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O seguro D&O visto pelo STJ comentários ao REsp nº 2.149.053-SP

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O seguro D&O visto pelo STJ: comentários ao REsp nº 2.149.053-SP

DIREITO DOS SEGUROS

RESP Nº 2.149.053

ilangoldberg

20/12/2024

Em 24/9/2024, o Superior Tribunal de Justiça julgou o REsp nº 2.149.053-SP, em acórdão relatado pela ministra Nancy Andrighi, por meio de votação unânime havida no âmbito da 3ª Turma.

Algumas questões interessantes foram suscitadas pelas partes e enfrentadas pelo acórdão, destacando-se as seguintes: (i) uma decisão estrangeira pode ser utilizada como prova sem que tenha havido a sua homologação perante o STJ?; (ii) a conduta dolosa de um segurado, declarada por sentença proferida em ação penal ainda não transitada em julgado, seria oponível aos demais segurados?

Admissibilidade de decisões estrangeiras como prova

A propósito da primeira questão, as partes discutiram se sentença proferida em ordenamento jurídico estrangeiro poderia ser utilizada como meio de prova no direito brasileiro, independentemente de sua homologação pelo STJ. Quanto à segunda indagação, ela se afigura da maior importância nos contratos de seguro D&O, pois remete à cláusula chamada severability ou innocent director clause, dispositivo que implica na impossibilidade de que a conduta dolosa de um administrador produza efeitos para os demais administradores.

Respeitando os limites dessa coluna, reproduzimos abaixo os itens da ementa que, diretamente, atentaram às duas questões acima ressaltadas:

Se, hipoteticamente, o conselheiro A agir de maneira dolosa, provocando a aprovação de contas reconhecidamente fraudulentas, a sua conduta dolosa não será automaticamente oponível aos demais conselheiros, B e C, no exemplo em questão, que, para os fins da apólice D&O, permanecerão cobertos.

É que em prol da ampla defesa e do contraditório, além da presunção de inocência, todas garantias constitucionalmente asseguradas (artigo 5º, incisos LV e LVII da CF), não se pode afirmar, antecipadamente, que a simples composição de um órgão colegiado seria o quanto basta para, de forma automática, imputar a conduta dolosa de A aos conselheiros B e C. A conduta de cada qual deverá ser examinada individualmente. [2]

O STJ, ao julgar o REsp objeto desses comentários, iluminou essa questão sob um ângulo diferente, motivado por um arranjo que, segundo constou no acórdão, partiu da estrutura engendrada pela própria sociedade — a tomadora da apólice. Na própria ementa, veja-se:

Do voto, as seguintes passagens são esclarecedoras:

Importante notar, portanto, que o acórdão do STJ não se chocou com a regra estabelecida pela cláusula severability, considerando que não aplicou os efeitos da conduta dolosa de um determinado administrador a outro. O problema decorreu, na origem, de uma grave falha nos sistemas de controle concebidos pela própria tomadora, a permitir a consecução das reiteradas condutas ilegais.

Relação entre contratos de indenidade e seguros D&O

A essa altura de seu voto, a ministra Nancy Andrighi estabeleceu um interessante paralelo entre os contratos de indenidade e os contratos de seguro D&O, atentando para o fato de que nos contratos de indenidade a sociedade não deve indenizar as condutas dos administradores derivadas de dolo ou culpa grave, com fincas no parecer de orientação nº. 38, da Comissão de Valores Mobiliários. [3] Tendo em vista que a culpa grave e o dolo não são indenizáveis no âmbito dos contratos de indenidade, tampouco o seriam nos contratos de seguro D&O:

Em síntese, embora a tomadora não figure como segurada nas apólices D&O, a sua participação reveste-se de grande importância, considerando o protagonismo por ela exercido no meio empresarial.

Conclusão

O julgamento do STJ no REsp nº 2.149.053-SP afigura-se um marco no entendimento sobre seguros D&O no Brasil, especialmente no que tange à aplicação da cláusula severability e ao impacto das condutas dolosas nos contratos.

A decisão evidencia que, embora a cobertura securitária busque proteger administradores inocentes, a falha nos sistemas de controle e a conivência institucional podem comprometer a validade do contrato como um todo. Esse cenário reforça a necessidade de rigor na implementação de governança corporativa e na estruturação das apólices, assegurando que os contratos atendam às exigências legais, sociais e do mercado.

Fonte: ConJur

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Direito dos Seguros - Comentarios ao Codigo Civil

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NOTAS

[1] Nesse mesmo sentido, confira-se a definição publicada pelo IRMI: “severability of interests clause. A severability of interests clause is a policy provision clarifying that, except with respect to the coverage limits, insurance applies to each insured as though a separate policy were issued to each.” (Fonte. International Risk Management Institute. Fonte. https://www.irmi.com/term/insurance-definitions/severability-of-interests-clause, visitado em 16/11/2024).

[2] “Dessa forma, percebe-se que a Lei das S.A. segue o princípio da responsabilidade por culpa própria, pelo

qual diretores e conselheiros não são responsáveis por atos ilícitos de outros administradores (artigos 158, § 1º, primeira parte). Não se pode esquecer, nessa linha, que, quando responsabilizado por decisão tomada por órgão colegiado, a culpa verificada é do próprio administrador, na medida em que é parte do órgão colegiado. Não há que se falar, nessa hipótese, de culpa solidária”. (BRIGAGÃO, Pedro. A administração de companhias e a business judgment rule. São Paulo: Quartier Latin, 2017. p. 99). De maneira ainda mais incisiva, Mariano Yzquierdo Tolsada afirma: “Las obligaciones plurales no pueden ser por naturaleza mancomunadas o solidarias, sino que son los particulares o la ley quienes les atribuyen uno u otro carácter; y ello hasta tal punto de que – como indica Guilarte Zapatero – ni siquiera la obligación plural indivisible tiene en nuestro Derecho el carácter de solidaria”. (YZQUIERDO TOLSADA, Mariano. La responsabilidad civil de las sociedades profesionales y de sus miembros. In Revista de Responsabilidad Civil y Seguros. ISSN 1696-0394, nº. 71. 2009, p. 32).

[3] O parecer de orientação CVM nº. 38 pode ser verificado em https://www.gov.br/cvm/pt-br/Treinamento/legislacao/pareceres-de-orientacao/copy3_of_portaria-conjunta-mf-cvm-no-92-de-21-de-marco-de-2018 , visitado em 16/11/2024.

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