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O poder econômico e seus múltiplos efeitos nas esferas social e econômica
GEN Jurídico
25/03/2021
Os Países em que o poder econômico é historicamente mais concentrado e consolidado são as antigas Colônias europeias na América do Sul e na Ásia. Em tais Países o poder econômico é um fenômeno que historicamente faz parte da sociedade e, por isso, é muito mais fácil de identificar. Essa afirmação não é nova, mas suas consequências para a economia e o sistema jurídico interno em vigor em Países em desenvolvimento foram desconsideradas no passado e ainda são menosprezadas.
Não há dúvida de que nas antigas Colônias, se contrastadas com os Países desenvolvidos atuais, o poder econômico era formado de relações econômicas que constituíam fatores relevantes até mesmo para a formação dos Estados Nacionais. A história da maioria, se não de todos esses Países, está intimamente relacionada com a colonização europeia. Esse é um elemento importante a ser notado. O status de Colônia, para além de dependência externa, criou estruturas de poder internas que marcaram e ainda influenciam todos os aspectos do desenvolvimento (ou subdesenvolvimento) nessas sociedades.
É por esse motivo que parece possível revisitar o processo de desenvolvimento desses Países, começando por estruturas de poder econômico e a estrutura de distribuição de renda que as segue. Muito embora sejam a causa originária, os vínculos de dependência colonial que motivaram o subdesenvolvimento não são sua causa fundamental. A explicação para tanto é simples, mas deve ser bem entendida. As estruturas econômicas internas constituem aquilo que permite, em certos momentos, a superação da dependência. Como todos sabemos, isso raramente aconteceu na história dos Países em desenvolvimento. Com exceção de situações raras e excepcionais, em tais Países os vínculos de dependência são raramente contra-atacados e, com frequência ainda menor, quebrados.
Isso ocorre devido a estruturas de poder internas e à distribuição de renda, que se beneficiam, mesmo que indiretamente, de tais vínculos.
É, portanto, em tais estruturas que a análise deveria se focar. Adicionalmente, a relação entre poder econômico e distribuição de renda deve ser avaliada à luz de evidências históricas. A relação é intensa e diferente daquela que prevalece em Países desenvolvidos.
A análise tradicional tende a identificar apenas certas relações superficiais entre uma companhia monopolística e o consumidor – o que significa dizer que identifica essencialmente o valor do lucro extraordinário do monopolista, o qual é extraído dos consumidores por meio da imposição de preços monopolistas. Conforme demonstrado por estudos empíricos, esse valor não pode ser desconsiderado e responde por parcela relevante da concentração de renda.
O fato é que essa relação entre concentração econômica e distribuição de renda é muito mais profunda e extensa. Isso é especialmente verdadeiro em economias estruturalmente concentradas como as antigas Colônias. Por outro lado, a relação é muito mais extensa no mercado de produtos, afetando a própria organização industrial. Assim como o desequilíbrio nas relações entre consumidores e produtores, com as consequentes ineficiências na alocação e na distribuição, ela leva a uma desproporção absoluta entre setores econômicos.
O setor dinâmico da economia desde o período colonial concentra-se geralmente em produtos primários ou bens manufaturados de baixa tecnologia para exportação e em bens de consumo duráveis para consumo interno pelo segmento de alta renda da população. Esses dois setores, monopolizados ou oligopolizados, concentram inversões e ganhos de produtividade. Eles, portanto, drenam recursos do sistema econômico, seja diretamente, por meio de lucros monopolistas obtidos de fornecedores, seja indiretamente, retirando investimentos que seriam de outra forma investidos em outros setores (chamados aqui de “setores econômicos periféricos”).
Os efeitos também são mais profundos. Assim como no mercado de consumo e em setores econômicos periféricos, também há forte interferência no mercado de trabalho. Assim, em muitos dos Países – se não em todos – a concentração de renda acaba por se tornar condição fundamental para o crescimento econômico. Isso ocorre precisamente porque, com base na produção de produtos primários e matéria-prima, seja para o mercado doméstico, seja para o externo, os ganhos de produtividade nessas economias não podem ser obtidos apenas por meio de melhorias tecnológicas (as quais são às vezes insuficientes em tais setores de baixa tecnologia).
Ganhos de produtividade que são fundamentais para o crescimento econômico deveriam se basear em um aumento da produtividade do trabalho, o qual pode ser atingido por meio da redução de salários reais ou por meio de uma redução efetiva na força de trabalho (fonte das primeiras assim chamadas economias de escala atingidas com a concentração econômica). Esse movimento apenas se faz possível, contudo, por meio de um alto nível de monopolização na economia, o qual também cria grandes conglomerados monopolistas no mercado de trabalho.
Conforme previamente mencionado, essa situação é explicada não apenas pelo fato de que competidores no setor relevante são raros e pouco importantes, mas também porque em economias subdesenvolvidas o padrão colonial-monopolista assegura a ausência de competição entre setores da economia. Setores com verdadeiro dinamismo econômico são poucos e concentrados.
Apenas por meio de tal padrão absolutamente concentrado é possível obter acumulação de capital e, consequentemente, investimento produtivo que leve ao crescimento. Dito isso, tal padrão de crescimento requer, para sua própria existência, redistribuição inversa de renda, com empobrecimento (relativo para trabalhadores empregados e absoluto para aqueles que perdem seus empregos) de grupos de baixa renda e relativo empobrecimento de setores econômicos periféricos.
Direcionar a atenção a estruturas também implica não aceitar explicações predominantes de cunho sociológico-individualista para o subdesenvolvimento. Essas justificativas são frequentemente incorporadas a razões neoinstitucionais voltadas a explicar o subdesenvolvimento e a sugerir soluções. Assim, de acordo com essas teorias, com a motivação individual de colonizadores da América Latina, a exploração colonial, diferentemente daquela de imigrantes da América do Norte e da Oceania, estava refletida em toda a estrutura institucional da sociedade.
Esse tipo de afirmação peca, ao mesmo tempo, pela falta e pelo excesso. Por um lado, ela exagera as diferenças no que tange à motivação individual dos colonizadores. Estudos interessantes demonstram que a experiência colonial é mais rica do que essa distinção parece sugerir. Dentro das mesmas Colônias coexistiram regiões de mera exploração com regiões nas quais colonizadores consideraram se instalar e ali permanecer.
Ambas as situações aconteceram em Países colonizados na América Latina, na Ásia e até na África (na África do Sul, por exemplo). Nesses Países, sejam eles Argentina, Austrália ou Índia, o espírito colonial capitalista era parecido.4
Por outro lado, essas teorias sociológico-individualistas deixam de considerar precisamente o estudo de estruturas econômicas criadas pela colonização exploradora. Essas estruturas levam a diferenças entre economias baseadas em monopólios exploradores e sociedades nas quais essas estruturas não prevalecem.
Elas terminam por determinar ciclos econômicos e influenciar todo o sistema socioeconômico de uma sociedade, prevalecendo sobre as similaridades ou as diferenças que as regiões em que houve instalação definitiva de populações poderiam ter, do ponto de vista da motivação dos exploradores, em relação àquelas em que as populações foram meramente exploradas. Assim, regiões que contam com espírito colonial similar, como Buenos Aires, na Argentina, e Sidney, na Austrália, resultam em Países e regiões com níveis de desenvolvimento social e econômico absolutamente distintos.
A concentração estrutural de poder econômico, portanto, afeta todo o sistema, concentrando renda entre setores industriais e entre estratos sociais. Essa concentração de poder e renda também leva a mudanças substanciais nos padrões de crescimento econômico. O crescimento é fortemente baseado, entre outros fatores, em ganhos de produtividade que resultam da redistribuição inversa de renda de trabalhadores (tanto empregados quanto excedente) para os grandes conglomerados (e o pequeno número de acionistas que eles possuem).
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A 2ª edição do Livro Direito Concorrencial serve a dois propósitos básicos:
De um lado, descrever e analisar criticamente a realidade do poder econômico na sociedade brasileira e com base nisso elaborar, discutir e analisar a melhor interpretação das normas capazes de discipliná-lo. Trata-se, portanto, de elaborar uma teoria geral do antitruste e suas regras de aplicação coerente com a realidade brasileira. Destaque tem de ser dado à perspectiva estruturalista do antitruste, que vê na intervenção nas estruturas um caminho necessário para o desenvolvimento (caminho esse, aliás, traçado por muitos países hoje desenvolvidos).
De outro, tentar demonstrar a realidade pluridimensional do poder econômico e consequentemente do antitruste. O interesse do consumidor não é sempre mensurável em termos econômicos. É muito mais complexo e sua definição deve ser mais sofisticada. Consequentemente, o antitruste deve se sofisticar para atender a esse interesse mais complexo, que envolve necessidades e bens essenciais, como saúde, meio ambiente, interesses incorporados às preocupações do consumidor e que não se reduzem à dimensão econômica. Por outro lado, também o poder econômico tem origens e efeitos mais amplos do que aqueles produzidos diretamente no mercado.
No tratamento das estruturas e das condutas, a análise passou a distinguir entre as origens do poder econômico (mercado, direito e dominação dos bens comuns) e seus respectivos efeitos, levando assim a uma revisão geral dessas matérias (estruturas e condutas) em face da lei da concorrência.
Dogmático e prospectivo, o livro pretende, ao mesmo tempo que dá a informação, desafiar o leitor a raciocinar sobre ela. Ao contrário da leitura passiva que pouco constrói, pretende convidar o leitor a uma leitura ativa, raciocinada dos desafios apresentados pelo poder econômico. Afinal, uma página lida e raciocinada equivale a mais de 200 de leitura passiva.
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