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O amor no Judiciário
09/04/2021
Tem sido veiculado amplamente nas redes sociais uma notícia que circula na internet sobre Gerturde Nogma, uma mulher zambiana de 26 anos, que há oito anos namora o queniano Herbert Salaliki, de 28 anos, e que recorreu à Justiça de Zâmbia em razão da demora em receber, de seu namorado, o pedido de casamento.
Segundo informações constantes das notícias que correm em diversas páginas da rede mundial, a autora da ação já tem um filho com o réu, e se socorreu das vias judiciais porque acredita que seu namorado não leva a sério o relacionamento, pois faz promessas vãs de, um dia, se casar com ela, além de desconfiar da fidelidade dele. Ainda de acordo com o depoimento da autora da ação, ela a ajuizou porque acreditava que merecia saber o caminho que deveria tomar, assim como o futuro do relacionamento. Citado, Herbert alegou que não pede Gerturde em casamento porque não está em boas condições financeiras, e que ela não é uma namorada exemplar, não dando a ele a atenção suficiente.
A juíza, Evelyn Nalwize, não deu prosseguimento à ação, tendo recomendado a conciliação como o caminho para a solução da questão, devendo os namorados resolverem os seus problemas e diferenças sentimentais fora do Judiciário.
O caso, em que pese a curiosidade e até mesmo o cunho jocoso que possa ter, leva a um questionamento importante: o amor em um relacionamento, ou a falta dele, pode justificar o ajuizamento de uma ação para obrigar o outro a se casar, a esclarecer o porquê da ausência do pedido em casamento ou até mesmo para postular eventual indenização por danos morais?
Em que pese a questão venha suscitando cada vez mais controvérsias, e até mesmo um número representativo de ações, as questões envolvendo afetividade, notadamente nos relacionamentos que dizem respeito a namoro, união estável e casamento, não devem ser solucionados e decididos pelo Estado por meio do Poder Judiciário. O amor, ou a falta dele, não tem preço e não é indenizável, e tampouco compensável por uma indenização por danos extrapatrimoniais.
Um relacionamento afetivo pressupõe, como o nome diz, afetividade. Os amantes estão, ou devem estar, juntos por um elo de ligação comum que é o amor, além do afeto, do carinho e do companheirismo. Quando esse elo acaba, não se pode exigir do outro a manutenção do vínculo, explicações sobre o porquê de o sentimento ter acabado, e muito menos uma indenização por isso.
Frustrações, decepções, dores e sofrimentos fazem parte do processo de falência de uma relação afetiva. É um risco que todos correm, mas um risco não jurídico, isto é, não alcançável pela acepção de risco, por exemplo, de um negócio jurídico ou de um empreendimento, de modo que não deve sofrer a interferência do Poder Judiciário.
Certo é que não existe, em nosso ordenamento, um espaço de não direito, isto é, um espaço não alcançável pelas normas jurídicas. Toda relação ou fato social interessa ao direito, na medida em que repercute na convivência social e, logo, produz efeitos que devem ser regulados e, consequentemente, devem sofrer a incidência do ordenamento jurídico.
Nada obstante, e como se extrai da lição do Professor, e hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Edson Fachin, “não há fato indiferente ao Direito, pois é o próprio Direito, através da norma positiva que, não regulando uma conduta ou uma circunstância, chancela tal conduta ou tal circunstância de irrelevante ou sem juridicidade”.1
Portanto, o próprio ordenamento confere aos indivíduos uma esfera de liberdade, sobre a qual o Estado não deve se imiscuir. E são inúmeros os exemplos sobre os quais o Estado não deve interferir, especialmente em relações interpessoais afetivas. Imagine-se, apenas para dar um exemplo, que uma criança, representada pela mãe, por exemplo, fosse ao Judiciário, sob o argumento de uma violação à isonomia, porque o pai deu ao seu irmão um carrinho por controle remoto, enquanto ele recebeu apenas um boneco articulado. Seria possível o Judiciário determinar ao pai que desse ao irmão “prejudicado” um brinquedo igual ou que o indenizasse pela frustração sofrida? É induvidoso que não.
Por essa razão, cremos que, em situações como a que está sendo amplamente noticiada, não deve o Judiciário intervir, pois em uma relação afetiva, fundada no amor, que deve ser recíproco, o único dever jurídico é o de liberdade. O amor deve ser livre e, sobretudo, espontâneo, e não preso às amarras e correntes da lei. Quando estamos lidando com as complexidades do coração, o homem vestido de sua toga não tem condições de decidir, pois se faz necessário se despir das mais frias convicções jurídicas. É preciso sensibilidade e uma capacidade de compreensão que vá além da mera interpretação de normas. Até porque para o amor não há regras e princípios, que não seja tão somente amar.
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1 FACHIN, Luiz Edson. Novo conceito de ato e negócio jurídico: consequências práticas. Curitiba: PUC-PR, 1988. p. 1.