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Sobre a exclusão do nome do pai
Flávio Tartuce
04/09/2024
A Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973) traz um tratamento específico quanto ao nome, tendo sido alterada pela Lei 14.382/2022, que instituiu o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP). O artigo 58 dessa lei especial determina que “o prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios”. A experiência anterior demonstrava que era mais fácil a alteração do prenome do que do sobrenome, sendo certo que o nome, com todos os seus elementos, envolve tanto preceitos de ordem pública como de ordem privada.
No sistema anterior à Lei do SERP, a alteração dos componentes do nome, mediante ação judicial específica, cuja sentença deveria ser registrada no cartório de registro das pessoas naturais, poderia ocorrer nos seguintes casos, alguns deles mantidos no atual sistema:
a) Substituição do nome que expõe a pessoa ao ridículo ou a embaraços, inclusive em casos de homonímias (nomes iguais). Exemplos: Jacinto Aquino Rego, Sum Tim Am, João Um Dois Três de Oliveira Quatro, Francisco de Assis Pereira (nome do “maníaco do parque”). Sobre essa possibilidade, destaque-se o seguinte aresto: “a simples pretensão de homenagear um ascendente não constitui fundamento bastante para configurar a excepcionalidade que propicia a modificação do registro. Contudo, uma das reais funções do patronímico é diminuir a possibilidade de homônimos e evitar prejuízos à identificação do sujeito a ponto de lhe causar algum constrangimento, sendo imprescindível a demonstração de que o fato impõe ao sujeito situações vexatórias, humilhantes e constrangedoras, que possam atingir diretamente a sua personalidade e sua dignidade, o que foi devidamente comprovado no caso dos autos” (STJ, REsp 1.962.674/MG, 3.ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 24.05.2022, DJe 31.05.2022).
b) Alteração no caso de erro de grafia crasso, perceptível de imediato. Exemplos: Frávio, Orvardo, Cráudio.
c) Adequação de sexo ou de gênero, conforme entendimento jurisprudencial superior antes mencionado, do STF e STJ, podendo ocorrer no âmbito extrajudicial, perante o cartório de Registro Civil, e sem a necessidade de cirurgia prévia ou laudo médico.
d) Introdução de alcunhas, apelidos sociais ou cognomes. Exemplos: Lula, Xuxa, Tiririca. Acrescente-se que a jurisprudência superior também admite a alteração do prenome em hipótese fática de posse e uso contínuo de apelido social. Conforme trecho de interessante ementa, “caso concreto no qual se identifica justo motivo no pleito da recorrente de alteração do prenome, pois é conhecida no meio social em que vive, desde criança, por nome diverso daquele constante do registro de nascimento, circunstância que tem lhe causado constrangimentos” (STJ, REsp 1.217.166/MA, 4.ª Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 14.02.2017, DJe 24.03.2017). Na situação descrita, a autora alterou seu prenome de Raimunda para Danielle. Essa forma de julgar tem o meu total apoio doutrinário.
e) Introdução do nome do cônjuge ou convivente e sua retirada, em havendo divórcio ou dissolução da união estável. Sobre essas hipóteses, o Provimento 82 do Conselho Nacional de Justiça, de 3 de julho de 2019, facilitava a alteração do nome dos genitores, pela via extrajudicial, sem a necessidade de buscar socorro ao Poder Judiciário, o que é louvável. Conforme o seu artigo 1.º, “poderá ser requerida, perante o Oficial de Registro Civil competente, a averbação no registro de nascimento e no de casamento das alterações de patronímico dos genitores em decorrência de casamento, separação e divórcio, mediante a apresentação da certidão respectiva”. Como se verá, o tema foi alterado pela Lei do SERP.
f) Introdução do nome do pai ou da mãe, havendo reconhecimento posterior de filho ou adoção. Sobre o reconhecimento de filho ou de filiação, a alteração do nome também pode atingir parentes do reconhecido, inclusive na via extrajudicial. Exatamente nessa linha prevê o Enunciado n. 122, aprovado na II Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em agosto de 2021: “o direito à inclusão de sobrenome em virtude do reconhecimento de filiação se estende aos descendentes e cônjuge da pessoa reconhecida, faculdade a ser exercida por mero requerimento perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, independentemente de decisão judicial”.
g) Para tradução de nomes estrangeiros como John (João) e Bill (Guilherme).
h) Havendo coação ou ameaça decorrente da colaboração com apuração de crime (proteção de testemunhas), nos termos da Lei 9.807/1999.
i) Para inclusão do sobrenome de um familiar remoto, conforme o entendimento jurisprudencial anterior (TJMG, Acórdão 1.0024.06.056834-2/001, 1.ª Câmara Cível, Belo Horizonte, Rel. Des. Armando Freire, j. 04.09.2007, DJMG 19.09.2007). Anote-se, contudo, que a questão não é pacífica na jurisprudência nacional estadual. Muitas vezes, essa introdução de sobrenome familiar remoto visa à obtenção de outra cidadania. Entendo que não deve haver óbice para tal intuito, valorizando-se o nome de família como direito da personalidade indeclinável. Ademais, nas hipóteses de obtenção posterior de dupla cidadania, o STJ já entendeu pela possibilidade de inclusão de nome estrangeiro de familiar remoto, para se evitar constrangimentos na identificação da pessoa (decisão da sua Terceira Turma, por maioria, em maio de 2016, no julgamento do Recurso Especial 1.310.088). A situação foi tratada pela Lei do SERP, conforme ainda será aqui estudado.
j) Para inclusão do nome de família do padrasto ou madrasta por enteado ou enteada (art. 57, § 8.º, da Lei 6.015/1976, incluído pela Lei 11.924/2009, de autoria do falecido Deputado Clodovil Hernandes). Anote-se a existência de decisões judiciais aplicando a louvável inovação (por todos: TJRS, Agravo de Instrumento 70058578360, 8.ª Câmara Cível, Rel. Des. Rui Portanova, j. 10.04.2014; TJSP, Apelação Cível 0206401-04.2009.8.26.0006, Rel. Des. João Pazine Neto, 3.ª Câmara de Direito Privado, j. 27.08.2013 e TJSC, Acórdão 2010.020381-0, 2.ª Câmara de Direito Civil, Videira, Rel. Des. Nelson Schaefer Martins, j. 14.07.2011, DJSC 03.08.2011, p. 139). Como se verá a seguir, esse comando foi modificado pela Lei do SERP (Lei 14.382/2022), possibilitando-se a alteração extrajudicial do nome nesse caso, diretamente no Cartório de Registro Civil.
k) Nos casos de abandono afetivo do genitor, excluindo-se o sobrenome paterno. Como se retira de ementa do Superior Tribunal de Justiça, publicada no seu Informativo n. 555, “o direito da pessoa de portar um nome que não lhe remeta às angústias decorrentes do abandono paterno e, especialmente, corresponda à sua realidade familiar, sobrepõe-se ao interesse público de imutabilidade do nome, já excepcionado pela própria Lei de Registros Públicos. Sendo assim, nos moldes preconizados pelo STJ, considerando que o nome é elemento da personalidade, identificador e individualizador da pessoa na sociedade e no âmbito familiar, conclui-se que o abandono pelo genitor caracteriza o justo motivo de o interessado requerer a alteração de seu nome civil, com a respectiva exclusão completa dos sobrenomes paternos. Precedentes citados: REsp 66.643/SP, 4.ª Turma, DJ 21.10.1997; e REsp 401.138-MG, 3.ª Turma, DJ 26.06.2003” (STJ, REsp 1.304.718/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 18.12.2014, DJe 05.02.2015).
l) Nas hipóteses em que o pai descumpre o compromisso firmado com a mãe de dar um determinado nome à criança. Consoante aresto do Superior Tribunal de Justiça do ano de 2021, “nomear o filho é típico ato de exercício do poder familiar, que pressupõe bilateralidade, salvo na falta ou impedimento de um dos pais, e consensualidade, ressalvada a possibilidade de o juiz solucionar eventual desacordo entre eles, inadmitindo-se, na hipótese, a autotutela. O ato do pai que, conscientemente, desrespeita o consenso prévio entre os genitores sobre o nome a ser dado ao filho, acrescendo prenome de forma unilateral por ocasião do registro civil, além de violar os deveres de lealdade e de boa-fé, configura ato ilícito e exercício abusivo do poder familiar, sendo motivação bastante para autorizar a exclusão do prenome indevidamente atribuído à criança que completará 4 anos em 26.05.2021 e que é fruto de um namoro que se rompeu logo após o seu nascimento. É irrelevante apurar se o acréscimo unilateralmente promovido pelo genitor por ocasião do registro civil da criança ocorreu por má-fé, com intuito de vingança ou com o propósito de, pela prole, atingir à genitora, circunstâncias que, se porventura verificadas, apenas servirão para qualificar negativamente a referida conduta” (STJ, REsp 1.905.614/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.05.2021, DJe 06.05.2021).
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