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A defesa da livre concorrência no direito brasileiro
10/10/2016
Existem basicamente duas formas pelas quais o Estado se propõe a defender a livre concorrência: coibindo práticas de concorrência desleal e atos que configurem infração contra a ordem econômica.
No primeiro caso, as sanções estão previstas nos arts. 183 e seguintes da Lei 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial), e o objeto da punição estatal são condutas que atingem um concorrente in concreto (por exemplo: parasitismo, contrafação de marca, venda de produto “pirata”, divulgação de informação falsa sobre concorrente etc.).
No segundo caso, por sua vez, as sanções estão previstas no art. 36 da Lei 12.529/2011 (Lei Antitruste), e o objeto da punição estatal são condutas que atingem a concorrência in abstrato, isto é, o próprio ambiente concorrencial (por exemplo: formação de cartéis, precificação predatória).
No caso da Lei 12.529/2011, que disciplina o chamado direito antitruste, merece destaque a atuação do SBDC (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência), atualmente estruturado da seguinte forma: (i) CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), autarquia federal subdividida em Tribunal Administrativo, Superintendência Geral e Departamento de Estudos Econômicos, responsável pela prevenção e repressão das infrações contra a ordem econômica; e (ii) SEAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico), órgão do Ministério da Fazenda, responsável por exercer a advocacia da concorrência.
A prevenção de infrações contra a ordem econômica é exercida pelo CADE por meio do controle prévio de atos de concentração empresarial (fusões, incorporações etc.). De acordo com o art. 88 da referida lei, “serão submetidos ao CADE pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente: I – pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e II – pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).
Esses valores foram atualizados para R$ 750.000.000,00 (setecentos e cinquenta milhões de reais) e R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais), respectivamente, por meio de Portaria Interministerial dos Ministros da Fazenda e da Justiça (art. 88, § 1º, da Lei Antitruste). Sendo assim, qualquer operação societária que tenha, cumulativamente, (i) participação de agente econômico com faturamento bruto anual ou volume de negócios no Brasil igual ou superior a R$ 750 milhões (setecentos e cinquenta milhões de reais) e (ii) participação de outro agente econômico com faturamento bruto anual ou volume de negócios no Brasil igual ou superior a R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais) deverá ser previamente apresentada para análise do CADE, o qual poderá aprovar a operação, com ou sem restrições, ou rejeitá-la.
A repressão de infrações contra a ordem econômica, por sua vez, é realizada pelo CADE por meio da investigação e punição de condutas anticompetitivas/anticoncorrenciais unilaterais (exemplo: precificação predatória) ou concertadas (exemplo: formação de cartéis). De acordo com o art. 36 da referida lei, “constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II – dominar mercado relevante de bens ou serviços; III – aumentar arbitrariamente os lucros; e IV – exercer de forma abusiva posição dominante”. O § 3º do referido dispositivo legal o complementa, estabelecendo que “as seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica: I – acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma: a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente; b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços; c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos; d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública; II – promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes; III – limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado; IV – criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços; V – impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição; VI – exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa; VII – utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros; VIII – regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição; IX – impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros; X – discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços; XI – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais; XII – dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais; XIII – destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos intermediários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los ou transportá-los; XIV – açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia; XV – vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo; XVI – reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir a cobertura dos custos de produção; XVII – cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada; XVIII – subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem; e XIX – exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade industrial, intelectual, tecnologia ou marca”.
Nesses casos descritos no parágrafo anterior, a Superintendência Geral do CADE tem amplos poderes investigatórios, podendo instaurar processos administrativos e requerer a condenação dos envolvidos perante o Tribunal Administrativo do CADE. Quando isso ocorre, as multas costumam ser aplicadas em valores expressivos, e para que os condenados suspendam a exigibilidade delas, questionando-as judicialmente, é necessário garantir o juízo por meio de caução idônea (art. 98 da Lei Antitruste).
Finalmente, a advocacia da concorrência é realizada pela SEAE por meio da promoção de uma cultura da concorrência tanto perante órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário como também junto a entidades da sociedade civil. De acordo com o art. 19 da Lei Antitruste, “compete à Secretaria de Acompanhamento Econômico promover a concorrência em órgãos de governo e perante a sociedade cabendo-lhe, especialmente, o seguinte: I – opinar, nos aspectos referentes à promoção da concorrência, sobre propostas de alterações de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, de consumidores ou usuários dos serviços prestados submetidos a consulta pública pelas agências reguladoras e, quando entender pertinente, sobre os pedidos de revisão de tarifas e as minutas; II – opinar, quando considerar pertinente, sobre minutas de atos normativos elaborados por qualquer entidade pública ou privada submetidos à consulta pública, nos aspectos referentes à promoção da concorrência; III – opinar, quando considerar pertinente, sobre proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional, nos aspectos referentes à promoção da concorrência; IV – elaborar estudos avaliando a situação concorrencial de setores específicos da atividade econômica nacional, de ofício ou quando solicitada pelo Cade, pela Câmara de Comércio Exterior ou pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça ou órgão que vier a sucedê-lo; V – elaborar estudos setoriais que sirvam de insumo para a participação do Ministério da Fazenda na formulação de políticas públicas setoriais nos fóruns em que este Ministério tem assento; VI – propor a revisão de leis, regulamentos e outros atos normativos da administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal que afetem ou possam afetar a concorrência nos diversos setores econômicos do País; VII – manifestar-se, de ofício ou quando solicitada, a respeito do impacto concorrencial de medidas em discussão no âmbito de fóruns negociadores relativos às atividades de alteração tarifária, ao acesso a mercados e à defesa comercial, ressalvadas as competências dos órgãos envolvidos; VIII – encaminhar ao órgão competente representação para que este, a seu critério, adote as medidas legais cabíveis, sempre que for identificado ato normativo que tenha caráter anticompetitivo”.
* Nota do autor: O texto se propõe apenas a descrever, em linhas gerais, como a defesa da concorrência está disciplinada em nosso ordenamento jurídico. Caso o leitor queira conhecer minha opinião pessoal sobre o tema, que é extremamente crítica ao direito antitruste como um todo, confira: RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Os fundamentos contra o antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
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