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A invenção do comércio e do mercado
Gladston Mamede
24/02/2021
A história da humanidade pode ser contada como a história do desenvolvimento econômico. Esforços individuais para auferir riqueza e benefícios pessoais acabaram beneficiando toda a humanidade, dando-lhe desenvolvimento e prosperidade, no amplo espaço do comércio e do mercado.
A livre-iniciativa, mesmo tendo por motor a ambição, produziu resultados espantosos como a matemática, o arado, os diques e a irrigação, a siderurgia, a navegação comercial etc. Em suma, é possível contar a história da humanidade sob a ótica do comércio e da empresa (da organização dos meios e processos de produção).
O comércio e o mercado são fenômenos humanos vitais. Seu estabelecimento criou um ciclo de prosperidade, superando o isolamento dos grupos e lançando-os numa dimensão universalista do intercâmbio, com suas múltiplas vantagens: não só a circulação de recursos necessários para a subsistência mínima, mas mesmo recursos úteis para o estabelecimento de uma existência confortável, vencendo a mera sobrevivência. A qualidade material de vida do ser humano contemporâneo é uma prova eloquente da importância do comércio na história da humanidade: um amplo mercado mundializado fornece aos seres humanos toda a sorte de benefícios: alimentos, roupas, medicamentos, educação, entretenimento etc.
Nos primeiros momentos da evolução, o aspecto jurídico relevante é o disciplinamento dos trabalhos de extração vegetal e animal, bem como o regramento do acesso aos recursos que se apresentem ao grupo. Milhares de anos depois, registram-se as primeiras criações de animais para corte – bovinos, ovinos, caprinos e suínos –, além das primeiras manifestações de agricultura. Então, o início de um crescimento nas técnicas de cultivo e pecuária, mas já as primeiras permutas: no escambo de bens, trocam-se ideias, notícias, experiências. A humanidade cresce no mercado.
Essa revolução agropecuária instaura um tempo de previdência, de autocontrole e perseverança, tornando o ser humano um sócio ativo da natureza, em vez de continuar como parasita, além de exigir uma divisão de trabalho; a revolução seguinte será o estabelecimento de técnicas otimizadoras da produção, além de técnicas de armazenamento de recursos materiais de alimentos, permitindo o surgimento de atividades especialíssimas, exercidas por pessoas que eram sustentadas por tais excedentes, a exemplo dos mineradores, fundidores, carreteiros e, com eles, uma revolução tecnológica: metalurgia, roda, carro de boi, navio, barco a vela etc.[1]
O palco geográfico e historiográfico dessa revolução tecnológica da humanidade foi a região entre os rios Tigre e Eufrates, região a qual os gregos atribuíram o nome de Mesopotâmia: terra entre rios. Mais precisamente, trata-se da civilização sumérica (de Sumer), onde o ser humano aprendeu a controlar os cursos de água por meio de canais e diques, permitindo tirar proveito do potencial econômico das terras; a produção de excedentes e a capacidade de armazená-los foi o vetor de superação dos limites da mera subsistência, viabilizando a formação de conglomerados organizados de pessoas – as cidades –,[2] cuja estrutura evoluída é o Estado, inicialmente manifestado sob a forma de cidade-Estado.
Embora não seja possível asseverar que os sumérios sejam os criadores do comércio e, com ele, do mercado (sua ideia e sua prática social), a precedência historiográfica dos documentos jurídicos ali encontrados (hoje, o Iraque) torna aquela civilização o ponto de partida da História do Direito: o fim de sua pré-história. Aliás, o próprio ambiente de sua proto-história: a fase ainda anterior à escrita, mas da qual há relatos e vestígios que permitem alguma compreensão do que se passou como parte da evolução jurídica e mercantil da humanidade.
O comércio nasce pelo escambo, pela troca de necessidades. Com o passar do tempo, já há bens – as chamadas commodities, mercadorias primárias de circulação mais fácil – que são utilizados como matéria intermediadora das relações: cereais (designadamente trigo e cevada) e metais (destacando-se a prata) são usados para permitir a fixação de um preço, como fica claro nos mais antigos documentos legais hoje conhecidos: as Leis de Ur-Nammu (c. 2.100 a.C.), Leis de Lipt-Ishtar (c. 1.930 a.C.), Leis de Eshnunna (c. 1.770 a.C.) e Leis de Hamurábi (c. 1.750 a.C.), todas da Mesopotâmia;[3] esses metais eram pesados para definir a prata necessária para um pagamento; a unidade habitual era o siclo (shekel; correspondente a aproximadamente 8 gramas), sendo que 60 gramas correspondiam a uma mina de prata.
Aliás, como deixam claro as Leis de Hamurábi, um outro conceito e prática jurídica já haviam sido assimilados por esse tempo, com importantes reflexos sobre o comércio: o crédito. Isso, porém, sem que se possa falar ainda em título de crédito, em sentido estrito. Por fim, sabe-se hoje que, no século VII a.C., os Lídios (reino existente na Anatólia, ou seja, no planalto central do que hoje é a Turquia) inventaram a cunhagem de moedas, primeiro em eletro (liga de ouro e prata), depois, durante o reinado de Creso (c. 560 a 546 a.C.) de ouro puro: lingotes padronizados de peso, com símbolos reais que lhe atestavam a qualidade.[4]
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[1] TOYNBEE, Arnold Joseph. Um estudo da história. Tradução de Isa Silveira Leal e Miroel Silveira. Brasília: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Martins Fontes, 1987. p. 51.
[2] LEICK, Gwendolyn. Mesopotâmia: a invenção da cidade. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Imago, 2003. p. 14. Além da cidade (e do urbanismo), a civilização sumérica é também a criadora da burocracia (estatal, governamental), da escrita, da matemática e da astrologia.
[3] Conferir ROTH, Martha T. Law collections from Mesopotamia and Asia Minor. 2. ed. Georgia: Scholars Press, 2000.
[4] Conferir DAVIES, Glyn. A history of money: from ancient times to the presente day. Cardiff (Great Britain): Universit of Wales, 1994.