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O princípio do “órgão natural”: uma exclusividade da magistratura ou um princípio das funções públicas essenciais à justiça?

ART. 5º XXXVII

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

JUÍZO DE EXCEÇÃO

JURISDIÇÃO

PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

TRIBUNAL DE EXCEÇÃO

Franklyn Roger

Franklyn Roger

28/07/2017

Nas primeiras lições de Direito Constitucional e nas aulas de princípios do Direito Processual Civil, temos o contato com o chamado princípio do juiz natural, aquele que se extrai do art. 5º, XXXVII da Constituição Federal (não haverá juízo ou tribunal de exceção).

A história deste princípio tem uma lógica muito pertinente. Para assegurar a imparcialidade e um juízo justo, o Estado não poderia escolher os juízes que seriam responsáveis pela apreciação das causas apresentadas ao Judiciário[1].

O sistema só fluiria de forma adequada quando houvesse um juiz investido de jurisdição, previamente a instauração do processo, devendo haver regras claras que regulem a substituição dos juízes de modo a evitar a manipulação na condução do processo.

É por esta razão que os magistrados gozam da garantia da inamovibilidade, de modo a prevenir que o tribunal possa modificar as suas designações e, de algum modo, interferir no julgamento das causas.

Com o passar dos anos e a evolução doutrinária, especialmente no campo do processo penal, passou-se a entender pela também existência de um princípio do promotor natural, mesmo sem amparo legal.

O espectro deste princípio seria o de assegurar que na relação processual houvesse a intervenção de um membro do Ministério Público investido de atribuição com base em parâmetros legais[2]. Assim como os magistrados, os membros do Parquet também gozam da garantia da inamovibilidade, cujo propósito é o de preservação das funções institucionais exercidas pelo agente.

Recentemente, no julgamento do Habeas Corpus n. 123.494/ES, de relatoria do Min. Teori Zavascki, o Supremo Tribunal Federal foi instado a se manifestar sobre o princípio do defensor público natural.

Tratava-se de hipótese em que um acusado patrocinado pela Defensoria Pública compareceu à audiência de instrução e julgamento de uma ação penal e, diante da impossibilidade de comparecimento do membro da instituição encarregado de realizar a sua defesa (o Defensor Público atuava em duas comarcas e naquele dia realizava atendimento na outra comarca), viu sua defesa ser realizada por advogado nomeado ad hoc.

Na ótica do Supremo Tribunal Federal não houve nulidade na defesa já que o advogado nomeado atuou com diligência, tendo, inclusive, formulado perguntas na defesa de interesses do acusado. Eventual inércia de um Defensor Público, mesmo que ocasionado por motivo justificável, permitiria a desconstituição temporária do vínculo, a fim de que um profissional da advocacia privada pudesse ato “para o ato”.

Pois bem! Frente ao posicionamento do STF seria possível falar em defensor público natural ou tratar-se-ia de mais uma elucubração doutrinária?

Apesar de desconhecido por todos que não têm afinidade com o regime jurídico da Defensoria Publica, é importante rememorar que de acordo com o art. 4º-A, IV da LC nº 80/1994, constitui direito do assistido ter “o patrocínio de seus direitos e interesses pelo defensor natural”.

Através desta previsão normativa consagrou-se no ordenamento jurídico nacional a existência do princípio do Defensor Público natural, como derivação da inamovibilidade (art. 134, § 1º da CRFB) e da independência funcional (art. 134, §4º).

O princípio do Defensor Público natural assegura ao assistido o direito de ser patrocinado pelo membro da Defensoria Pública investido de atribuição legal previamente traçada por critérios objetivos e abstratos, evitando-se manipulações ou designações casuísticas.

Diante da unidade e da indivisibilidade da Defensoria Pública, o usuário de seus serviços não pode escolher o Defensor Público que atuará na defesa de seus interesses.

Frente a esta realidade, como bem observa Felipe Caldas Menezes, desse princípio “extrai-se a conclusão de que não pode haver Defensor Público de exceção, ou seja, a assistência jurídica deve ser prestada pelo Defensor Público que tiver atribuição, de acordo com as regras internas previamente estabelecidas de divisão de trabalho entre os órgãos de atuação e execução”[3].

Com isso, o princípio do Defensor Público natural consagra uma garantia de ordem jurídica, que possui dupla destinação subjetiva, protegendo tanto o assistido, quanto o membro da Defensoria Pública[4].

Diante destas premissas, se pudéssemos falar em um princípio do órgão natural, tornar-se-ia essencial reconhecer a proteção conferida ao exercício da jurisdição e das funções institucionais do Ministério Público e da Defensoria Pública.

Se o jurisdicionado não pode escolher o magistrado, o promotor e o Defensor Público que oficiarão em sua causa, de igual modo o Estado assim também não pode agir, devendo haver critérios prévios, abstratos e transparentes na definição da competência e da atribuição e nas substituições destes agentes políticos.

A existência de um órgão natural seria uma característica comum da magistratura e das duas funções essenciais à justiça destinadas a defesa do jurisdicionado, seja em grau individual ou coletivo.

Se não se admite que o exercício da jurisdição e das funções institucionais do Ministério Público sejam exercidas por outro profissional, de igual modo deve ser protegido o exercício dos encargos legais e constitucionais conferidos a Defensoria Pública.

No caso da Defensoria Pública, a nomeação de advogado ad hoc não interfere diretamente no princípio do defensor natural mas, principalmente, no direito de escolha que todo o acusado goza, para indicar o responsável pelo exercício de sua defesa técnica, como assegura o art. 8º, 2, ‘d’ do Pacto de San José da Costa Rica (direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;).

Se o acusado indica a Defensoria Pública para o patrocínio de sua causa, a única hipótese de inação da instituição ocorrerá quando O PRÓPRIO ACUSADO revogar o vínculo mantido e constituir um advogado para o exercício da defesa. Desde a incorporação da Convenção Americana de Direitos Humanos ao nosso ordenamento jurídico torna-se manifestamente inconvencional qualquer norma ou prática tendente a impor uma defesa dativa contra a vontade do acusado.

Portanto, com todo o respeito que o Supremo Tribunal Federal merece, houve duas falhas graves no julgamento do HC 123.494/ES. A primeira delas por não considerar o princípio do defensor natural em toda a sua extensão e situá-lo de forma adequada ao caso. E segundo, por inobservar o direito do acusado previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos.

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[1] Nas palavras de Frederico Marques: “O princípio do juiz natural não exclui a existência de justiças especiais, mas tão-só dos juízos de exceção e extraordinários. Segundo P. Rossi, deve-se entender por juiz natural, ‘les juges appropriés aux différents matières’; e, com regra de que ninguém pode ser tirado de seu juiz natural, quis-se ‘proscrever os juízes extraordinários, qualquer que seja o seu nome, as comissões, cortes especiais ou outras, os juízes constituídos post factum, constituídos ad hoc para o julgamento de tal e tal caso.”(MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, 1998. P. 189. Vol. I).
[2] Mazzilli aponta sobre este princípio: “O princípio do promotor natural consiste, pois, em existir e não se poder afastar arbitrariamente o promotor do caso em que, por critérios prévios da lei, ele deveria oficiar.” (MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do ministério público. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 230 ).
[3]    MENEZES, Felipe Caldas. A reforma da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública: disposições gerais e específicas relativas à organização da Defensoria Pública da União, in SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede passagem, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. P. 161.
[4]Num primeiro plano, o princípio sedimenta a impessoalidade do serviço jurídico-assistencial público, vedando a prática de condutas discriminatórias em relação aos assistidos – sejam benéficas ou detrimentosas. Dessa forma, a norma protege os destinatários da assistência jurídica prestada pela Defensoria Pública, reconhecendo-lhes o direito de serem patrocinados apenas pelo Defensor Público com atribuição legal para atuar no caso, sem qualquer espécie de favoritismos ou perseguições.
Em segundo plano, o princípio assegura que o membro da Defensoria Pública não será arbitrariamente removido do exercício de suas funções institucionais. Com isso, a norma protege o Defensor Público contra eventuais ingerências políticas que possam maliciosamente tencionar seu afastamento compulsório do órgão, como forma de retaliação ou para obstaculizar o trabalho desenvolvido na defesa dos menos favorecidos.” (ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios institucionais da defensoria pública. Rio de Janeiro: Forense, 2014. P. 513.).

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