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Formação e duração do contrato na nova lei de seguros (lei 15.04024). A proposta no seguro

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Formação e duração do contrato na nova lei de seguros (lei 15.040/24). A proposta no seguro

DIREITO DOS SEGUROS

MARCO LEGAL DOS SEGUROS

NOVA LEI DE SEGUROS

REFORMA DO CÓDIGO CIVIL

Flávio Tartuce

Flávio Tartuce

21/08/2025

Inicio nesta coluna Civil em Pauta, do portal Migalhas, que tenho a honra de coordenar, uma série de breves textos sobre a nova lei dos seguros, conhecida também como Marco Legal dos Seguros, a lei 15.040/24. A norma está no momento em prazo de vacatio legis, e entrará em vigor no País no dia 11 de dezembro de 2025, substituindo o tratamento que hoje consta do CC, no capítulo dos contratos em espécie (arts. 757 a 803). Destaco que está em revisão obra coletiva sobre a nova lei, elaborada em coautoria com os professores Carlos Eduardo Elias de Oliveira e Pablo Stolze Gagliano, que será editada pelo Grupo GEN Editorial.

Formação e duração do contrato na nova lei dos seguros

Começo aqui tratando a respeito da formação e da duração do contrato (arts. 41 a 53 da lei 15.040/24), especificamente quanto à proposta de contratação no seguro, sendo certo que a nova legislação traz regras importantes, com o fim de deixar mais claro o momento de aperfeiçoamento do negócio e como se efetiva a proposta.

Existe, nesse sentido, um aperfeiçoamento mais do que necessário e em prol da segurança jurídica, a respeito das regras de formação dos contratos que constam do CC de 2002, entre os seus arts. 427 e 435. O texto também foi melhorado frente ao art. 759 do CC, segundo o qual “a emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco”.  

Adotou-se parte do que estava previsto há tempos na antiga circular SUSEP 251/04, que tratava do assunto, e que foi revogada e modificada pela mais recente circular SUSEP 642/21. Nos termos do seu art. 3º, a celebração, a alteração ou a renovação não automática do contrato de seguro somente poderão ser feitas mediante proposta preenchida e assinada pelo proponente, seu representante legal ou corretor de seguros, exceto quando a contratação se der por meio de bilhete. Em complemento, o seu § 1º preceitua que a proposta deverá conter os elementos essenciais ao exame e aceitação do risco. Por fim, o § 2º da norma administrativa prevê que caberá à sociedade seguradora fornecer ao proponente, seu representante legal ou corretor de seguros, o protocolo que identifique a proposta por ela recepcionada, com indicação da data e hora de seu recebimento.

Na atualidade, as previsões legais da codificação privada encontram-se muito desatualizadas e defasadas, pois elaboradas em momento em que não existiam as novas tecnologias hoje disponíveis, sobretudo diante do incremento da internet e dos negócios celebrados pela via digital, o que o PL do CC pretende regulamentar (PL do Senado 4/25). Em se tratando de contratos entre ausentes, o vigente CC ainda traz regras e premissas criadas para os contratos formados por cartas ou missivas, os chamados contratos epistolares, sendo imperiosa a sua atualização, em prol da segurança jurídica e dos avanços tecnológicos percebidos nos últimos anos.

Sendo assim, de início e sem previsão específica no CC, sobretudo nos dispositivos a respeito do contrato em estudo que foram revogados, o art. 41 da lei dos seguros estabelece que a proposta de seguro poderá ser feita diretamente, pelo potencial segurado ou estipulante, pela própria seguradora, ou por intermédio de seus representantes, caso dos corretores de seguro, como é comum na prática. A respeito dos últimos, o parágrafo único do comando prevê que “o corretor de seguro poderá representar o proponente na formação do contrato, na forma da lei”.

Vale lembrar, nos termos do que está previsto na nova norma, que aquele que faz a proposta de contrato é denominado proponente, solicitante ou policitante, enquanto aquele que a recebe é o oblato, solicitado ou policitado, figuras com as quais o Direito Civil trabalha desde os mais remotos tempos.

Sabe-se que o policitante está vinculado à proposta, como estabelece o art. 427 do CC em termos gerais, a saber: “a proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso”. Essa obrigação tem justamente o sentido de uma vinculação ao conteúdo do que foi proposto.

Em se tratando de relação de consumo, como é comum nos contratos de seguro e como premissa geral, a vinculação da oferta realizada pelo prestador de serviços, como é a seguradora via de regra, é retirada, entre outros, do art. 30 da lei 8.078/1990: “toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”. Essa vinculação consumerista é considerada obrigatória.

Tratando especificamente da vinculação da proposta do seguro, na linha dos últimos preceitos legais citados, o art. 42 da lei 15.040/24 expressa em seu caput que a proposta feita pela seguradora não poderá ser condicional, submetida a sua eficácia a um evento futuro e incerto. Ademais, deverá ela conter, em suporte duradouro – que pode ser digital ou virtual -, e mantido à disposição dos interessados, todos os requisitos necessários para a contratação, o conteúdo integral do contrato e o prazo máximo para sua aceitação.

Assim, com aplicação às plataformas digitais e outros meios eletrônicos, o § 1º desse art. 42 prevê que “entende-se por suporte duradouro qualquer meio idôneo, durável e legível, capaz de ser admitido como meio de prova”. De todo modo, seria interessante, como faz o PL do CC, que as novas tecnologias fossem expressamente mencionadas pelo novo comando, pois podem surgir dúvidas quanto à amplitude de sua aplicação. Mesmo com essa ausência no tratamento legal, é possível concluir desse modo.

Em prol da segurança contratual e da boa-fé objetiva, o § 2º do art. 42 da lei de seguros veda os comportamentos contraditórios, adotando-se a máxima nemo venire contra factum proprium non potest, enunciando que a seguradora não poderá invocar omissões em sua proposta depois da formação do contrato. A título de exemplo, não poderá a seguradora alegar a falta de uma previsão contratual ou mesmo uma lacuna no clausulado para negar a cobertura securitária, o que visa a proteger o segurado, tutela que se repete em vários comandos da norma emergente.

Também com fins de tutelar o segurado, que se presume relativamente como aderente no seguro, via de regra um contrato de consumo e de adesão, o § 3º do art. 42 preceitua que a aceitação da proposta feita pela seguradora somente se dará pela manifestação expressa de vontade ou por ato inequívoco do destinatário da informação por ela prestada. Adota-se, assim, a ideia constante dos arts. 113, § 1º, inc. IV, e 423 do CC, bem como do art. 47 do CDC, no sentido de se interpretar o contrato de adesão e de consumo de modo favorável ao aderente e consumidor e contra o estipulante, proferentem ou prestador de serviços, no caso a seguradora. No mesmo sentido, aliás, o enunciado 370, aprovado na IV Jornada de Direito Civil, e antes aplicado ao art. 757 do CC/2002, previa que, “nos contratos de seguro por adesão, os riscos predeterminados indicados no art. 757, parte final, devem ser interpretados de acordo com os arts. 421, 422, 424, 759 e 799 do CC e 1º, inc. III, da Constituição Federal”.

A título de exemplo, caso a seguradora, por um corretor de seguros devidamente credenciado e identificado, faça uma proposta por email, somente haverá aceitação quando o segurado concordar com ela, de forma expressa e incontestável. Em havendo dúvida de qualquer natureza, o contrato não será considerado formado, não vinculando as partes, sobretudo o segurado ou estipulante.

Na mesma linha do art. 107 do CC, e adotando-se o princípio da liberdade das formas, o art. 43 da lei de seguros prevê que a proposta feita pelo potencial segurado ou estipulante não exige forma escrita. A contrario sensu, a mesma premissa não vale para a proposta feita pela seguradora, que exigirá os mínimos requisitos previstos no art. 42, reproduzidos em forma escrita.

Nova lei dos seguros: diferença entre cotação e proposta

Por fim, como última regra relativa à proposta do seguro, o parágrafo único desse art. 42 preceitua que o simples pedido de cotação à seguradora não equivale a proposta de contrato. A solução constante da norma tem sido adotada pela jurisprudência. A título de exemplo, em hipóteses envolvendo o seguro de vida e o seguro de veículos, merecem destaque os seguintes acórdãos:

“Seguro de vida. Pedido de obrigação de fazer e de cobrança de indenização securitária. Autores que são filhos da segurada e alegam ser beneficiários do seguro contratado pela falecida junto à ré. Documentos acostados que se referem à mera cotação não efetivada. Proposta datada de 2014. Tese defensiva comprovada. Extratos bancários da segurada que indicam a inexistência de pagamento do prêmio. Segurada que nunca realizou pagamento de contraprestação. Falecimento ocorrido em 2020. Ausência de qualquer indício de contratação vigente à época do ocorrido. Conduta ilícita ou abusiva não verificada. Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido” (TJ/SP, apelação cível 1001454-91.2021.8.26.0024, Acórdão 15602250, Andradina, Trigésima Sexta Câmara de Direito Privado, rel. des. Milton Carvalho, julgado em 25/4/2022, DJESP 29/4/2022, p. 2678).

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. SEGURO DE VIDA. CONTRATO PARTICULAR. SEGURO VEICULAR NÃO PERSEGUIDO. DOCUMENTO NOS AUTOS QUE ATESTA SE TRATAR DE MERA COTAÇÃO. COMPETÊNCIA DA VARA CÍVEL COMUM. JUÍZO CÍVEL COMUM DA 9ª VARA CÍVEL DE ARACAJU (SUSCITADO). CONFLITO DE COMPETÊNCIA CONHECIDO PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA 9ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE ARACAJU. DECISÃO UNÂNIME. A Vara de Acidentes e de Delitos de Trânsito possui competência para processar e julgar as ações que envolvam contratos de seguro referente a veículos terrestres. Na hipótese dos autos, é possível visualizar que existem dois seguros: um de natureza pessoal e outro de caráter veicular, com validades diversas, mas o seguro automobilístico residente nos autos cuida-se de mera COTAÇÃO que sequer se efetivou de acordo com o que está descrito no cabeçalho daquela proposta e, ainda que houvesse a efetiva contratação, resta claro que os seguros teriam natureza diversa e a ação busca perseguir somente o seguro de vida, conforme discriminação do valor aposto pela Autora (R$ 31.026,80), afastando a competência da Vara de Acidentes e de Delitos de Trânsito de Aracaju. Competência do Juízo Cível Comum da 9ª Vara Cível de Aracaju” (TJ/SE, Conflito de Competência 201700619469, Acórdão 25425/2017, Câmaras Cíveis Reunidas, rel. des. Ricardo Mucio Santana de A. Lima, julgado em 16/11/2017, DJSE 20/11/2017).

Todavia, pela mesma legislação emergente, as informações prestadas pelas partes e por terceiros intervenientes antes da celebração do pacto integram o contrato que vier a ser celebrado no futuro, com força vinculativa (art. 43, parágrafo único, da lei 15.040/24). A norma dialoga com o antes citado art. 30 do CDC, e com a aplicação da boa-fé objetiva à fase das tratativas iniciais ou negociações preliminares do contrato, nos termos da correta interpretação do art. 422 do CC, e com a incidência do antes citado art. 30 do CDC, que, como visto, trata da força vinculativa da oferta, em havendo um contrato de consumo.

Vale lembrar que o dispositivo civil em vigor não menciona a fase pré-contratual, mas apenas as fases contratual e pós-contratual, prevendo que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Todavia, na I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal aprovou-se o enunciado 25, estabelecendo que “o art. 422 do CC não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual”. Da III Jornada, merece destaque o enunciado 170, com incidência para os contratantes: “a boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato”. No contexto dos citados enunciados doutrinários é que deve ser aplicado o instituto civil, influenciando igualmente a incidência do art. 43 da lei 15.040/24.

Como exemplo concreto de incidência dessa boa-fé objetiva, com a força vinculativa das informações prestadas inicialmente pelas partes, não cabe à seguradora alterar de forma abrupta as condições do contrato quando da renovação do seguro. A esse propósito, o enunciado 543 da VI Jornada de Direito Civil, de 2013, que assim se expressa, com precisão: “constitui abuso do direito a modificação acentuada das condições do seguro de vida e de saúde pela seguradora quando da renovação do contrato”. A jurisprudência superior tem concluído da mesma forma, a saber: “‘a pretensão da seguradora de modificar abruptamente as condições do seguro, não renovando o ajuste anterior, ofende os princípios da boa-fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de consumo (REsp 1.073.595/MG, relatora ministra NANCY ANDRIGHI, Segunda Seção, DJe 29/4/2011)'” (STJ, Ag. Rg. no REsp 1.470.392/SC, 3ª turma, rel. min. Moura Ribeiro, julgado em 17/3/2015, DJe 27/3/2015).

Entendo que esse entendimento jurisprudencial continuará sendo aplicado na vigência da nova legislação. De fato, não há como concluir de forma distinta, sendo imperioso valorizar as informações prestadas antes da celebração do contrato, não sendo admitidas condutas contraditórias e em afronta à boa-fé. O seguro é um contrato de boa-fé, como afirmava, entre outros, Clóvis Bevilaqua. Não se trata, portanto, de um contrato de malícia e ou de aproveitamento indevido de uma parte frente a outra (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Edição histórica. 2. tir. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977, p. 573).

Mais do que isso, não se trata de um contrato que possa trazer a quebra da confiança ou de justas expectativas de qualquer uma das partes frente a outra. Uma parte deve sempre prestar informações verdadeiras para a outra, o que deve sempre ser valorizado pelos julgadores, na linha do que foi adotado pela lei 15.040/24 quanto à proposta do seguro, e com notáveis e importantes avanços sobre essa temática.

Fonte: Migalhas


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