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A Defensoria como regra de repetição obrigatória nas normas estaduais

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A Defensoria como regra de repetição obrigatória nas normas estaduais

CONSTITUIÇÕES ESTADUAIS

DEFENSORIA

DEFENSORIA PÚBLICA

NORMAS ESTADUAIS

PODERES GOVERNAMENTAIS

Franklyn Roger

Franklyn Roger

18/09/2019

A Constituição Federal assegura a autonomia aos estados-membros, consubstanciada na capacidade de auto-organização, de autolegislação, de autogoverno e de autoadministração. Como primeiro elemento da autonomia estadual, a capacidade de auto-organização se concretiza por meio do exercício do poder constituinte derivado decorrente, caracterizado pela edição das Constituições estaduais (artigo 25 da CF).

Por dimanar do originário, o poder constituinte derivado decorrente resta limitado pela zona de determinações e pelo conjunto de restrições contidos na Constituição Federal. Segundo estabelece o artigo 25, in fine, da CF, a atividade constituinte dos estados-membros deve observar os princípios previstos na Constituição Federal:

Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.

Embora o dispositivo não indique expressamente quais seriam esses princípios, a pesquisa do texto constitucional indica a existência de três grupos distintos de princípios que circunscrevem a atuação do constituinte estadual: (i) os princípios constitucionais sensíveis; (ii) princípios federais extensíveis; e (iii) os princípios constitucionais estabelecidos.

Os princípios constitucionais sensíveis dizem respeito basicamente à organização dos poderes governamentais dos estados, sendo assim denominados porque sua inobservância pelos estados-membros, no exercício de suas competências legislativas, administrativas ou tributárias, pode acarretar a sanção politicamente mais grave existente em um Estado federal, a intervenção na autonomia política. De acordo com o artigo 34, VII da CF, são considerados princípios constitucionais sensíveis: (a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; (b) direitos da pessoa humana; (c) autonomia municipal; (d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta; e (e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

Os princípios federais extensíveis, por sua vez, são aqueles que integram a estrutura da federação brasileira[1], sendo qualificados como normas centrais comuns à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios[2].

Por fim, os princípios constitucionais estabelecidos podem ser definidos como “regras que revelam, previamente, a matéria de sua organização e as normas constitucionais de caráter vedatório, bem como os princípios de organização política, social e econômica, que determinam o retraimento da autonomia estadual, cuja identificação reclama pesquisa no texto da Constituição”[3]. Doutrinariamente, essas limitações podem ser divididas em três grupos: (a) limitações expressas; (b) limitações implícitas; e (c) limitações decorrentes do sistema constitucional[4].

Dentro das limitações expressas de caráter mandatório, encontra-se inserida a determinação categórica que obriga o estado-membro a dispor, em sua estrutura constitucional, sobre a organização da Defensoria Pública, observando as características, atribuições, direitos e garantias constantes dos arts. 134 e 135 da CF.

Nesse sentido, ensina o professor José Afonso da Silva, in verbis:

Limitações expressas ao Constituinte Estadual – São consubstanciadas em dois tipos de regras: umas de natureza vedatória e outras, mandatórias.

As primeiras proíbem explicitamente os Estados de adotar determinados atos ou procedimentos, tais como as dos arts. 19, 150 e 152, intervir nos Municípios, salvo ocorrência de um dos motivos estritamente considerados no art. 35, mas terá que regular o processo de intervenção, nas hipóteses possíveis, ao teor do art. 36.

As mandatórias consistem em disposições que, de maneira explícita e direta, determinam aos Estados a observância de princípios, de sorte que, na sua organização constitucional e normativa, hão que adotá-los, o que importa confranger sua liberdade organizatória aos limites positivamente determinados; assim, por exemplo, o Constituinte Estadual tem que dispor: (…) sobre a organização da Defensoria Pública com as atribuições, direitos e garantias constantes dos arts. 134 e 135. (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros, 2011, pág. 613/614)

Desse modo, os estados-membros não possuem a faculdade de optar pela instituição e manutenção da Defensoria Pública, estando submetidos à determinação constitucional explícita que previamente impõe a criação do serviço jurídico-assistencial público em âmbito estadual[5].

Além disso, a organização estrutural da Defensoria Pública em âmbito estadual deve seguir o parâmetro normativo delineado pelos artigos 134 e 135 da CF, sendo vedado ao poder constituinte derivado decorrente realizar a implementação de modelo jurídico-assistencial público diverso daquele previsto pelo poder constituinte originário.

Se os estados-membros, no exercício de sua capacidade de auto-organização, deixarem de realizar a previsão normativa da Defensoria Pública em suas respectivas Constituições estaduais ou realizarem essa previsão de maneira diversa daquela estabelecida pela Constituição Federal, estarão incidindo em inegável inconstitucionalidade material.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 104 da Constituição Estadual de Santa Catarina, que determinava que a Defensoria Pública seria “exercida pela Defensoria Dativa e Assistência Judiciária Gratuita”, organizada pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de Santa Catarina (OAB-SC). De acordo com o STF, o modelo modelo jurídico-assistencial público previsto na referida norma constitucional estadual seria absolutamente diverso daquele previsto no artigo 134 da CF, representando “grave desrespeito a uma ordem do constituinte, que não se limitou à exortação genérica do dever de prestar assistência judiciária, mas descreveu, inclusive, a forma que deve ser adotada na execução desse serviço público, não dando margem a qualquer liberdade por parte do legislador estadual”.

Com base nesse fundamento, a ADI 4.270/SC restou julgada procedente, sendo reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 104 da CESC e admitida a continuidade dos serviços prestados pelo estado de Santa Catarina mediante convênio com a OAB-SC pelo prazo máximo de um ano da data do julgamento da referida ação, ao fim do qual deveria estar estruturada e em funcionamento a Defensoria Pública daquela unidade federada, seguindo o modelo delineado pela Constituição Federal:

Art. 104 da Constituição do Estado de Santa Catarina. Lei complementar estadual 155/1997. Convênio com a seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC) para prestação de serviço de “defensoria pública dativa”. Inexistência, no Estado de Santa Catarina, de órgão estatal destinado à orientação jurídica e à defesa dos necessitados. Situação institucional que configura severo ataque à dignidade do ser humano. Violação do inc. LXXIV do art. 5º e do art. 134, caput, da redação originária da Constituição de 1988. Ações diretas julgadas procedentes para declarar a inconstitucionalidade do art. 104 da constituição do Estado de Santa Catarina e da lei complementar estadual 155/1997 e admitir a continuidade dos serviços atualmente prestados pelo Estado de Santa Catarina mediante convênio com a OAB/SC pelo prazo máximo de 1 (um) ano da data do julgamento da presente ação, ao fim do qual deverá estar em funcionamento órgão estadual de defensoria pública estruturado de acordo com a Constituição de 1988 e em estrita observância à legislação complementar nacional (LC 80/1994). (STF – Pleno – ADI nº 4270/SC – Relator Min. Joaquim Barbosa, decisão: 14-03-2012)

Por Franklyn Roger Alves Silva e Diogo Esteves

Fonte: Conjur

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[1] BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 506/509.
[2] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros, 2011, pág. 611/612.
[3] SILVA, José Afonso. Op. cit., pág. 613.
[4] SILVA, José Afonso. Op. cit., pág. 613.
[5] Atualmente, todas as Constituições Estaduais do país possuem previsão normativa expressa dispondo sobre a organização da Defensoria Pública nos respectivos Estados-membros: Acre – arts. 126 a 128 da CEAC; Alagoas – arts. 159 a 160 da CEAL; Amapá – arts. 154 a 158 da CEAP; Amazonas – arts. 102 e 103 da CEAM; Bahia – arts. 144 e 145 da CEBA; Ceará – arts. 146 a 149 da CECE; Espírito Santo – art. 123 da CEES; Goiás – art. 120 da CEGO; Maranhão – arts. 109 a 111 da CEMA; Mato Grosso – arts. 116 a 120 da CEMT; Mato Grosso do Sul – arts. 140 a 143 da CEMS; Minas Gerais – arts. 129 a 131 da CEMG; Pará – arts. 190 a 192 da CEPA; Paraíba – arts. 140 a 146 CEPB; Paraná – arts. 127 e 128 da CEPR; Pernambuco – art. 73 da CEPE; Piauí – arts. 153 e 154 da CEPI; Rio de Janeiro – arts. 179 a 181 da CERJ; Rio Grande do Norte – art. 89 da CERN; Rio Grande do Sul – 120 a 123 da CERS; Rondônia – arts. 105 e 106 da CERO; Roraima – arts. 102 e 103 da CERR; Santa Catarina – art. 104 e 104-A da CESC; São Paulo – art. 103 da CESP; Sergipe – arts. 123 e 124 da CESE; e Tocantins – art. 53 da CETO.


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