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PROCESSO CIVIL

Abertura, registro, confirmação e cumprimento extrajudicial dos testamentos na reforma do CC

DIREITO DAS SUCESSÕES

PL4/25

REFORMA DO CÓDIGO CIVIL

TESTAMENTO CERRADO

Flávio Tartuce

Flávio Tartuce

03/10/2025

No que diz respeito ao testamento e ao PL 4/25 -, como temos estudado nesta série de textos, existem propostas de redução de suas burocracias e de extrajudicialização, o que se aplica à abertura, ao registro, à confirmação e ao cumprimento dos testamentos ordinários, quais sejam o público, o cerrado e o particular, assunto deste artigo.

Abertura e cumprimento do testamento público

De início, a respeito da abertura e cumprimento do testamento público, o CPC de 2015 traz regras instrumentais, tendo insistido na abertura e no cumprimento judiciais, perdendo a chance de dar um passo adiante e determinante para a desjudicialização, pois seria interessante que tivesse admitido pelo menos que a abertura fosse processada perante o Tabelionato de Notas.

Ocorrendo o falecimento do testador, enunciava o art. 1.128 do CPC/1973 que, quando o testamento fosse público, qualquer interessado, exibindo-lhe o traslado ou certidão, poderia requerer ao juiz que ordenasse o seu cumprimento. No CPC/15 o seu correspondente é o art. 736, segundo o qual “qualquer interessado, exibindo o traslado ou a certidão de testamento público, poderá requerer ao juiz que ordene o seu cumprimento, observando-se, no que couber, o disposto nos parágrafos do art. 735”. A menção ao art. 735 diz respeito ao processamento conforme o testamento cerrado, o que já estava previsto no sistema anterior. Aqui, não houve qualquer alteração de relevo na confrontação das duas normas processuais.

Busca e apreensão do testamento público no CPC/73

Todavia, dispunha o art. 1.129 do CPC/1973 que o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer interessado, ordenaria ao detentor de testamento que o exibisse em juízo para os fins legais, se ele, após a morte do testador, não tivesse se antecipado em fazê-lo. Em complemento, não sendo cumprida a ordem, caberia uma ação de busca e apreensão do testamento público.

Esse último comando não tem correspondente na legislação instrumental vigente de 2015, e, em uma primeira análise, pode-se afirmar que tais medidas não são mais cabíveis, o que inclui a citada ação de busca e apreensão. Entendeu-se que esses drásticos instrumentos não se coadunariam com o caráter particular ou privado do testamento, mesmo que pela forma pública. Ademais, como o testamento público tem, via de regra, uma via arquivada no Cartório, não se justificaria a citada demanda de busca e apreensão na grande maioria dos casos concretos.

Como se verá mais à frente, o PL traz o tratamento de procedimentos extrajudiciais a respeito de todas as modalidades de testamento para o locus adequado, que é a lei material, dando o passo adiante que faltou ao legislador do CPC de 2015.

Abertura e cumprimento do testamento cerrado

A respeito da abertura e cumprimento judiciais do testamento cerrado, vejamos, mais uma vez, um estudo confrontado entre o CPC/215 e o CPC/1973. Repise-se que tais procedimentos também se aplicam para o testamento público e que o Estatuto Processual emergente perdeu novamente a oportunidade de trazer um procedimento desjudicializado para tanto, outro dilema que a reforma do CC pretende resolver de forma definitiva.

De início, preceituava o art. 1.125 do CPC/1973 que, ao receber o testamento cerrado, o juiz, após verificar se estaria intacto, o abriria e mandaria que o escrivão o lesse em presença de quem o entregou. Lavrar-se-ia, em seguida, o ato de abertura, que, rubricado pelo juiz e assinado pelo apresentante, mencionaria: a) a data e o lugar em que o testamento foi aberto; b) o nome do apresentante e como houve ele o testamento; c) a data e o lugar do falecimento do testador; e d) qualquer circunstância digna de nota, encontrada no invólucro ou no interior do testamento.

Modificações do CPC/2015 sobre o testamento cerrado

No CPC de 2015, em seu art. 735, algumas modificações merecem ser destacadas. Conforme o seu caput, recebendo o testamento cerrado, o juiz, se não achar vício externo que o torne suspeito de nulidade ou falsidade, o abrirá e mandará que o escrivão o leia em presença do apresentante. Como se observa, não há menção apenas à sua integralidade, conforme a lei anterior, mas a qualquer vício externo que possa causar a nulidade ou a falsidade do ato.

Do termo de abertura constarão o nome do apresentante e como ele obteve o testamento, a data e o lugar do falecimento do testador, com as respectivas provas, e qualquer circunstância digna de nota. Esse é o § 1.º do art. 735 do CPC/15, que praticamente repetiu o parágrafo único do art. 1.125 do CPC/1973. Pontue-se, todavia, que o sistema passou a exigir provas desses requisitos. Além disso, as circunstâncias dignas de nota não são apenas as que estão no invólucro ou no interior do testamento. Assim, por exemplo, o juiz pode fazer constar do termo de abertura eventual motivo de ineficácia ou invalidade do ato testamentário.

Depois de ouvido o Ministério Público, não havendo dúvidas a serem esclarecidas, o juiz mandará registrar, arquivar e cumprir o testamento (art. 735, § 2.º, do CPC/15). A oitiva do Ministério Público já constava do art. 1.126 do CPC/1973, especialmente para os casos de sua nulidade ou falsidade. Em tempos atuais, fica até mesmo em xeque a necessidade dessa oitiva em processo judicial, pelo fato de o testamento, inclusive o cerrado, envolver interesse particular ou privado, como há pouco se expôs.

Consigne-se que esse mesmo art. 1.126 do CPC/1973 prescrevia, em seu parágrafo único, que o testamento seria registrado e arquivado no Cartório a que tocasse, dele remetendo o escrivão uma cópia, no prazo de oito dias, à repartição fiscal. Essa norma não tem correspondente na novel legislação processual, e, sendo assim, parece que tal procedimento não é mais cabível, pois ausente previsão legal.

Nomeação e atuação do testamenteiro

Voltando-se à legislação processual em vigor, feito o registro, será intimado o testamenteiro para assinar o termo da testamentaria (art. 735, § 3.º, do CPC/15). Eventualmente, se não houver testamenteiro nomeado ou se ele estiver ausente ou não aceitar o encargo, o juiz nomeará testamenteiro dativo, observando-se a preferência legal (art. 735, § 3.º, do CPC/15). Com pequenas alterações de redação, tais regras já eram retiradas do caput do art. 1.127 do CPC/1973.

Constata-se que também não foi reproduzido o parágrafo único do art. 1.127 do CPC/1973, in verbis: “assinado o termo de aceitação da testamentaria, o escrivão extrairá cópia autêntica do testamento para ser juntada aos autos de inventário ou de arrecadação da herança”. Essa omissão demonstra que tal procedimento também passa a ser dispensado.

Por outro turno, incluiu-se um § 5.º no art. 735 do CPC/15, prevendo que o testamenteiro deverá cumprir as disposições testamentárias e prestar contas em juízo do que recebeu e despendeu, observando-se o disposto em lei.

Fica em dúvidas também a necessidade dessa última regra, naturalmente retirada do encargo da testamentaria, especialmente do art. 1.980 do CC, com a seguinte redação: “o testamenteiro é obrigado a cumprir as disposições testamentárias, no prazo marcado pelo testador, e a dar contas do que recebeu e despendeu, subsistindo sua responsabilidade enquanto durar a execução do testamento”. A verdade é que as regras procedimentais em estudo são excessivamente burocráticas, e não mais se justificam na atualidade.

Confirmação do testamento particular

No que concerne ao procedimento de confirmação do testamento particular, expressava o art. 1.130 do CPC/1973 que o herdeiro, o legatário ou o testamenteiro poderia requerer, depois da morte do testador, a publicação em juízo do testamento particular, inquirindo-se as testemunhas que lhe ouviram a leitura e, depois disso, o assinaram. A petição inicial seria instruída com a cédula do testamento particular, com o intuito dessa confirmação.

O CPC/15 concentra essa regulamentação da publicação e confirmação do testamento particular no art. 737. Nos termos do seu caput, a publicação do testamento particular poderá ser requerida, depois da morte do testador, pelo herdeiro, pelo legatário ou pelo testamenteiro, bem como pelo terceiro detentor do testamento, se impossibilitado de entregá-lo a algum dos outros legitimados para requerê-la. Essa menção ao terceiro foi considerada inovação festejada, pois, de fato, o portador do testamento pode ser alguém de confiança do autor da herança e que não seja beneficiado pelo ato.

Alterações trazidas pelo CPC/2015

Previa o art. 1.131 do CPC/1973, ainda, sobre o processo de confirmação judicial do testamento particular, que seriam intimados para a inquirição: a) aqueles a quem caberia a sucessão legítima; b) o testamenteiro, os herdeiros e os legatários que não tivessem requerido a publicação; e c) o Ministério Público. Em todos os casos, as pessoas que não fossem encontradas na Comarca seriam intimadas por edital (parágrafo único do então art. 1.131).

Em sentido próximo, determina o § 1.º do art. 737 do CPC/15 que serão intimados os herdeiros que não tiverem requerido a publicação do testamento, o que corresponde aos incisos I e II do dispositivo anterior. Não há mais alusão ao Ministério Público para essa inquirição inicial, mais uma vez porque o interesse, no caso, é privado. Todavia, como se verá a seguir, o Ministério Público continua sendo ouvido para a confirmação final da disposição de última vontade. Também se retirou a menção à intimação por edital das pessoas não encontradas na Comarca, procedimento que não é mais cabível.

Seguindo-se com os estudos dos procedimentos judiciais relativos ao testamento particular, não se reproduziu o antigo art. 1.132 do CPC/1973, segundo o qual, se inquiridas as testemunhas, poderiam os interessados, no prazo comum de cinco dias, manifestar-se sobre o testamento. Mais uma vez, não cabe tal procedimento, em uma análise preliminar do Estatuto Processual emergente.

O art. 1.133 do CPC/1973 foi alterado substancialmente pelo art. 737, § 2.º, do CPC/2015. Consoante a regra anterior, “se pelo menos três testemunhas contestes reconhecerem que é autêntico o testamento, o juiz, ouvido o órgão do Ministério Público, o confirmará, observando-se quanto ao mais o disposto nos arts. 1.126 e 1.127”. O art. 737, § 2.º, do CPC/15 se resumiu a dizer que, verificando a presença dos requisitos da lei, ouvido o Ministério Público, o juiz confirmará o testamento.

De toda sorte, continua tendo aplicação o art. 1.878 do CC, que traz um sentido muito próximo ao art. 1.133 do anterior CPC. Conforme a norma material, “se as testemunhas forem contestes sobre o fato da disposição, ou, ao menos, sobre a sua leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim como a do testador, o testamento será confirmado. Parágrafo único. Se faltarem testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o testamento poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova suficiente de sua veracidade”.

Como se nota, não há menção ao Ministério Público na norma privada. Porém, a sua oitiva parece ser necessária, pela previsão do dispositivo instrumental. Na minha opinião, o CPC/15 não deveria fazer tal referência, pois o interesse do testamento – ainda mais no caso de testamento particular – é puramente privado.

A proposta de extrajudicialização no PL 4/25

Pois bem, fica em séria dúvida a necessidade de procedimentos judiciais para se abrir, confirmar e cumprir todas as formas de testamento. Se o vigente Estatuto Processual foi guiado pela desjudicialização em vários de seus artigos, não seria mais interessante estabelecer a abertura perante o Tabelionato de Notas? Entendo que sim, como é proposto pelo PL do CC, que pretende trazer para a lei geral privada todos os procedimentos de extrajudicialização do Direito Privado Brasileiro, retomando-se o protagonismo da codificação material privada, perdido nos últimos anos.

Nesse contexto, no atual PL 4/25 inclui-se a possibilidade de todos os testamentos serem abertos ou cumpridos extrajudicialmente, conforme o seu novo art. 1.990-A, o que passará a ser uma faculdade das partes, se assim o quiserem. Essa faculdade não afasta a via judicial, para os que assim o quiserem, não se propondo a revogação dos dispositivos do CPC aqui citados.

Nos termos da proposição material, se todos os herdeiros e legatários concordarem, a abertura do testamento cerrado ou a apresentação dos testamentos público e particular, bem como o seu registro e cumprimento, a nomeação de testamenteiro e a prestação de contas poderão ser feitos por escritura pública, cuja eficácia dependerá de anuência do Ministério Público (caput do novo art. 1.990-A do CC). Chegamos a debater a necessidade de atuação do MP, que acabou permanecendo nos procedimentos, por voto da maioria dos membros da Comissão de Juristas.

A proposta traz três parágrafos a respeito dos procedimentos extrajudiciais para tanto, que poderão ser eletrônicos ou digitais, o que vem em boa hora, concretizando os motes da extrajudicialização e da digitalização, que orientaram os trabalhos da Comissão de Juristas.

O papel do tabelião e do Ministério Público

Nesse contexto, a abertura do testamento cerrado ou a apresentação do testamento público deverá ocorrer perante o tabelião de notas, na forma física ou virtual, que lavrará escritura pública específica, atestando os fatos e indicando se há, ou não, vício externo que torne o testamento eivado de nulidade ou suspeito de falsidade; havendo qualquer vício, o tabelião não lavrará a escritura pública (art. 1.990-A, § 1.º, do CC). A menção ao impedimento da lavratura perante o Tabelionato de Notas vem em boa hora, visando a impedir a confirmação de atos nulos ou anuláveis.

Não havendo qualquer vício, o tabelião de notas submeterá a cédula à anuência do Ministério Público. Se houver discordância do último, o tabelião não lavrará a escritura (§§ 2.º e 3.º do art. 1.990-A do CC). Como se pode notar, apesar do saudável e necessário caminho da extrajudicialização, há um duplo controle de validade do ato testamentário, pelo tabelião e pelo membro do Ministério Público, conforme prevaleceu na Comissão de Juristas.

Importância da aprovação do PL 4/25

A aprovação das propostas representa um pleito antigo, sobretudo da doutrina especializada do Direito das Sucessões Brasileiro, sendo imperiosa a sua aprovação pelo Parlamento brasileiro.

Como constou da exposição de motivos elaborada pela subcomissão de Direito das Sucessões – formada pelos professores Mario Luiz Delgado, Giselda Hironaka e Gustavo Tepedino, e também pelo ministro Asfor Rocha, que estão entre os maiores sucessionistas da atualidade -, almeja-se com o projeto a “simplificação e desjudicialização dos procedimentos” do inventário, estando entre eles justamente a “desjudicialização do procedimento de abertura, registro e cumprimento do testamento”. Aguardemos, portanto, a sua necessária e até mesmo urgente aprovação no âmbito do nosso Poder Legislativo.

Fonte: Migalhas


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