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NOVO CPC
Do tratamento da união estável no novo CPC e algumas repercussões para o Direito Material. Segunda parte.
Flávio Tartuce
12/06/2015
Como antes exposto neste canal, o novo CPC traz a opção de equalizar a união estável ao casamento em vários de seus dispositivos, o que fará com que o tema seja analisado de maneira diversa no âmbito do direito material. Também conforme o texto que antecede ao presente, começamos a analisar o art. 73 do Novo Estatuto Processual – equivalente ao art. 10 do CPC/73 –, especialmente a menção à separação absoluta, prevista no seu caput, que não encerrou polêmica anterior sobre o assunto, infelizmente.
Para este novo artigo, frise-se que o impacto principal a ser estudado diz respeito à aplicação da regra do art. 73 do Novo CPC para os casos de união estável, como é expresso no seu § 3º, desde que a relação de convivência seja comprovada nos autos. No âmbito do Direito Civil, sempre existiu grande polêmica, doutrinária e jurisprudencial, quanto à incidência, ou não, do art. 1.647 do CC para as hipóteses de união estável, exigindo-se uma outorga convivencial para os atos ali referidos.
De qualquer maneira, a outorga do companheiro passa a ser exigida nos casos do inciso II do art. 1.647, em diálogo com o Novo CPC. Como é notório, esse comando material – no mesmo sentido do art. 73 da Norma Instrumental – exige a outorga do cônjuge para pleitear, como autor ou réu, acerca de bens ou direitos relativos a imóveis. A dúvida que se coloca é a seguinte: nas situações dos demais incisos do art. 1.647, que dizem respeito a atos puramente materiais, como a venda ou outras alienações de imóvel, como ficam a fiança e a doação de bens comuns? Haverá necessidade de outorga convivencial em tais hipóteses?
Entre os civilistas, para uma primeira corrente, o art. 1.647 do CC aplica-se à união estável, pelo fato de que o regime de bens, que é regra tanto do casamento quanto da união estável, é o da comunhão parcial de bens (arts. 1.640 e 1.725 do CC/02). Nesse sentido, Regina Beatriz Tavares da Silva afirma que “devem ser consideradas as regras constituídas por disposições especiais (arts. 1.658 a 1.666) e as disposições gerais (arts. 1.639 a 1.657), em que se destaca a proibição de alienação de bem imóvel sem o consentimento do consorte, a não ser que seja escolhido o regime da separação absoluta (art. 1.647), sob pena de anulação do ato”. Esse entendimento é compartilhado por Paulo Lôbo, na sua obra Famílias, com primeira edição de 2008 (Saraiva). O STJ assim já decidiu anteriormente, conforme se depreende da seguinte ementa:
“Processo civil. Execução fiscal. Penhora de bem imóvel em condomínio. Exigência de consentimento dos demais. 1. A lei civil exige, para alienação ou constituição de gravame de direito real sobre bem comum, o consentimento dos demais condôminos. 2. A necessidade é de tal modo imperiosa, que tal consentimento é, hoje, exigido da companheira ou convivente de união estável (art. 226, § 3º, da CF), nos termos da Lei 9.278/1996. 3. Recurso especial improvido” (STJ, REsp 755.830/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 07.11.2006, DJ 01.12.2006, p. 291).
Entretanto, pontue-se que sempre seguimos uma segunda corrente, que responde negativamente, ou seja, a outorga só pode ser exigida dos cônjuges, e não dos companheiros, pelo fato de ser o art. 1.647 do CC uma norma restritiva de direitos que não comporta interpretação extensiva ou analogia. Por essa linha, a outorga somente é imposta por expressa previsão legal, o que não se verifica no tocante à união estável, a não ser agora, pela regra do art. 73 do CPC/15, para o que consta do inciso II do art. 1.647 do CC/02. Reafirme-se que essa é a melhor posição a ser adotada, mesmo existindo contrato de convivência entre as partes, inclusive celebrado por escritura pública. Concluindo desse modo a jurisprudência estadual:
“Apelação cível. Ação declaratória de nulidade de ato jurídico. União estável não declarada. Venda de bem imóvel a terceiro de boa-fé. Inexistência de hipóteses de invalidade do negócio jurídico. Inexistência de nulidade. 1 – Ainda que seja possível vislumbrar pelas provas carreadas a existência de união estável entre apelante e primeiro apelado, a venda de bem imóvel a terceiro de boa-fé não é nula, tendo em vista que a Lei não exige a outorga uxória da companheira. 2 – Não provadas nenhuma das hipóteses de invalidade do negócio jurídico, previstas nos arts. 166 e ss. do CC 2002, não há nulidades a serem declaradas” (TJMG, Apelação Cível 1.0284.07.006501-6/0011, Guarani, Nona Câmara Cível, Rel. Des. Pedro Bernardes, j. 17.02.2009, DJEMG 16.03.2009).
“Ação declaratória de nulidade. Escritura pública de compra e venda. Imóvel. Sentença de improcedência. Negócio jurídico celebrado pelo companheiro sem a anuência da companheira. Possibilidade. Outorga uxória. Desnecessidade. Exigência legal que não se aplica à hipótese de união estável. (…)” (TJSP, Apelação com Revisão 396.100.4/6, Acórdão 2567068, Itararé, Segunda Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ariovaldo Santini Teodoro, j. 15.04.2008, DJESP 16.05.2008).
Esse posicionamento segue a linha de necessidade de diferenciação da união estável em relação ao casamento. Adotando a mesma premissa, e a não subsunção do art. 1.647 do CC à união estável, vejamos recente aresto do STJ, referente a contrato de fiança, assim publicado no seu Informativo n. 535, do ano de 2014:
“Direito Civil. Inaplicabilidade da Súmula 332 do STJ à união estável. Ainda que a união estável esteja formalizada por meio de escritura pública, é válida a fiança prestada por um dos conviventes sem a autorização do outro. Isso porque o entendimento de que a ‘fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia’ (Súmula 332 do STJ), conquanto seja aplicável ao casamento, não tem aplicabilidade em relação à união estável. De fato, o casamento representa, por um lado, uma entidade familiar protegida pela CF e, por outro lado, um ato jurídico formal e solene do qual decorre uma relação jurídica com efeitos tipificados pelo ordenamento jurídico. A união estável, por sua vez, embora também represente uma entidade familiar amparada pela CF – uma vez que não há, sob o atual regime constitucional, famílias estigmatizadas como de ‘segunda classe’ –, difere-se do casamento no tocante à concepção deste como um ato jurídico formal e solene. Aliás, nunca se afirmou a completa e inexorável coincidência entre os institutos da união estável e do casamento, mas apenas a inexistência de predileção constitucional ou de superioridade familiar do casamento em relação a outra espécie de entidade familiar. Sendo assim, apenas o casamento (e não a união estável) representa ato jurídico cartorário e solene que gera presunção de publicidade do estado civil dos contratantes, atributo que parece ser a forma de assegurar a terceiros interessados ciência quanto a regime de bens, estatuto pessoal, patrimônio sucessório etc. Nesse contexto, como a outorga uxória para a prestação de fiança demanda absoluta certeza por parte dos interessados quanto à disciplina dos bens vigente, e como essa segurança só é obtida por meio de ato solene e público (como no caso do casamento), deve-se concluir que o entendimento presente na Súmula 332 do STJ – segundo a qual, a ‘fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia’ –, conquanto seja aplicável ao casamento, não tem aplicabilidade em relação à união estável. Além disso, essa conclusão não é afastada diante da celebração de escritura pública entre os consortes, haja vista que a escritura pública serve apenas como prova relativa de uma união fática, que não se sabe ao certo quando começa nem quando termina, não sendo ela própria o ato constitutivo da união estável. Ademais, por não alterar o estado civil dos conviventes, para que dela o contratante tivesse conhecimento, ele teria que percorrer todos os cartórios de notas do Brasil, o que seria inviável e inexigível” (STJ, REsp 1.299.866/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 25.02.2014).
Ao final de 2014 surgiu uma outra forma de julgar na Superior Instância, que parece indicar uma terceira via, respondendo depende para a necessidade da outorga convivencial nos casos descritos no art. 1.647 do CC. Conforme acórdão publicado no Informativo 554 do Tribunal de Cidadania, de fevereiro de 2015, a invalidade da venda de imóvel comum, fundada na ausência de outorga do companheiro, depende da publicidade conferida à união estável.
E essa publicidade se dá mediante a averbação de contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência de união estável no Cartório de Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns, ou da demonstração de má-fé do adquirente. Conforme se retira da publicação do aresto, “a interpretação dessas normas, ou seja, do art. 5º da lei 9.278/96 e dos já referidos arts. 1.725 e 1.647 do CC, fazendo-as alcançar a união estável, não fosse pela subsunção mesma, esteia-se, ainda, no fato de que a mesma ratio – que indisfarçavelmente imbuiu o legislador a estabelecer a outorga uxória e marital em relação ao casamento – mostra-se presente em relação à união estável; ou seja, a proteção da família (com a qual, aliás, compromete-se o Estado, seja legal, seja constitucionalmente). Todavia, levando-se em consideração os interesses de terceiros de boa-fé, bem como a segurança jurídica necessária para o fomento do comércio jurídico, os efeitos da inobservância da autorização conjugal em sede de união estável dependerão, para a sua produção (ou seja, para a eventual anulação da alienação do imóvel que integra o patrimônio comum), da existência de uma prévia e ampla notoriedade dessa união estável. No casamento, ante a sua peculiar conformação registral, até mesmo porque dele decorre a automática alteração de estado de pessoa e, assim, dos documentos de identificação dos indivíduos, é ínsita essa ampla e irrestrita publicidade. Projetando-se tal publicidade à união estável, a anulação da alienação do imóvel dependerá da averbação do contrato de convivência ou do ato decisório que declara a união no Registro Imobiliário em que inscritos os imóveis adquiridos na constância da união” (STJ, REsp. 1.424.275/MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 04.12.2014, DJe 16.12.2014).
A este autor parece que, no plano jurisprudencial, a segunda corrente exposta parece ser a tendência da jurisprudência superior. Contudo, não se negue que o Novo CPC tende a aprofundar o debate a respeito dessa problemática nos próximos anos, por mencionar a necessidade da outorga conjugal para a hipótese que está prevista no inciso II do art. 1.647 do CC.
Então, por que não aplicar a mesma premissa para as demais situações desse comando material? Confesso que continuo a entender, até o presente momento, que a incidência do Novo CPC diz respeito apenas ao inciso II do preceito civil. Todavia, estou refletindo sobre essa nova extensão, e o meu posicionamento até pode ser alterado no futuro.
[1] SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Novo Código Civil comentado. In: FIUZA, Ricardo. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 1.427.
Veja também:
- Lei da Guarda Compartilhada (ou Alterada) Obrigatória – Parte I
- Lei da Guarda Compartilhada (ou Alterada) Obrigatória – Parte II
- Bem de Família Ofertado
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