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A Indenização por Revenge Porn no Direito de Família Brasileiro[1]

APELAÇÃO N. 0003141-93.2007.8.26.0224

APELAÇÃO N. 1.0180.11.004047-4/001

DANOS MORAIS

DIREITO DE FAMILIA

DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO

INDENIZAÇÃO

LEI CAROLINA DIECKMANN

LEI N. 12.737/2012

LEI Nº 11.340/2006

PORNOGRAFIA DE VINGANÇA

REVENGE PORN

TJSP

Flávio Tartuce

Flávio Tartuce

28/06/2018

No último dia 18 de maio de 2018, tive a feliz oportunidade de palestrar no X Encontro Nacional de Direito Civil e Processo Civil, realizado na cidade de Salvador e promovido pela Múltipla Eventos, sob a coordenação geral de Francisco Salles. Foi-me atribuído um tema desafiador, relacionado à proteção de dados pessoais na internet, tendo eu analisado, entre outras situações fáticas da atualidade, a “pornografia de vingança” ou revenge porn.

Trata-se de grave desrespeito à intimidade, que deve ser sancionado com o dever de indenizar, inclusive com o seu caráter de desestímulo.

No âmbito do Direito de Família, tal conduta está presente quando um ex-cônjuge ou ex-companheiro expõe em ambientes virtuais vídeos ou fotos da intimidade do casal, com o objetivo de vingança pelo fim do relacionamento. Cite-se, também, a situação em que um dos ex-consortes filma o momento da traição, como aconteceu no caso conhecido como do “Gordinho da Saveiro”. Outra situação fática que se tornou comum é a propagação de nudes do ex-cônjuge ou ex-companheiro após o fim da relação.

Trata-se de grave desrespeito à intimidade, que deve ser sancionado com o dever de indenizar, inclusive com o seu caráter de desestímulo. Como se sabe, a Lei n. 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, trata de tipos penais presentes em situações similares às descritas. A norma introduziu o art. 154-A no Código Penal, estabelecendo que se trata de crime o ato de invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança, e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita. A pena prevista para tal conduta é de detenção de três meses a um ano, e multa. O § 1º do comando estabelece que na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta acima mencionada. Além disso, aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico (art. 154-A, § 2º, do CP). Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido, a pena passa a ser de reclusão de seis meses a dois anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave (art. 154-A, § 3º, do CP). Também está ali previsto que a pena é aumentada de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos (art. 154-A, § 4º, do CP). Por derradeiro, aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra: a) Presidente da República, governadores e prefeitos; b) Presidente do Supremo Tribunal Federal; c) Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou d) dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.

Não se olvide que a responsabilidade civil independe da criminal, conforme enuncia o art. 935 do Código Civil, consagrador da conhecida divisão das instâncias ou órbitas da ilicitude. Todavia, a lei penal pode servir como roteiro para a configuração inicial das condutas ilícitas civis, pela violação de deveres legais. Presente o dano, há o enquadramento privado nos arts. 186 e 927 do Código Civil, surgindo daí o correspondente dever de indenizar. Tratando de situações similares, não relacionadas ao casamento ou à união estável, mas com mesma conclusão sobre a responsabilidade civil, vejamos três ementas estaduais:

Provada a conduta ilícita, a autoria, o dano e o nexo de causalidade, há de ser mantida a sentença que condenou o apelante ao pagamento da indenização arbitrada em favor da autora, em razão da divulgação indevida de fotos íntimas” (TJMG, Apelação n. 1.0180.11.004047-4/001, Rel. Des. Wagner Wilson, julgado em 13/11/2013, DJEMG 22/11/2013).

Danos morais. Partes que tiveram relacionamento amoroso. Hipótese em que o réu passou a ameaçar a autora, publicando mensagens desabonadoras na internet, fotos íntimas do casal e espalhando panfletos pelo bairro, afirmando que a autora era garota de programa. Fato de ter a autora tornado público o relacionamento entre as partes, na constância do casamento do réu, que configura risco originado da conduta do próprio réu. Danos morais devidos. Fixação da indenização em R$ 10.000,00. Valor razoável, que não merece sofrer redução. Decisão mantida por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 252 do novo Regimento Interno deste Tribunal. Recurso desprovido” (TJSP, Apelação n. 0003141-93.2007.8.26.0224, Acórdão n. 7138060, Guarulhos, Primeira Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rui Cascaldi, julgado em 29/10/2013, DJESP 19/11/2013).

Divulgação de fotos íntimas de relação sexual dos autores. Réu ex-namorado da autora. Prova da propagação das informações por ato do demandado. Procedência do pleito indenizatório. Critérios de fixação da indenização por danos morais. Majoração. Adequação aos parâmetros normalmente observados pela câmara. Apelação cível desprovida. Recurso adesivo provido” (TJRS, Apelação cível n. 341337-66.2012.8.21.7000, Tramandaí, Nona Câmara Cível, Rel. Des. Marilene Bonzanini Bernardi, julgado em 14/11/2012, DJERS 21/11/2012).

Mais recentemente, já abordando a questão do revenge porn, colaciona-se, do Tribunal Fluminense, diante do compartilhamento e divulgação de vídeos em redes sociais:

(…) Pedido autoral de pagamento de indenização de danos morais decorrentes da divulgação de vídeo capturando um momento de intimidade sexual entre as partes. Sentença de procedência. Condenação ao pagamento de indenização no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para compensar os danos morais sofridos pela parte autora. Pedido recursal de exclusão da condenação ou, ainda, sua redução. Réu/apelante que insiste em negar a autoria do envio do vídeo para o grupo na rede social conectada pelo aplicativo “Whatsapp”. Recorrente que admite ter a mensagem partido de seu aparelho celular, apesar de não ter visto ninguém além da autora na ocasião em que a mensagem foi enviada. Elementos de prova conclusivos no sentido de que o apelante empreendeu esforços para tentar camuflar a realidade e assim esquivar-se de sua responsabilidade, chegando a noticiar falsamente. Como depois veio a admitir. O roubo de seu celular (responde o apelante pelo crime de falsidade ideológica nos autos do Processo nº. 0000302-66.2016.8.19.0033). Autoria suficientemente demonstrada. Presentes os demais elementos da responsabilidade civil subjetiva, notadamente a lesão, que na espécie é eminentemente extrapatrimonial. Recorrida que se viu submetida a intensa exposição, consequência que se exaspera, tendo em vista que a autora trabalha no comércio (ou seja, com atendimento ao público) numa cidade pequena, onde sobra pouco espaço para o anonimato e os vínculos com a coletividade tendem a assumir importância maior. Prova oral convincente no sentido de que o vídeo foi compartilhado até entre grupos de adolescentes, gerando irreversível processo difamatório de repercussão devastadora na vida da apelada. (…)” (TJRJ, Apelação n. 0000445-89.2015.8.19.0033, Miguel Pereira, Vigésima Primeira Câmara Cível, Rel. Des. André Emilio Ribeiro Von Melentovytch, DORJ 25/08/2017, p. 574).

O último julgado traz em sua fundamentação comentários sobre a realidade de um “sensacionalismo machista”, que supostamente atuaria como um mecanismo de pressão social e coletiva, na censura à liberdade sexual da mulher. Dessa forma, essa suposta sanção social “definitivamente lesou a recorrida, que se viu prejudicada em inúmeros setores de sua vida pessoal, do familiar ao profissional”. Reconheceu-se, assim, a existência do nexo de causalidade entre a gravação do vídeo e suas replicações e os prejuízos imateriais suportados pela autora. Como igualmente consta do voto do Relator, houve uma “reprovabilidade do ato que se acentua na medida em que o recorrente, no intuito único de dar vazão à sua fanfarronice, traiu a confiança depositada pela recorrida ao se deixar registrar num momento de intimidade, destruindo a reputação dela com a divulgação do vídeo”. Há, por fim, menção ao caráter punitivo da indenização moral, fixada em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). (TJRJ, Apelação n. 0000445-89.2015.8.19.0033, Miguel Pereira, Vigésima Primeira Câmara Cível, Rel. Des. André Emilio Ribeiro Von Melentovytch, DORJ 25/08/2017, p. 574).

Outro acórdão, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, e ainda mais recente, considerou haver violência moral contra a mulher nos casos de divulgação de material íntimo, a gerar a aplicação da Lei Maria da Penha, o que é um caminho jurídico correto, na minha opinião. Nos termos exatos do acórdão, que entendeu pela presença de danos morais presumidos, “a divulgação via whatsapp e Facebook para conhecidos e desconhecidos, de imagens de companheira nua consubstancia violência moral contra a mulher no âmbito de relação íntima de afeto, a qual foi prevista pelo legislador nacional no art. 5º, III, c/c art. 7º, V, da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), ensejando a reparação por dano moral in re ipsa” (TJDF, Apelação cível n. 2016.16.1.009786-5, Acórdão n. 108.2311, Quinta Turma Cível, Rel. Des. Ângelo Passareli, julgado em 14/03/2018, DJDFTE 20/03/2018).

Entendo que, em situações de pornografia de vingança relacionadas às entidades familiares, a competência para apreciar tais danos deve ser da Vara da Família, diante da presença de um nexo de causalidade que decorre da relação familiar, podendo tal pedido ser formulado na própria ação de divórcio ou de dissolução da união estável que assuma a feição contenciosa (arts. 693 e seguintes do CPC/2015).

Entretanto, em se tratando de mero relacionamento fugaz – como no caso de “ficantes”, crushes ou com “amizade colorida”, por exemplo –, de um namoro ou noivado, a competência para apreciar a demanda reparatória por pornografia de vingança é da Vara Cível. A propósito, outra hipótese fática contemporânea, situação já analisada pela jurisprudência, diz respeito ao envio de fotos íntimas na iminência do casamento, o que gerou a sua não realização e a responsabilidade civil do noivo:

Apelante que enviou e-mails, inclusive com conversas e fotos íntimas, a diversas pessoas do círculo dos apelados, em data próxima ao casamento destes. Teorias dos círculos concêntricos. Violação da intimidade. Esfera íntima da vida privada que merece proteção. Notório intuito desabonador” (TJSP, Apelação n. 0015045-05.2012.8.26.0073, Acórdão n. 8848480, Avaré, Segunda Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rosangela Telles, julgado em 29/09/2015, DJESP 06/10/2015).

Como palavras finais, pontue-se que o envio de nudes, por fotos ou vídeos, tornou-se uma prática corriqueira e perigosa entre as gerações mais novas. Cientes disso, alguns julgadores têm resolvido a questão da propagação de fotos e vídeos pela internet a partir da presença da culpa exclusiva da vítima, como se extrai da seguinte ementa: “a propagação de imagens que violam a intimidade da parte é capaz de ensejar indenização por danos morais, quando não há autorização para tanto, nos termos do artigo 20 do CC. O fato de a parte ter produzido e remetido a foto íntima para outrem caracteriza sua culpa exclusiva pela propagação das imagens acostadas nos autos”. (TJMT, Apelação n. 105148/2015, Barra do Garças, Rel. Des. Maria Helena Gargaglione Póvoas, julgado em 13/04/2016, DJMT 20/04/2016, p. 99).

Talvez, como a prática é geracional, essa forma de julgar seja alterada substancialmente no futuro, ou seja, não haverá mais o enquadramento da conduta na culpa ou fato exclusivo da vítima, mas no fato concorrente de todos os envolvidos, a gerar a fixação do quantum debeatur de acordo com as contribuições das partes.


[1] Coluna do Informativo Migalhas de junho de 2018.

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