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Regime jurídico dos parlamentares: perda do mandato
14/06/2022
Neste trecho extraído do do livro Curso de Direito Constitucional, de Ana Paula de Barcellos, a autora aborda o regime jurídico dos parlamentares, mais espeficicamente a perda do mandato. Entenda quais são os precedentes para que ela seja requerida e veja algumas jurisprudências sobre o tema!
Regime jurídico dos parlamentares: perda do mandato
O art. 55 da Constituição regula as hipóteses e condições em que deputados federais e senadores poderão vir a perder seus mandatos durante seu exercício. O tema tem sido bastante discutido no País nos últimos anos e algumas questões encontram-se indefinidas na jurisprudência do STF sobre o assunto.
Como regra geral, a Constituição submete a declaração da perda de mandato a alguma espécie de manifestação da Casa Legislativa da qual o parlamentar faz parte. No caso de perda do mandato por faltas injustificadas a mais de um terço das sessões (inciso III); suspensão ou perda dos direitos políticos, nos termos do art. 15 (inciso IV); e quando a perda do mandato for decretada pela Justiça Eleitoral (inciso V), o § 3º do dispositivo afirma que caberá à Casa declarar a perda do mandato, observada a ampla defesa. A referência à ampla defesa faz sentido, sobretudo em relação à hipótese do inciso I (faltas não justificadas), mas não haverá muito o que se possa discutir, por exemplo, em relação à decisão da Justiça eleitoral. As decisões da Casa, em tais hipóteses, têm natureza predominantemente declaratória realmente, atestando que o evento que causa a perda do mandato ocorreu.
Nas hipóteses, porém, de perda do mandato por infração às vedações do art. 55 (inciso I); por procedimento considerável incompatível com o decoro parlamentar (inciso II); e por força de condenação criminal transitada em julgado (inciso VI), o § 2º afirma que “a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”.
No caso das decisões envolvendo a infração às vedações do art. 54 e à quebra de decoro parlamentar, caberá à Casa efetivamente apurar, assegurada ampla defesa, a prática do ilícito e decidir sobre a perda do mandato. A controvérsia que tem surgido na jurisprudência do STF envolve, a despeito de sua literalidade, a incidência do art. 55, § 2º, na hipótese de condenação criminal transitada em julgado.
Jurisprudência sobre perda do mandato
Com efeito, na AP nº 470 (dezembro de 2012), o STF decidiu, por cinco votos a quatro, que a perda do mandato dos deputados federais condenados seria automática, cabendo à Câmara apenas declarar tal consequência, nos termos do § 3º do art. 55, e não propriamente tomar uma decisão na matéria, como sugere o § 2º. Na AP nº 565 (agosto de 2013), porém, novamente por cinco votos a quatro, o STF condenou deputado federal por variados crimes, mas remeteu a questão da perda do mandato à Câmara dos Deputados, nos termos do art. 55, § 2º.
Por fim, no MS nº 32.326, em decisão monocrática (setembro de 2013), o Ministro Luís Roberto Barroso considerou que a perda do mandato de deputado federal condenado no caso seria automática – cabendo a Câmara dos Deputados apenas declará-la, nos termos do § 3º do art. 55 –, uma vez que a pena a ser cumprida em regime inicial fechado seria superior ao restante do mandato do parlamentar, inviabilizando, portanto, seu exercício. Na AP no 996 (maio de 2018), por maioria, a 2ª Turma entendeu que a perda do mandato não seria automática e determinou a remessa da decisão condenatória de deputado federal à Câmara dos Deputados.
Ou seja, não é possível afirmar, no momento, qual é efetivamente o entendimento do STF sobre a matéria, e nem mesmo se o Tribunal adotará uma posição geral ou se, na linha da decisão monocrática do Ministro Luís Roberto Barroso, optará por um exame das circunstâncias de cada caso. A questão é sensível, porque, de um lado, o dispositivo constitucional é bastante claro, de modo que uma afirmação geral no sentido de que ele não é aplicável é, sem prejuízo das melhores intenções dos Ministros, incompatível com o texto e, nesse sentido, uma solução casuística pode ser mais facilmente justificada. A preocupação social da maioria que se formou na AP nº 470, de fácil percepção, era impedir que as Casas Legislativas decidissem pela manutenção dos mandatos, a despeito da gravidade dos crimes que levaram à condenação dos parlamentares. O temor é compreensível, mas, institucionalmente, cabe ao Legislativo assumir o ônus político de suas decisões perante a população, e não ao Judiciário livrá-lo de suas responsabilidades.
É importante, ainda, registrar a hipótese hoje admitida pelo STF de perda do mandato parlamentar proporcional por mudança imotivada de partido, modalidade de infidelidade partidária. O art. 55 não trata da hipótese, mas o STF acabou por entender que a possibilidade decorre do sistema constitucional. Explica-se melhor.
Até 2007, aproximadamente, o Supremo Tribunal Federal sempre se manifestou no sentido de que a mudança de partido não teria como consequência a perda do mandato parlamentar, cabendo aos partidos disciplinarem internamente, no âmbito de sua autonomia, como previsto pelo art. 17 da Constituição, as eventuais consequências da infidelidade partidária. Em 2007, porém, ao decidir um conjunto de mandados de segurança, o STF alterou seu entendimento na matéria e consolidou a posição no sentido de que, relativamente aos mandatos eleitos pelo sistema proporcional, a mudança de partido sem justa causa poderá levar à perda do mandato pelo parlamentar, remanescendo a vaga com o partido. Isso porque, no sistema proporcional, o destinatário do voto é, sobretudo, o partido, e não o candidato[18]. Vale ressaltar que, em fevereiro de 2016, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 91, a qual criou uma janela de 30 dias para desfiliação a partir da promulgação da emenda. Isso significou que os titulares de cargo eletivo proporcional tiveram até o dia 19 de março de 2016 para se desfiliarem do seu partido sem que perdessem o mandato.
Em qualquer caso, a perda do mandato apenas poderá ser decidida em processo perante a Justiça Eleitoral, após garantida ampla defesa ao parlamentar, que poderá demonstrar que se desfiliou de seu partido original com justa causa, quando, então, a perda do mandato não ocorrerá[19]. No caso dos mandatos cuja eleição obedece ao sistema majoritário – para senadores – a eventual infidelidade partidária por mudança de partido não gera a perda do mandato, já que o parlamentar recebe os votos pessoalmente[20].
Na sequência da jurisprudência do STF, a Emenda Constitucional no 111/2021 introduziu um § 6º ao art. 17 para prever de forma expressa a regra geral de que os parlamentares eleitos pelo sistema proporcional em todos os níveis federativos que se desliguem do partido pelo qual foram eleitos perderão seus mandatos, e introduziu desde logo duas exceções a essa regra. Em primeiro lugar, a perda do mandato poderá ser afastada se houver anuência do partido: ou seja, eventual acordo entre o parlamentar eleito e o partido pode afastar a consequência da perda do mandato. Em segundo lugar, a perda do mandato poderá igualmente ser afastada “em outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei”. Em qualquer caso, a migração de partido não afetará a distribuição de recursos ou o tempo de rádio e TV.
Exposto de forma objetiva o regime jurídico dos parlamentares, cabe agora examinar as competências atribuídas ao Legislativo pela Constituição de 1988.
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[18]STF, MS 26.604/DF, Tribunal Pleno, Relª. Minª. Cármen Lúcia, j. 04 out. 2007, DJe 03 out 2008. No mesmo sentido, STF, MS 26.602/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, j. 4 out. 2007, DJE 17 out. 2008; STF, MS 26.603/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. 4 out. 2007, P, DJe 19 dez. 2008.
[19]STF, MS 27.938/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 11 mar. 2010, DJe 30 abr. 2010: “O reconhecimento da justa causa para transferência de partido político afasta a perda do mandato eletivo por infidelidade partidária. Contudo, ela não transfere ao novo partido o direito de sucessão à vaga. Vide STF, MS 26.604/DF, Tribunal Pleno, Relª. Minª. Cármen Lúcia, j. 4 out. 2007, DJe 3 out. 2008.
[20]STF, ADI 5.081/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 27 mai. 2015, DJe 19 ago. 2015.