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Responsabilidade civil: culpa, ato ilícito e responsabilidade
Arnaldo Rizzardo
07/12/2020
Admitem-se vários tipos de culpa, sendo importante a classificação para efeitos de verificação de sua presença nos atos humanos. Apresentaremos os principais, resumidamente:
a) Culpa in eligendo: é a forma segundo a qual o agente não procede com acerto na escolha de seu preposto, empregado, representante, ou não exerce um controle suficiente sobre os bens usados para uma determinada atividade. Os erros cometidos na direção de um veículo, ou trafegar nele quando não reúne condições mecânicas de segurança, provocam a responsabilidade pelo dano superveniente.
b) Culpa in vigilando: caracteriza-se com a falta de cuidados e fiscalização de parte do proprietário ou do responsável pelos bens e pelas pessoas. Exemplificando: não se acompanha o desenvolvimento das atividades dos empregados; admite-se que uma pessoa despreparada execute certo trabalho; abandona-se veículo, com a chave de ignição ligada, em local frequentado por crianças; não são vistoriados os veículos pelo dono; dirige-se um carro com defeitos nos freios e com pneus gastos.
c) Culpa in comittendo: é a culpa que exsurge da prática de uma atividade determinadora de um prejuízo, como nos acidentes automobilísticos, na demolição de um prédio em local muito frequentado, sem o afastamento dos transeuntes.
d) Culpa in omittendo: na culpa com esta feição, o agente tinha a obrigação de intervir em uma atividade, mas nada faz. Depara-se o culpado com a responsabilidade dada a sua falta de iniciativa. Há um socorro a prestar, mas queda-se inativa a pessoa.
e) Culpa in custodiendo: é a ausência de atenção e cuidado com respeito a alguma coisa, facilmente verificável com relação aos animais, que ficam soltos pelas estradas.
f) Culpa grave ou lata, leve e levíssima: do direito antigo nos advém essa classificação. A primeira se avizinha do dolo civil. Envolve uma crassa desatenção e a violação de dever comum de cuidado relativamente ao mundo no qual vivemos. Alcança dimensões maiores quando a violação é consciente, embora não almejado o resultado. No dizer de Pontes de Miranda, “é a culpa magna, nímia, como se dizia, que tanto pode haver no ato positivo como no negativo, é a culpa ressaltante, a culpa que denuncia descaso, temeridade, falta de cuidado indispensável. Quem devia conhecer o alcance do seu ato positivo ou negativo incorre em culpa grave”.
A culpa leve se expressa na falta que poderia ser evitada com uma atenção comum e normal no procedimento da pessoa.
Levíssima ela se denomina quando evitável o erro com uma atenção especial e muito concentrada. O ser humano carece de habilidades e conhecimentos na realização de um mister, ou incide em fatos danosos devido à ausência de um maior discernimento na apreciação da realidade. É o acidente de veículo que acontece por causa da falta de capacidade para manobrar quando o carro se encontra entre outros dois.
g) Culpa contratual e extracontratual: a primeira consiste na violação de um dever determinado, inerente a um contrato. Nasce da violação dos deveres assumidos, como no desempenho do mandato recebido e do depósito, quando os titulares da obrigação não se esmeram em diligência e cuidado. São negligentes na defesa de interesses alheios, ou não se portam com a seriedade que revelariam se a coisa lhes pertencesse. Exemplo de culpa contratual ocorre nos contratos de transporte, cuja responsabilidade é regida pelo Decreto 2.681/1912.
Ela é conhecida com o nome de extracontratual quando há ofensa a um dever fundado em princípio geral do direito, desrespeitando-se as normas, ferindo-se os bens alheios e as prerrogativas da pessoa. Por isso, diz-se que são vulneradas as fontes das obrigações. É a chamada culpa aquiliana, nome oriundo da Lex Aquilia, do direito romano, pelo qual o dever de reparar o dano por fato culposo se fundava naquele texto. É a culpa que nasce dos atos ilícitos.
Caio Mário da Silva Pereira fala, também, em culpa in contrahendo, caracterizada no ilícito que se localiza na conduta do agente que leva o lesado a sofrer prejuízo no próprio fato de celebrar o contrato.
Não resulta de um dever predefinido em contrato, mas nasce do fato de criar o agente uma situação em que a celebração do ajuste é a causa do prejuízo. Admitida no direito alemão, configura-se quando uma das partes induz outra à celebração do negócio, muito embora sabedora da impossibilidade da prestação. Destituída de interesse prático, confunde-se mais com a culpa aquiliana.
Culpa, ato ilícito e responsabilidade
Já é suficiente a exposição anterior para concluirmos que a responsabilidade nasce, fundamentalmente, da culpa. Com precisão, diz Chironi: “A culpa, em seu significado geral, de maneira mais ampla, ou melhor, a violação culposa dos direitos de terceiros, gera a responsabilidade que é convertida na reparação dos efeitos diretamente produzidos pela injúria cometida; e se o dano não foi causado, a reparação determina a obrigação de colocar o direito lesado no estado em que se encontrava antes da ofensa; e se houve dano, a reparação se transforma em ressarcimento” (tradução livre).
Originariamente, da culpa independia a responsabilidade, do que se valeram os opositores para formular a teoria da responsabilidade objetiva. Em tese, porém, toda obrigação se origina da culpa. É a prevalência da responsabilidade subjetiva. Sem culpa não decorrem obrigações, impera no direito alemão. Eis o ensinamento de Larenz, sistematizando uma doutrina clássica solidificada universalmente: “Para la fundamentación del deber de indemnización no basta, sin embargo, en general que el daño se base en una acción o en una omisión que según su carácter objetivo sea antijurídica, sino que además ha de añadirse un factor o elemento subjetivo: al agente le ha de alcanzar culpabilidad. El requisito de la culpa se deriva del principio de la responsabilidad personal. Este afirma que el hombre se reconoce idéntico con su acción, se identifica con ella (como su autor espontaneo), que él juzga del mérito o demérito de sus obras (juicio que es ineludible) y que acepta (o ha de aceptar sobre si) las consecuencias de su acción como algo que a él le concierne directamente”.
Pela teoria da responsabilidade subjetiva, só é imputável, a título de culpa, aquele que praticou o fato culposo possível de ser evitado. Não há responsabilidade quando o agente não pretendeu nem podia prever, tendo agido com a necessária cautela.
No sentir de Caio Mário da Silva Pereira, “a conduta humana pode ser obediente ou contraveniente à ordem jurídica. O indivíduo pode conformar-se com as prescrições legais, ou proceder em desobediência a elas. No primeiro caso, encontram-se os atos jurídicos. No segundo, estão os atos ilícitos, concretizados em um procedimento em desacordo com a ordem legal”.
O ato jurídico submete-se à ordem constituída e respeita o direito alheio, ao passo que o ato ilícito é lesivo ao direito de outrem. Daí que se impõe a obrigatoriedade da reparação àquele que, transgredindo a norma, causa dano a terceiro.
O ato ilícito decorre da conduta antissocial do indivíduo, manifestada intencionalmente ou não, bem como por comissão ou omissão, ou apenas por descuido ou imprudência. Vale afirmar que o ato ilícito nasce da culpa, no sentido amplo, abrangendo o dolo e a culpa propriamente dita, distinção não importante para a reparação do dano.
Por isso, a indenização é imposta a todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar prejuízo. A conduta antijurídica realiza-se com o comportamento contrário ao direito, provocando o dano. A formação do nexo causal entre aquela conduta e a lesão provocada enseja a responsabilidade.
É ela responsabilidade por fato próprio se o agente provoca o dano. Diz-se por fato de terceiro se existe vínculo jurídico causal com o terceiro; e denomina-se pelo fato das coisas quando o dano é causado por um objeto ou animal, cuja vigilância ou guarda é imposta a uma pessoa.
A par da responsabilidade em virtude de ato ilícito, há a responsabilidade desvinculada do pressuposto da conduta antijurídica, não se questionando a respeito da culpa. É a responsabilidade objetiva, pela qual a obrigação de reparar o dano emerge da prática ou da ocorrência do fato.
Isso porque o conceito de culpa é insuficiente para justificar o dever de satisfazer muitos prejuízos. Nem todos os males que acontecem desencadeiam-se por motivo de atitudes desarrazoadas ou culposas. Basta, para obrigar, a causalidade entre o mal sofrido e o fato provocador.
Fundamentalmente, é a tese que defende o dever de indenizar pela simples verificação do dano, sem necessidade de se cogitar do problema da imputabilidade do evento à culpa do agente.
Os acontecimentos prejudiciais aos interesses e ao patrimônio do lesado não encontram explicação em uma conduta censurável do agente. A vida, cada vez mais complexa, coloca-nos diante de inúmeras situações sem que com relação a elas influa o proceder da pessoa. Não é aceitável ficar o homem a descoberto dos prejuízos advindos. É o caso do acidente de trabalho, do prejuízo provocado pela queda de uma parede sobre a propriedade do vizinho, ou sobre um bem de terceiro.
Hipóteses há em que o elemento culpa é tão leve e imperceptível que passa quase despercebido. É muito perigoso deixar ao arbítrio do seu exame, das limitações do indivíduo, a sua constatação. No acidente provocado por animal, tem-se entendido que a simples fuga do interior de um cercado já é suficiente para tipificar a culpa in vigilando, mesmo revelando o proprietário cuidados e diligência incomuns nas medidas atinentes à segurança alheia.
Os autores justificam a sua existência com a teoria do risco. Todo aquele que dispõe de um bem deve suportar o risco decorrente a que se expõem os estranhos. Com maior razão, quando o bem é instrumento que oferece perigo.
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