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CIVIL
Opinião Legal – Validade da Revogação de Testamentos Por Um Único Instrumento
Kiyoshi Harada
07/12/2018
CONSULTA
O Consulente por intermédio de seu ilustre advogado pede a nossa opinião legal sobre a seguinte situação fático-jurídica.
Cada um dos cônjuges firmou testamento no ano de 1979, por escritura pública, em instrumentos distintos, para consignar as suas disposições de última vontade.
Posteriormente, em 31 de março de 1982, perante o 1º Cartório de Notas e Ofício de Justiça da Comarca de Suzano, o mesmo casal de testadores lavraram escritura pública de revogação daqueles testamentos em único instrumento público.
Na abertura de testamento requerida por um dos herdeiros perante a 5ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central da Capital, o juiz reconheceu a validade da revogação, remetendo à via própria eventual discussão sobre a nulidade daquele ato.
No arrolamento dos bens deixados pelos testadores, a requerimento de um dos herdeiros, o juiz reconheceu a invalidade da revogação por ofensa à forma prescrita no art. 1.863 do Código Civil que proíbe o testamento conjuntivo. Em grau de Agravo de Instrumento, a nulidade da revogação restou confirmada pelo E. Tribunal de Justiça de São Paulo com fundamento na jurisprudência majoritária.
Diante dos fatos narrados pergunta-se: É válida a forma de revogação dos testamentos por um único instrumento?
OPINIÃO LEGAL
A questão se subsume, tão somente, à análise da validade ou não do ato revogatório conjunto em face do disposto no art. 1.863 do Código Civil.
Não se discutem as hipóteses de nulidades dos atos jurídicos estabelecidas no art. 166 do Código Civil, ressalvada a hipótese do inciso IV que diz respeito à forma prescrita em lei, que será abordada mais adiante, de forma específica.
Não se cogita, também, de nulidade por negócio jurídico simulado de que cuida o art. 167 do Código Civil, nem de qualquer outro vício de vontade.
Do exame do art. 1.863 do Código Civil
O dispositivo em tela assim prescreve:
“Art. 1.863. É proibido o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo.”
Essa proibição não foi inserida no ordenamento jurídico por capricho do legislador, nem de forma aleatória ou arbitrária. A vedação foi prescrita apenas, e tão só, para preservar o caráter personalíssimo e revogável do testamento (art. 1.858 do Código Civil).
Em sendo lavrados dois testamentos no mesmo instrumento público há perigo de divergência de vontades dos testadores, impossibilitando a sua revogação unilateral, convolando a natureza do testamento que é personalíssimo e revogável em um ato revestido do caráter de irrevogabilidade.
Ora, na revogação que a jurisprudência equiparou a um novo testamento, não há esse perigo de conflitos de vontade dos testadores que como no caso presente ambos os cônjuges declararam em conjunto e simultaneamente a livre disposição de tornar sem efeito aqueles testamentos primitivos, na presença do tabelião que goza de fé pública.
O certo é que ambos os testadores manifestaram e externaram de forma inequívoca a sua vontade livre e consciente de revogar os testamentos elaborados anteriormente em instrumentos apartados perante o tabelião, o que é o bastante para invalidar os testamentos anteriormente firmados. É preciosismo inútil e desnecessário exigir que essa vontade convergente do casal de testadores seja exteriorizada em instrumentos públicos distintos. No caso, inexistem razões que levaram o legislador a inserir o texto do art. 1.863 do CC que vem desde o Código de 1916.
Assim, equiparar a revogação conjunta, aonde é indiscutível a vontade livre e consciente manifestada por ambos os testadores, à figura do testamento conjuntivo de que trata o art. 1.863 do Código Civil equivale a levar ao extremo o formalismo legal o que ofende, às escâncaras, o ordenamento jurídico global.
Prescreve o art. 723 do Código de Processo Civil:
“Art. 723. O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias.
Parágrafo único. O juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna.”
Esse mesmo dispositivo já constava no art. 1.109 do Estatuto Processual antecedente.
E mais, o art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB prescreve:
“Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”
Ora, se o testamento é ato personalíssimo e revogável a qualquer tempo, deixando de reconhecer essa revogação expressada de forma solene perante a autoridade que goza de fé pública, por óbvio, ofende o espírito e o corpo do art. 5º da LINDB que é um princípio de direito geral, além de negar a substância do testamento que, repita-se, é ato personalíssimo e revogável. O não reconhecimento da revogação dos testamentos levada a efeito perante tabelião implica negar fé a documento público, ofendendo o disposto no inciso II, do art. 19 da CF.
O perigo da interpretação via jurisprudência reside no fato de pura e simplesmente invocar precedentes judiciários aplicando-os de forma generalizada, de sorte a provocar efeito dominó, sem o exame de cada caso concreto, desprezando toda e qualquer argumentação nova trazida pelas partes, como se determinada norma legal comportasse uma única interpretação para os mais variados suportes fáticos. Foi assim que se formou a jurisprudência dominante sustentando a invalidade da revogação de testamentos em um único instrumento.
Ora, o direito há de ser aplicado à luz da realidade do caso concreto e por via de uma interpretação sistemática, tendo em vista o ordenamento jurídico global, e não pela simples invocação de precedente jurisprudencial mais ou menos naquela linha da chamada jurisprudência defensiva para encerrar a demanda sem maiores exames.
Trazemos a colação o acórdão prolatado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no julgamento da Apelação nº 20110610113130APC, Relatora Revisora para Acórdão Desembargadora Maria Ivatônia, DJE de 06-10-2014, p. 71, que refuta, item por item, os argumentos utilizados pela jurisprudência majoritária que pronuncia de forma automática a nulidade do testamento conjuntivo, sem atentar para a função social da lei que há de ser examinada à luz de cada caso concreto.
Aquele acórdão que segue em anexo a essa opinião legal cita doutrina de jurista renomado, bem como jurisprudência do STJ, dando guarida à tese esposada neste trabalho.
Assim, a decisão confirmatória da nulidade pronunciada pelo E. Tribunal de Justiça implica afronta ao parágrafo único do art. 723 do CPC, ao art. 5º da LINDB, ao art. 1.859 do CC e ao próprio art. 1.863 do CC aplicado, de forma literal, em dissonância com o conjunto de normas legais. Enfim, afronta também o art. 166 do Código Civil ao pronunciar a nulidade do ato jurídico fora das hipóteses taxativas nele previstas, com exceção do inciso IV concernente à obediência à forma prescrita em lei, inaplicável ao caso aqui versado, como retro demonstrado.
É a nossa opinião legal, s.m.j.
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