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A Constituição e o Jurassic Park: o Direito nega os dinossauros?
Lenio Streck
05/06/2018
Para quem não me conhece, vou me apresentar: sou constitucionalista raiz (e anti-Nutella), nasci em Agudo, com muita honra a terra do dinossauro mais antigo do mundo: o Bagualosaurus agudoensis, conforme se pode ver nesta notícia (e na ilustração logo abaixo).
Na sequência, se tiver paciência, o leitor, mesmo aquele que só gosta de textos monossilábicos, entenderá a ligação que quero fazer. Vamos lá. Nos tempos do Grupo Cainã (ver aqui), em que participavam, entre outros, JJ Gomes Canotilho, Avelãs Nunes, Luis Roberto Barroso, Luis Edson Fachin, Eros Grau, Clèmerson Clève, Gilberto Bercovici, Martonio Barreto Lima e Marcelo Cattoni, os três últimos compunham comigo, mais Flavio Pansieri e Marco Marrafon, a bancada jurássica do Direito Constitucional, uma vez que defendíamos uma posição mais ortodoxa na interpretação constitucional — inclusive com a defesa da Constituição Dirigente (o que me levou depois, no ano de 2003, a construir a tese da CDAPMT (Constituição Dirigente Adequada a Países de Modernidade Tardia). Tínhamos até camiseta e um dinossauro de plástico como mascote, que colocávamos à frente de minha mesa, já que fui eleito líder perpétuo desde a primeira reunião.
Divulgação/Jorge Blanco
O Grupo Cainã (já falei disso aqui) fez dez congressos em dez anos seguidos, em vários países. A retomada — e tenho discutido isso com Jacinto Coutinho, Luiz Alberto David Araújo, Aldacy Coutinho e Fernando Scaff — parece muito difícil, principalmente em um país em que o Direito Constitucional virou um DCC (Direito Constitucional de Caminhoneiros), em que existe uma espécie de lockout hermenêutico por parte de setores do Judiciário e de parte de uma doutrina com perfil etienneboitiano.
De minha parte, em um país de humpty-dumptismo interpretativo (quem não entendeu, ler, por exemplo, aqui e aqui), resta-me fazer uma homenagem à minha terra natal, Agudo, pequena cidade de 5 mil habitantes, fazendo do Bagualosaurus agudoensis um símbolo da resistência de um necessário grau de ortodoxia constitucional, lamentavelmente já perdido no Jurassic Park brasileiro. Meu medo é que a Constituição, ao completar 30 anos, tenha virado um fóssil e já não seja objeto de interpretação, e sim de uma arqueologia.
Daí que me permito fazer uma alegoria, entremeada por metáforas e metonímias em pequenos pontos. Pegando a tese hermenêutica de que textos são eventos (e coisas), afirmo que, assim como o texto da Constituição existe, o Bagualosaurus também existiu — e seus restos existem para provar essa existência. Ao contrário do relativismo interpretativo que tomou conta do Direito brasileiro, o Bagualosaurus não é relativo. Ele é, por assim dizer, com Gadamer, um texto.
Portanto — na alegoria com o Direito —, posso dizer que nem uma “mutação no dinossaurismo” pode eliminar ou alterar sua existência. Nenhum iluminismo-na-teoria-dos-dinossauros pode colocar em dúvida que o Bagualosaurus foi descoberto, assim como não se pode negar o texto constitucional. Dito de outro modo: mesmo que um arqueólogo ou historiador não goste ou não concorde (por exemplo, um criacionista acredita que a terra só tem 6 mil anos de idade), ele não pode negar a existência do dino agudense.
Permitindo-me, além de alegoria, fazer pequena ironia, posso afirmar que nenhuma ação declaratória da não existência dos dinossauros pode mudar isso. Isto porque textos valem. Existem. Deixemos os textos (ou os ossos dos dinossauros) nos dizerem algo. Onde está escrito x, podemos ler x. Um osso de dino não é o osso de um tico-tico. Podemos até discutir os limites de x, mas não podemos ler j no lugar de x.
Isso é o mínimo. Vou explicar isso de forma mais simples ainda. Podemos discutir o tipo de dinossauro e até o seu nome. Mas não podemos fazer uma interpretação conforme os não dinossauros (Nichtkonforme Dinosaurien Auslegung) como fez, por exemplo, o STF no caso da presunção da inocência (se o leitor ainda não havia feito o link entre a descoberta do dino e a CF, agora parece que ficou mais claro, pois não?). Talvez porque o ministro Edson Fachin, que fez a interpretação conforme a CF do artigo 283 do dinossáurico CPP para dizer o contrário do que diz o seu texto, não entenda muito de dinossauros (a seu favor, reconheço o fato de que não chegou a integrar a nossa bancada jurássica na Cainã; ele era da ala do Direito Civil Constitucional; Barroso também não compunha a bancada — aliás, com ele é que fiz o debate em uma das Cainãs (Teresópolis), surgindo, daí, minha tese denunciando o pamprincipiologismo. De todo modo, em sendo verdadeira a minha alegoria, é possível dizer que, no caso da presunção da inocência, o Supremo inventou ou criou um neopaleontologismo, que, na alegoria, nega a existência dos dinossauros.
Post scriptum 1. Isto é capitalismo ou estupidez?
Não poderia deixar de me manifestar sobre o assunto “greve-lockout-caminhoneirístico”. No caos em que o governo e suas trapalhadas nos meteram, aparece a triste face do fascismo, o que se pode ver pelas manifestações e pedidos de intervenção militar. Triste. Como bem assinalou um internauta, “grevista que pede intervenção militar é como porco pedindo bacon!”. Assim como também é triste ver o post de um juiz federal insinuando intervenção militar (ver aqui). E como é patético e revoltante ver a política entreguista da Petrobras, comandada por Pedro, o Parente. É só ler a nota técnica do Dieese (ler aqui). É muita irresponsabilidade. A política irresponsável da Petrobras incendiou o país. Parente prefere vender petróleo cru a preço de banana para os EUA e comprar dos EUA combustível refinado, deixando as refinarias brasileiras paradas, sucateando. E atrelam o preço aos interesses em dólar do mercado internacional. Isso não é capitalismo. É pura estupidez. Parece que querem o caos. Para depois nele surfar. A ver (sem h).
Post scriptum 2. A entrevista secreta (sic) do concurso do Ministério Público
Causou frisson o artigo desta terça-feira (29/5) (aqui), onde tratei de decisão do CNMP trancando concurso do MP-SP. A decisão do CNMP é autoexplicativa. Ninguém inventou isso. Chamar a isso de “entrevista reservada” em tempos de democracia é ignorar, inclusive, que na própria magistratura isso já foi abolido (o link disso está ao final). Há um promotor de Justiça que postou no Twitter dizendo que haters (sic) estavam “denegrindo” (sic, ele usou mesmo essa palavra!) a imagem do MP-SP (não vou mostrar o “tuit” agora; mas tenho print). Ora, com 30 anos de MP e com experiência de bancas de concurso, não aceito isso que, exatamente, foi objeto da correta (em parte) decisão do conselheiro do CNMP.
Se se chama de entrevista reservada ou canglingon, pouco importa. Importa é o que aconteceu e o que dezenas de candidatos relata(ra)m. A tal “entrevista reservada” ocorre depois da prova oral. Mas, se há prova oral, por que entrevista reservada?
Ora, convenhamos. Já em 2012 o então advogado Luis Roberto Barroso levou ao CNJ o caso envolvendo entrevistas secretas no concurso para a magistratura em São Paulo. Atenção: vejam aqui. O resto é defender o indefensável. Accountability: essa é a palavra que deve reger os órgãos públicos. Se a entrevista “reservada” é gravada, pouco importa. O que importa é que ela ocorreu. E o CNMP, pelo menos em liminar (e não há segredo de Justiça nisso), entendeu desse modo. Por isso, há, sim, fumus bonis juris para publicar e comentar. Não, senhores e senhoras da administração do MP-SP: não é sensacionalismo divulgar uma decisão do órgão (CNMP) que fiscaliza as instituições. Querem mais? O então advogado Barroso disse, depois de o CNJ anular o concurso: “Novas entrevistas serão feitas sem ressentimento pelo TJSP” (ver aqui).
Espero que o MP-SP faça tudo direitinho e sem ressentimentos. Por exemplo, para comigo. Não briguem com o mensageiro. Vejam o que diz a mensagem, primeiro. Saludo!
Fonte: ConJur
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