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José Manuel de Sacadura Rocha

José Manuel de Sacadura Rocha

06/11/2018

Saiu há poucos dias uma notícia bastante interessante sobre um quadro feito por um algoritmo de inteligência artificial (IA), isto é, um computador, que teve acesso a um banco de dados de mais de 15.000 quadros que foram pintados a partir de 1850, e foi programado por um engenheiro do Google para pintar quadros com autonomia, quer dizer, “criar” obras de arte. Um deles é este ao lado. Curiosamente a IA assinou o quadro com uma fórmula matemática (https://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/tecnologia/2018/10/27/quadro-feito-por-inteligencia-artificial-e-vendido-por-r-16-milhao-em-ny.htm). Acrescente-se que o quadro foi vendido por 1,6 milhão de reais em NY.
Uma IA é “orientada” por uma instrução (algoritmo criado pelo engenheiro de software) a criar algo a partir de um grandioso banco de dados (BIG DATA), que contém informações genéricas e especializadas sobre determinado assunto ou objeto. Estas informações são compostas pelas ciências, tecnologias, conhecimento teórico-filosófico, sobre a natureza, o cosmos e sobre as realizações humanas. Claro uma IA ainda só consegue “criar” a partir de instruções matemáticas dialógicas (por isso aquilo que ela entende como “assinatura” saiu em fórmula matemática) – por enquanto.
Nos estudos estéticos existem várias visões para conceituar uma obra de arte como tal. Sinteticamente: 1. a obra de arte se “sente”, quer dizer, parte-se do princípio que tanto o arista como o espectador têm uma percepção “inata ao homem” para o “belo” e o considerarem como tal (como entre os gregos e romanos e como aparece em HEGEL); 2. a obra de arte é aquela onde o artista consegue propor algo para reflexão do espectador, do ponto de vista da crítica dos valores e fatos de seu tempo, portanto com a proposta de mudança, mirando o futuro (ARGAN); 3. a obra de arte é produto de seu tempo, emana do acúmulo de conhecimentos e o artista expressa o espírito da coletividade em seu devir (HEIDDEGER); 4. próximo desta última é a visão elaborada antes por MARX (Grundrisse) se considerarmos que os conhecimentos e a sensibilidade artística são constituídos conforme as relações sociais estabelecidas para a superação de nossas necessidades.
Pode-se notar, porém, que as visões não se excluem necessariamente, podendo compor um todo na definição do que se deve entender por arte.
Olhando para o quadro acima “criado” pela IA, dificilmente diríamos que ele se destaca pela “beleza”, ou que ele nos suscita uma sensibilidade estética muito acentuada. Mas igual  a outras obras de arte consideradas como tal, o quadro da IA pode ser visto como produto criativo de uma época, ainda que não necessariamente produto de uma reflexão crítica que questione os valores e paradigmas de nosso tempo. O que de fato é “novo”, paradigmaticamente novo, é que seu artista é um computador, uma IA, embora programada por um humano e alimentada por um big data que os humanos construíram em forma digital e deram acesso à IA.
De certo ponto de vista quase se pode dizer que tem mais de humano no quadro que cibernética – o big data coletivo, a programação algorítmica específica para a construção do quadro, toda a estrutura de hardware, softwares e conexões em rede. Mas quem “criou” foi a IA!
Por outro lado, do ponto de vista da acumulação de conhecimento, ciência e tecnologia pela coletividade, passada de geração a geração pelo fluxo de relações sociais de produção, gerais e de ensino, não existe diferença entre o que a IA fez e o que um artista humano faria, porque em ambos os casos é o saber humano que se constitui socialmente que está por trás da obra de arte.
Como pode então alguém pagar 1,6 milhão de reais por este quadro? Bem, é a mesma resposta para tantos outros casos na arte atual: paga-se qualquer coisa por uma obra desde que exista possibilidade de especular com a arte, como uma mercadoria igual às outras, quer dizer, se houver a expectativa do investidor que ele pode reaver mais do que pagou agora, ou simplesmente possa ostentar para a classe privilegiada um objeto que só ele possui e que custou milhões. São as leis nonsense do capital!

A IA nada tem a ver com isso, da mesma forma que o artista quando cria algo paradigmático à frente de seu tempo não pode evitar que digam que vale milhões. Daí a “maravilhosa” iniciativa de Banksy de “picotar” seu quadro “Menina com Balão” logo após o leilão em Londres em que foi arrematado por R$ 5 milhões(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/10/banksy-planejava-picotar-o-quadro-menina-com-balao-todo-mas-so-cortou-metade.shtml).
Existem obras de arte e obras de Arte. Enquanto não aceitarmos que somos apenas Cultura, quer dizer, constituídos coletivamente como humanos, qualquer coisa, supérflua ou não, tem valor de mercado, e assim, nós humanos, ficamos mais indiferentes e obtusos que as máquinas e algoritmos de IA, a não ser quando destruímos a arte que nós mesmo fizemos.
Interessante pensar: afinal de quem são os direitos autorais do quadro assinado com a fórmula matemática pela IA? Se nós refletíssemos bem, a melhor resposta seria da humanidade (é só perceber que desde o big data, tudo que aí está é Coletivo!), não fosse o extremo individualismo e esquizofrenia do capital!


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