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Por que o intervencionismo é tão defendido no Direito brasileiro
06/11/2017
No Brasil, não há o direito de firmar contratos livremente. E isso emperra toda a nossa economia, afetando o empreendedorismo, a livre iniciativa e a criação de riqueza.
Foi isso o que o professor André Luiz Santa Cruz Ramos, especialista, mestre e doutor em Direito, professor de Direito Empresarial e Econômico do Centro Universitário IESB e autor de diversos livros jurídicos mostrou em sua palestra proferida na V Conferência de Escola Austríaca, realizada pelo Instituto Mises Brasil nos dias 12 e 13 de maio de 2017.
Em toda a sua apresentação, André apresentou suas ideias sobre a cultura do intervencionismo no ensino jurídico brasileiro e o dirigismo contratual, elencando diversas críticas sobre suas consequências, como o risco moral, a criação de um paternalismo judicial e de incentivos à litigiosidade.
E mostrou como o ensino jurídico no Brasil é viciado e eivado de apologias ao intervencionismo e à onisciência de burocratas e reguladores. Material altamente recomendado para todos os estudantes de direito. Você pode conferi-la abaixo:
Abaixo, segue uma entrevista concedida ao Students For Liberty Brasil. Nela, André conta mais sobre essa cultura, além de expor suas ideias sobre propriedade intelectual, externalidades negativas e sobre a função social, um dos princípios norteadores do Código Civil vigente no Brasil. A entrevista foi conduzida pelo sempre brilhante Luan Sperandio.
Você tem dito que há uma cultura do intervencionismo no ensino jurídico brasileiro. Podemos dizer que os acadêmicos de direito são submetidos a uma doutrinação estatista? Há na academia jurídica brasileira pluralidade de ideias? Isso tem avançado?
Não diria que há uma doutrinação, pois não creio que em todos os casos seja algo intencional por parte dos professores.
O fato é que nosso país tem uma Constituição de viés claramente socialista, que criou uma máquina estatal enorme. Isso não apenas exige um forte aparato burocrático e uma tributação exorbitante, mas também acaba refletindo na própria conformação do ordenamento jurídico, que decorre direta ou indiretamente da Constituição.
Outros fatores que contribuem para essa cultura do intervencionismo no ensino jurídico são os seguintes:
(i) o controle do MEC sobre os currículos das Faculdades de Direito no país (certa vez me pediram para inserir em meu plano de ensino da disciplina Direito Empresarial algo relacionado a questões étnico-raciais e indígenas, e disseram que era “para atender uma exigência do MEC”!); e
(ii) a transformação das Faculdades de Direito em cursos preparatórios para o Exame da OAB e concursos públicos.
Como a doutrina justifica o dirigismo contratual e a relativização da autonomia da vontade? E quais as consequências que se verificam a partir desse intervencionismo aqui no Brasil?
Resumidamente, alega-se que as relações contratuais, atualmente, tendem a ser assimétricas, especialmente em certos tipos de contratação. Contrato de emprego e contrato de consumo são os exemplos mais sintomáticos. Essa assimetria exigiria uma intervenção estatal para proteger as partes contratantes mais fracas, as quais o direito normalmente classifica com termos técnicos como ‘vulneráveis’ ou ‘hipossuficientes’.
Grosso modo, pode-se dizer que é uma forma vulgar de aplicação da velha e falaciosa teoria das falhas de mercado.
Algumas consequências que apontei em meu estudo são:
(i) risco moral: essas partes protegidas pelo estado tendem a perder a noção de responsabilidade ao assinar um contrato, já que ‘contrato não vale mais nada mesmo’.
(ii) paternalismo judicial: cria-se uma jurisprudência extremamente protetiva que exacerba o risco moral já referido e torna os litígios contratuais uma espécie de novela mexicana do mocinho contra bandido; outras vezes, cria-se um antipaternalismo também pernicioso, quando juízes não-simpatizantes do dirigismo acabam ignorando problemas contratuais sérios, como fraude etc.;
(iii) incentivos à litigiosidade: afinal, já que ‘contrato não vale mais nada mesmo’, por que vou cumprir voluntariamente um acordo se posso ir a juízo e me livrar da obrigação assumida sob as mais variadas e abstratas alegações, como abusividade da cláusula ou descumprimento da ‘função social do contrato’?;
(iv) ciclo vicioso intervencionista: o excesso de dirigismo contratual gera problemas contratuais que acabam gerando mais intervenção. Não é à toa que os setores de mercado que mais abarrotam o Judiciário com litígios contratuais são aqueles mais regulados — financeiro, telecomunicações, seguros e planos de saúde etc. —, cujos contratos são fortemente dirigidos pela lei e por normais infra-legais das respectivas autoridades regulatórias.
No direito comparado, por acaso ainda há países em que o pacta sunt servanda predomina sobre essa ideia de relativização dos contratos?
Sinceramente, não conheço a situação de cada país, mas posso garantir que o Brasil não é o criador dessa ideia. Trata-se, como de costume, da importação de uma teoria de países com tradição intervencionista como a nossa.
Em países com uma maior tradição liberal, parece-me que os contratos ainda são respeitados, como demonstram alguns índices de liberdade econômica publicados anualmente (Heritage Foundation e Doing Business, por exemplo).
Qual seu posicionamento em relação à função social (do contrato, da propriedade e da empresa)?
Função social é apenas mais um ‘conceito jurídico indeterminado’ que serve para a legitimação de decisões intervencionistas, gerando insegurança jurídica. O ordenamento jurídico está abarrotado de expressões desse tipo.
Vivemos, diz-se, a era pós-positivista do Direito (ou a era do neoconstitucionalismo), na qual predominam os conflitos principiológicos, que reclamam solução pela via da ‘ponderação de interesses’.
Essa técnica de decisão, alega-se, não exclui um princípio em detrimento de outro, mas apenas reconhece sua maior preponderância num determinado caso concreto.
Ocorre que, no final, os princípios acompanhados da expressão ‘social’ quase sempre predominam. É por isso que nossa Constituição está repleta de princípios liberais — como livre iniciativa, livre concorrência, propriedade privada etc. — que possuem uma carga normativa fraquíssima, tendendo a perder eventuais disputas pela via da ponderação de interesses quando confrontados com princípios sociais.
Enfim, é mais um sintoma dessa cultura do intervencionismo no Direito.
Muitos defensores de uma sociedade de mercado acreditam que é preciso haver intervenção do estado no que diz respeito aos “monopólios naturais”. Como você enxerga isso?
Thomas DiLorenzo, economista da nova geração da Escola Austríaca, termina um texto intitulado “O mito do monopólio natural” com a seguinte frase: “A teoria do monopólio natural é uma ficção econômica do século XIX criada para defender privilégios monopolísticos do século XIX, e não possui lugar em economias modernas do século XXI”.
E ele tem razão.
Um monopólio natural, apenas para esclarecer, é aquele setor considerado fundamental para o bem-estar e para a vida econômica e social de uma sociedade, e cujas principais características são: apresentar significativas “externalidades” (uma transação qualquer feita entre dois indivíduos irá afetar terceiros, positiva ou negativamente), e exigir investimentos vultosos e de longo prazo de maturação, específicos para cada atividade — o que significa que, em teoria, esses investimentos não são “recuperáveis”, pelo menos no curto prazo.
Assim, os principais monopólios naturais seriam aquelas áreas rotuladas como “serviços de utilidade pública”: fornecimento de energia elétrica, de telefonia fixa de curta distância, de gás encanado, de água tratada e saneamento básico (esgoto), de metrô e algumas ferrovias.
Mesmo economistas do mainstream já não mais abraçam mais essa tese do monopólio natural como antes, de modo que agora já aceitam que empresas privadas administrem esses setores. Tanto que os mercados tradicionalmente objeto desses monopólios foram sendo ‘privatizados’ no mundo todo nas últimas décadas, inclusive no Brasil.
Infelizmente, porém, ainda predomina uma ideia de que esses setores, para saírem do regime de monopólio e funcionarem em regime concorrencial, precisam de regulação estatal, por mais paradoxal que possa ser essa afirmação. Consequentemente, esses mercados sempre foram os mais regulados pelo governo. Há uma agência reguladora (federal ou estadual) para cada um deles.
O resultado, sabemos, é desastroso: a empresa privada regulada entra em conluio com a agência reguladora (o que a literatura econômica chama de ‘captura regulatória’) e ambas passam a operar visando apenas seus interesses, e não o dos consumidores. Consequentemente, os preços aumentam e a qualidade dos serviços nem sempre melhora.
E tal arranjo só é possível exatamente porque a existência da regulação cria uma reserva de mercado para essa empresa, com barreiras à entrada que eliminam a concorrência potencial. A empresa não precisa ser eficiente, pois o estado já lhe garantiu um monopólio para aquela área. Isso é o oposto de livre mercado.
Para piorar tudo, tal arranjo opera sob controle de preços (os preços são estipulados pela agência reguladora, o que dificulta o cálculo econômico racional) e sempre há pacotes de socorro quando a empresa passa por dificuldades (que impedem o funcionamento do mecanismo de lucros e prejuízos). O caso da Oi é o mais recente.
E o que é ainda pior: a cultura do intervencionismo faz com que, na ocorrência desses problemas, as pessoas peçam por mais regulação, e não o contrário.
(Nota do Editor: veja neste artigo a maneira correta de se privatizar e desestatizar serviços de utilidade pública considerados ‘monopólios natrurais’).
Qual a visão central de sua tese de doutorado sobre a atuação do CADE e a legislação antitruste brasileira?
A tese apresenta alguns fundamentos contra a legislação e as agências antitruste:
(i) a história que nos contam sobre o assunto é mentirosa: leis e agências antitruste surgiram não para proteger os consumidores e coibir abusos do ‘poder econômico’, mas sim para proteger setores empresariais que estavam perdendo mercado diante da crescente competição, mas que ainda eram fortes politicamente; e
(ii) a teoria econômica que fundamentou o antitruste na sua origem é equivocada, partindo de conceitos errados de monopólio e concorrência: usando modelos irreais, como o de ‘concorrência perfeita‘, essa teoria exacerba a preocupação com as supostas ‘falhas de mercado‘ e ignora o fato de que monopólios são criados e mantidos pelo próprio estado (todos os cartéis, oligopólios e monopólios da atualidade se dão em setores altamente regulados pelo governo: setor bancário, aéreo, telefônico, elétrico, televisivo, TV a cabo, internet, postos de gasolina etc.).
Para agravar, a teoria desconsidera a inexorável realidade de que a concorrência é um processo dinâmico e incerto de rivalidade e descoberta constantes, que depende apenas da liberdade de entrada — liberdade esta que quem mais solapa é o próprio estado por meio de suas regulações que criam reserva de mercado.
O resultado, novamente, é conhecido: empoderamento do aparato burocrático estatal e desvio de recursos e preocupações dos empresários em atender a essa burocracia, e não aos desejos dos consumidores, como ocorre em uma economia verdadeiramente livre.
Muitos libertários têm dificuldade em relação a ideia de propriedade intelectual, pois temos autores a defendendo (como Ayn Rand) e outros defendendo sua abolição (Stephan Kinsella). A ideia de propriedade intelectual se justificaria moralmente? A PI é necessária para possibilitar mais inovações em algum setor?
Inicialmente, é preciso fugir desse dualismo libertários versus não-libertários em qualquer tema relacionado à liberdade, até para evitar que nossos argumentos sejam rechaçados por vício de origem, do tipo “ih, lá vem o anarcocapitalista radical com suas ideias utópicas etc”.
Ademais, hodiernamente, a crítica à ‘propriedade intelectual’ está bem longe de ser algo restrito a um grupo político ou ideológico.
Dito isso, há duas coisas que precisam ser destacadas nesse debate.
Em primeiro lugar, não existe ‘propriedade intelectual’, e sim monopólios intelectuais, e isso é algo praticamente consensual hoje, inclusive entre os próprios defensores da PI. Ideias e criações não são bens escassos, então essa tal PI nada mais é do que criação de escassez artificial pelo uso da força estatal. Isso é uma medida contra a propriedade real, e não em defesa da propriedade. Afinal, se você não pode usar sua propriedade para simplesmente duplicar uma ideia minha, isso significa que eu, o dono da propriedade intelectual, expropriei de você a sua “real” propriedade.
Em segundo lugar, esses monopólios intelectuais, em vez de criarem incentivos à inovação, acabam desestimulando-a, na medida em que restringem a concorrência: o monopolista fica acomodado com o privilégio (muito longo, por sinal, como já comprovaram inúmeras pesquisas empíricas), e os concorrentes ficam desencorajados a investir em áreas já protegidas, com medo de represálias administrativas e judiciais.
Além disso, há uma série de consequências não-intencionais, como a paralisação do brainstorming criativo e a distorção na alocação dos gastos empresariais.
Enfim, argumentos contrários aos monopólios intelectuais, especialmente nos dias atuais, quando vivemos a era da internet, existem aos montes e são absolutamente irrefutáveis, tanto do ponto de vista teórico quanto do ponto de vista empírico. Existem, por exemplo, estudos de caso demonstrando que setores sem imposição de PI são muito mais inovadores e criativos (caso do mercado da moda, como bem explicado por Johanna Blakley em palestra disponível no TED) do que setores cuja execução do PI é enorme.
E repito: ser contra a PI não é apenas uma excentricidade libertária, como muitos dizem apressadamente, fugindo da discussão para esconder a incapacidade de repensar esse assunto. O melhor trabalho que já li contra a PI, por exemplo, foi o livro ‘Against intellectual monopoly‘, dos economistas Boldrin e Levine, e até onde sei, salvo engano, eles não são libertários.
Por fim, diante de tantos problemas no ambiente jurídico brasileiro, o que você recomendaria para alguém que está prestes a iniciar o curso de direito?
Se esse alguém é um liberal ou libertário que deseja se contrapor a essa cultura do intervencionismo a que me refiro, recomendo que siga sua vocação e conclua o curso numa boa instituição, já que, sem isso, infelizmente, não poderá trabalhar na área (afinal, estamos falando da profissão mais regulamentada que existe, havendo uma guilda corporativa fortíssima, a OAB, para manter essa reserva de mercado a todo custo).
Em contrapartida, é fundamental que essa pessoa procure se educar por conta própria, e a internet está aí para isso. Há uma infinidade de material (artigos, livros, aulas, palestras, podcasts etc.) disponível facilmente para um estudante autodidata, interessado e disciplinado.
Se, porém, o aluno ficar restrito ao programa oficial da faculdade, imposto e controlado pelo MEC, corre sério risco de se tornar um intervencionista.
Fonte: Mises
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