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EMPRESARIAL
MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM
PROCESSO CIVIL
Do Direito dos Contratos ao Direito dos Negócios

Anderson Schreiber
10/06/2025
No último dia 22 de maio, especialistas em direito contratual, processo civil e arbitragem reuniram-se no Rio de Janeiro para debater questões relacionadas à estruturação de negócios no Brasil e à solução de conflitos que surgem em meio ao seu desenvolvimento. Organizado pela FGV Direito Rio, o evento celebrava o lançamento de um novo curso de mestrado profissional em Direito dos Negócios e Arbitragem.
A expressão Direito dos Negócios tem sido cada vez mais utilizada em congressos, simpósios e palestras. Mas o que é, afinal, o chamado Direito dos Negócios? Qual a sua relação com o Direito dos Contratos ou, mais amplamente, com o Direito das Obrigações? Trata-se de um novo ramo do Direito ou apenas uma nova expressão cunhada para atrair profissionais mais ligados ao ambiente empresarial?
Nem uma, nem outra. O Direitos dos Negócios não deve ser encarado como mero modismo, nem como uma nomenclatura novidadeira. Tampouco se trata de uma nova disciplina jurídica, no sentido científico, já que seus elementos são aqueles que já integram ramos tradicionais do Direito.
O que a alusão a um Direito dos Negócios oferece é uma nova perspectiva, que transcende o olhar estruturalista usualmente lançado sobre cada um dos seus elementos – dentre os quais o contrato – para privilegiar uma abordagem dinâmica e funcional da combinação destes elementos em um “negócio”, isto é, em uma operação econômica, que se destina a um fim comum aos negociantes, mas que também ostenta uma utilidade social que recomenda sua preservação.
Nesse sentido, o Direito dos Negócios não é uma novidade, mas o fruto já amadurecido de um longo processo de superação do formalismo jurídico, contando com estudos seminais datados já de muitas décadas, como se pode ver ilustrativamente na obra de Clovis do Couto e Silva ou de Tullio Ascarelli, para ficar em apenas dois exemplos que influenciaram de modo decisivo a evolução do Direito Privado brasileiro no século passado.[1]
Aludir a um Direito dos Negócios não significa, portanto, ceder à recém-lançada (e falsa) dicotomia entre contratos civis e contratos empresariais, que acaba não apenas por comprometer a unidade do sistema jurídico com base em conceitos pouco claros, mas também por criar uma indevida fratura na teoria geral dos contratos, desenhada para atender a relações entre partes presumidamente equilibradas, sejam empresárias ou não.[2]
O Direito dos Negócios não é, portanto, uma nova tentativa de segmentação do Direito Privado, mas, bem ao contrário, um compromisso com uma perspectiva sistemática, em que os contratos são vistos como instrumentos de uma operação econômica, que se dirige a um fim para o qual tal operação foi estruturada e que exprime, a princípio, valor para toda a sociedade.
Isso impõe desenvolver mecanismos aptos a proteger tal operação não apenas enquanto um processo voltado ao atingimento de uma finalidade comum aos contratantes, mas também em atenção ao benefício que representa para terceiros, o que envolve aportes indispensáveis do Direito do Trabalho, do Direito Tributário, do Direito Empresarial e assim por diante.
Os efeitos sobre o ensino do Direito são evidentes. Enquanto a abordagem tradicional se concentra sobre o estudo de cada tipo contratual, seguindo de modo subserviente a ordem dos dispositivos do Código Civil, o ensino em perspectiva negocial privilegia a visão do negócio desde sua estruturação, o que envolve frequentemente a coligação de diferentes contratos e, portanto, o diálogo entre diferentes tipos contratuais, além da interação com os demais ramos mencionados acima, como o Direito Tributário.
O Direito dos Negócios que se pretende digno deste nome também não pode se limitar à estruturação da operação negocial, mas deve também se debruçar sobre o seu momento patológico. Em um país em que muitos projetos se convertem em disputas, não se pode deixar de examinar os meios mais adequados para solucioná-las.
Advogados de hoje não podem mais se dar ao luxo de deixarem os conflitos para o futuro. É preciso, desde o início, buscar preveni-los, criando os desincentivos acertados e antecipando controvérsias que têm a vocação de surgir pelo caminho.
A inserção de cláusulas de negociação prévia, a criação de dispute boards, a estipulação de períodos de cura (cure periods), a previsão de recurso à arbitragem – de modo mais detalhado do que usualmente se vê nas cláusulas compromissórias – e outras tantas ferramentas estão à disposição de quem estiver realmente disposto a pensar os negócios em uma visão compromissada com a concretização de seus fins e a geração de frutos.
Naturalmente, nada disso é viável sem segurança jurídica. O papel do Direito nas relações negociais não consiste apenas em garantir liberdade aos contratantes, mas também em impedir ilicitudes, evitar abusos e corrigir desequilíbrios manifestos. Os mecanismos para tanto devem, contudo, ter um funcionamento claro, objetivo e previsível.
Quando um dispositivo legal afirma – como faz o artigo 413 do Código Civil – que o juiz deve reduzir “equitativamente” uma multa contratual expressamente estipulada pelas partes “se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”, abre-se uma porta larga demais para o imprevisível. O resultado prático é que qualquer cobrança de cláusula penal se torna incerta quanto ao seu valor.
Os contratantes precisam ser capazes de antecipar o resultado do julgamento de seus conflitos. Este costuma ser o melhor caminho para evitá-los. E não há segurança quanto aos negócios se não houver um inegociável respeito à solução de controvérsias. A antecipação de um litígio pode não apenas ajudar a solucioná-lo, mas também preservar o resultado das escolhas feitas livremente pelas partes – preservação indispensável a um ambiente negocial sadio e equilibrado.
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NOTAS
[1] Para mais detalhes, ver Clovis V. do Couto e Silva, A Obrigação como Processo, São Paulo: Bushatsky, 1976, e Tullio Ascarelli, Panorama do Direito Comercial, São Paulo: Saraiva & Cia, 1947.
[2] Seja consentido remeter a Anderson Schreiber, O Princípio do Equilíbrio das Prestações e o Instituto da Lesão, in Silvio Venosa et al. (coords.), 10 Anos do Código Civil: Desafios e Perspectivas, São Paulo: Atlas 2012, pp. 138-160.