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Vitória no acesso à justiça: TJ/SP evita extinção da execução de alimentos após morte do alimentando

Fernanda Tartuce

Fernanda Tartuce

18/04/2024

Em 22/8/23, o TJ/SP proferiu acórdão inaugurando um novo capítulo na jurisprudência local ao reconhecer que, vindo a falecer o alimentando no curso da execução de alimentos, o processo pode prosseguir com o ingresso do espólio no polo ativo.1

Dessa forma, permite-se à genitora, representante legal do falecido e inventariante, executar sua quota-parte da herança, correspondente a 50% do crédito alimentar antes devido ao filho. 

Preservando-se a execução, permite-se que a genitora, que suportou sozinha os gastos do alimentando, tenha maior chance de ser ressarcida – por meio de direito sucessório, e não direito pessoal de crédito – quanto aos dispêndios que solitariamente vivenciou na criação do filho comum.

Decisões como essa evitam a necessidade de ajuizamento de novas demandas ressarcitórias por mães que arcam sozinhas com os cuidados do filho – infelizmente, são muitas no país… Como se nota, há vantagem também para o Poder Judiciário, que será poupado por haver menos uma ação a ser processada. 

Pelo que se constatou em pesquisa no e-SAJ, trata-se de acórdão inédito: até então a corrente jurisprudencial predominante no TJSP era a de que, falecendo o alimentante, o processo deveria ser extinto sem resolução de mérito.

A visão se coadunava com o posicionamento (ainda vigente) do STJ, que não reconhece a legitimidade do espólio nem dos herdeiros para suceder em execução de alimentos dado o caráter personalíssimo. A Corte Superior chegou a afirmar que, caso a genitora desejasse se ver ressarcida pelo genitor, deveria veicular sua pretensão em ação indenizatória autônoma, e não suceder no direito ao crédito alimentar.2

Esse entendimento foi alvo de críticas.

Não é difícil aferir os inconvenientes de extinguir a execução: sujeitar a genitora do de cujus a mais um litígio – considerando que esta, na qualidade de representante do filho, já passou pelo processo de fixação de alimentos e por anos a fio de infrutíferas tentativas de satisfação do crédito -, é sinônimo de excessivo empecilho do efetivo acesso à justiça. 

A necessidade de nova demanda também viola o princípio da economia processual ao “jogar fora” atos processuais que terão de ser repetidos em um novo processo de conhecimento, “desperdiçando” um feito já em fase executiva a que o espólio, representado pela genitora, poderia dar seguimento.

Pode-se cogitar até mesmo de uma espécie de jurisprudência defensiva que, ao incluir tantos óbices à pretensão da genitora, acaba por desestimular a busca pela sua satisfação. O problema é que, como efeito colateral, também se desestimula a busca pela justiça por parte de credores e, por outro lado, se estimula o inadimplemento dada a mensagem passada aos devedores.

É como se fosse dito à parte credora: “não estou te privando do Judiciário, você irá chegar à linha de chegada, é só fazer uma maratona de 42km, nadar por mais 12km, e pedalar por mais 5km.”

Soa pouco provável que a mãe enlutada, já desgastada e sem fôlego pelo “Triathlon jurídico” que percorreu nos últimos anos ao tentar satisfazer o crédito alimentar do filho, empenhe-se em nova e desgastante tarefa. Ainda que ela o faça, estará sujeita, uma vez mais, aos percalços e riscos da trilha irregular que usualmente o litígio judicial proporciona, pautada por fatores como demora para obter resultados práticos e despesas ao longo do caminho. 

O inconformismo com a impertinência da extinção já foi exposto pela co-autora deste artigo em anterior oportunidade: 

“uma pessoa enlutada e batalhadora, após 11 anos de litígio, foi instada a começar uma nova ‘cruzada’ no Poder Judiciário para receber valores considerados devidos. A mensagem que o Poder Judiciário pode passar é a de que vale alongar ao máximo o tempo do processo para que o devedor venha a se beneficiar da morte de credores que não resistirem à demora, ficando o prejuízo econômico – inclusive de promover mais uma demanda – com quem cuidou do incapaz.”3

A ação ressarcitória de que deveria se socorrer a genitora seria um verdadeiro “presente de grego” ao trazer mais dor de cabeça do que resultados profícuos em termos de satisfação do valor devido. 

Portanto, faz-se necessário deixar a Grécia: os Tribunais necessitam se desvincular da filosofia draconiana e buscar, de uma vez por todas, o almejado “Processo Civil de resultados”4.

O primeiro passo para deixar Troia para trás foi dado pelo TJ/SP no acórdão aqui destacado: possibilitar, ao menos, que o espólio prossiga na execução, é um avanço. 

A genitora, apesar de não receber a integralidade do crédito alimentar (que certamente dispendeu com o filho), faria jus a 50% do valor, podendo prosseguir na execução movida em face do genitor quanto a esse percentual. 

De acórdão em acórdão, o acesso à justiça vai sendo resgatado e concretizado.

Autoras

Fernanda Tartuce
Doutora e mestra em Processo Civil pela USP. Professora e coordenadora em cursos de pós graduação em Direito. Advogada, mediadora e autora de publicações jurídicas.

Roberta Hatherly Tondim
Advogada e autora do livro “Remoção judicial de conteúdo da internet”. Mestranda em Direito Processual pela USP. Bacharela em Direito pela USP e pela Université de Lyon. Assistente de pesquisa do prof. Heitor Sica.

Fonte: Migalhas

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NOTAS

1 Apelação Cível nº 1016281-63.2018.8.26.0008. Relator: Desembargador João Pazine Neto. Data de Julgamento: 22/08/2023.

2 Conforme já exposto por José Rogério Cruz e Tucci no artigo “Morte do filho e intransmissibilidade da ação de execução de alimentos”, disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-abr-02/paradoxo-corte-morte-filho-intransmissibilidade-acao-execucao-alimentos/. Acessado em 20/02/2024.

3 TARTUCE, Fernanda. Processo Civil no Direito de Família: teoria e prática. 8ª ed. SP: Método, 2024, p. 239.

4 Relembrando a célebre assertiva de Giuseppe Chiovenda: “o processo deve dar, quando for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir” (Instituição de Direito Processual Civil, vol. 1. Campinas: Bookseller, 1998, p. 670).

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