No direito italiano, o art. 2.467 do Codice Civile contempla o financiamento do sócio e, no direito português, foi positivado o contrato de suprimentos. Com algumas variações, todos são instrumentos que lidam com semelhante problema de empréstimos de sócios para a sociedade.

No direito brasileiro, a revogação do art. 349 do Código Comercial transferiu a regulação da matéria ao art. 83, VIII, “b”, da LREF, que classifica como subordinado o crédito do sócio[5].

Assim, o empréstimo do sócio à sociedade é lícito, mas, no momento de dificuldades da sociedade, pode representar prejuízo aos credores se for retirado antes do pagamento dos débitos sociais. Com a necessidade de correto financiamento da empresa, o sócio deve suportar os riscos do empreendimento, com postura que envolve a perda do capital ou a transferência de mais recursos para fazer frente às despesas da atividade.

Ainda se permite outro raciocínio: (a) primeiro é preciso liquidar as obrigações externas e, posteriormente, as obrigações das conexões internas com os sócios; (b) o art. 1.059 do CC é aplicável para as sociedades limitadas, considerando o pagamento do empréstimo como quantia retirada, se feita em prejuízo do capital. Em consequência, haveria ilimitação de responsabilidade pela deliberação infringente do contrato e da lei (art. 1.080 do CC). Para a sociedade anônima, seria aplicável o art. 201, § 1.º, da LSA; (c) com respaldo na doutrina das regras de proteção, pode ser invocado o tipo do art. 168, IV, da LREF, que trata da simulação da composição do capital; (d) ainda no esforço interpretativo, se o empréstimo feito pelo sócio tiver como escopo a burla da intangibilidade, ocorre negócio indireto visando ao resgate do patrimônio do sócio por meio dessa operação.

Quanto à eventual garantia e aos privilégios que conferem preponderância na falência, entende-se ser possível considerar ineficazes contra a massa, passando a concorrer como mero crédito quirografário. Daí a justificativa do que dispõe o art. 83, VIII, “b”, da LF, classificando o crédito do sócio como subordinado.

A subcapitalização material é qualificada como o desequilíbrio efetivo de capital próprio para financiamento da atividade da sociedade com limitação de responsabilidade, transferindo para os credores os riscos próprios dos sócios. Portanto, ocorre proteção contra o desvio do fim da norma quando o sócio modifica a função e a utilização do privilégio da limitação de responsabilidade, com insuficiente nível de capital próprio e financiamento preponderante com capitais de terceiros[6]. A consequência é a imputação ao sócio de débitos da sociedade.

No direito brasileiro, como regra, não há exigência de capital mínimo para sociedades anônimas e limitadas (salvo algumas exceções como a EIRELI e algumas sociedades dependentes de autorização). Todavia, é possível qualificar a sociedade como originariamente subcapitalizada se, além da inadequação entre capital nominal inicial e objeto, for acrescido o financiamento excessivo e exclusivo com capital de terceiros.

Por outro lado, a subcapitalização superveniente decorre da necessidade financeira da sociedade e tem vinculação com o risco da empresa, determinado por dois grupos: risco negocial e risco de estrutura do capital. Quanto maior o risco negocial, maior será a compensação exigida do risco de estrutura de capital, conforme sustenta Thomas Eckhold, aumentando a demanda por capital próprio[7]. Peter Ulmer trata a subcapitalização material como a insuficiência de capital próprio para satisfação da necessidade financeira da sociedade, cobrindo-a com capitais de terceiros[8]. Assim, a subcapitalização material é caracterizada por dois critérios: (a) o critério temporal é o momento do desequilíbrio financeiro. Isso não é coincidente com o instante em que a sociedade, apesar do excesso de capital de terceiros, tem capacidade de crédito para satisfazer suas obrigações. Entretanto, como se trata de uma atividade, os atos finalísticos praticados no passado, com excesso de financiamento de capital de terceiros – em desproporção com o capital próprio – podem repercutir no futuro, rompendo a função da limitação de responsabilidade; (b) o critério material é obtido a partir da desproporção do capital próprio e da atividade, que desequilibra a relação entre risco negocial e risco de estrutura de capital[9].

Os fundamentos jurídicos primários do sistema brasileiro são o abuso da personalidade por desvio de finalidade, em sentido objetivo, gerado pela disfunção da limitação e da responsabilidade, aplicando-se o art. 50 do CC e a redução teleológica de Larenz, com supressão de lacuna oculta do art. 1.º da LSA, dos arts. 1.052 e 1.088 do CC, art. 10.94, I, do CC, para cooperativas com capital fixo, e art. 993 do CC, para sociedades simples que limitam a responsabilidade ao capital.

A insolvência é estado fático presumido de preponderância do passivo sobre o ativo patrimonial.

No caso da subcapitalização material, a sociedade não tem capital próprio e o capital de terceiros tem a exclusiva função de financiamento da atividade. Isso permite constatar que a insolvência tem conexão causal com a subcapitalização, compondo-a, mas não como único e exclusivo requisito[10].

Assim sendo, além da insolvência, ainda se acrescenta o excesso de endividamento com capital de terceiros, transferindo os riscos exclusivamente para os credores, com possíveis reflexos em eventual recuperação da empresa.


Referências
CANARIS, Claus-Wilhelm. Schutzgesetze – Verkehrspflichten – Schutzpflichten. In: CANARIS, Claus-Wilhelm; DIEDERICHSEN, Uwe. Festschrift für Karl Larenz zum 80. Geburtstag. Munique: Beck, 1983. p. 27-110.
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COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
DINIZ, Gustavo Saad. Grupos de sociedades: da formação à falência. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
______. Subcapitalização societária: financiamento e responsabilidade. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
DOMINGUES, Paulo de Tarso. Do capital social. 2. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 2004.
ECKHOLD, Thomas. Materielle Unterkapitalisierung. München: Heymanns, 2002.
GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Regime jurídico do capital autorizado. São Paulo: Saraiva, 1984.
KAHLER, Ulrich. Die Haftung des Gesellschafters im Falle der Unterkapitalisierung einer GmbH. Betriebs-Berater. Zeitschrift für Recht und Wirtschaft, Heildelberg, ano 40, n. 19, p. 1429-1434, 1985.
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PORTALE, Giuseppe B. Capitale sociale e società per azioni sottocapitalizzata. Rivista delle Società, Milano, ano 36, n. 1, p. 3-124, jan.-fev. 1991.
______. Capitale sociale e conferimenti nella società per azioni. Rivista delle Società, Milano, ano 15, n. 1, p. 33-93, jan.-fev. 1970.
REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 58, n. 410, p. 12-24, dez. 1969.
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SCHMIDT, Karsten. Gesellschaftsrecht. 4. ed. Munique: Heymanns, 2002.
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[1] DINIZ, Gustavo Saad. Subcapitalização societária: fundamento e responsabilidade. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 110.
[2] ECKHOLD, Thomas. Materielle Unterkapitalisierung. München: Heymanns, 2002p. 18.
[3] DINIZ, Gustavo Saad. Subcapitalização societária… cit., p. 123-124.
[4] DINIZ, Gustavo Saad. Subcapitalização societária… cit., p. 176.
[5] DINIZ, Gustavo Saad. Subcapitalização societária… cit., p. 172.
[6] ECKHOLD, Thomas. Materielle Unterkapitalisierung cit., p. 213.
[7] ECKHOLD, Thomas. Materielle Unterkapitalisierung cit., p. 38.
[8] ULMER, Peter. Gesellschafterdarlehen und Unterkapitalisierung bei GmbH und GmbH & CO KG. In: PAWLOWSKI, H. M. et al. Festschrift für Konrad Duden zum 70. Geburtstag. Munique: Beck, 1977. p. 670-671.
[9] DINIZ, Gustavo Saad. Subcapitalização societária… cit., p. 206, passim.
[10] ULMER, Peter. Gesellschafterdarlehen und Unterkapitalisierung bei GmbH und GmbH & CO KG cit, p. 214. Também: DINIZ, Gustavo Saad. Subcapitalização societária… cit., p. 254.

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