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Das cláusulas restritivas do testamento e o projeto de reforma do CC

CLÁUSULA DE IMPENHORABILIDADE

CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE

CLÁUSULA DE INCOMUNICABILIDADE

CLÁUSULAS RESTRITIVAS DO TESTAMENTO

DIREITO SUCESSÓRIO

HERDEIROS

REFORMA DO CÓDIGO CIVIL

TESTAMENTO

ZENO VELOSO

Flávio Tartuce

Flávio Tartuce

25/11/2025

Como tenho destacado neste canal, em uma série de artigos que segue com este, o projeto de reforma do CC – PL 4/25 – traz redução de burocracias para o instituto do testamento. Neste texto analisarei as propostas relativas à suas cláusulas restritivas, que são três.

O que são as cláusulas restritivas do testamento

Pela cláusula de inalienabilidade, veda-se a alienação do bem clausulado, seja por venda, doação, dação em pagamento, transação, hipoteca, penhor, entre outros. Essa é considerada a mais restritiva de todas, sendo certo que a sua inclusão gera automaticamente a inclusão das duas seguintes, como está previsto no art. 1.911, caput, do CC: “a cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade”.

Cláusula de incomunicabilidade e seus efeitos

Segundo a cláusula de incomunicabilidade, afasta-se a comunicação do bem em qualquer regime adotado, mesmo na comunhão universal, como está previsto no art. 1.668, inc. I, do CC. Advirta-se que a cláusula de incomunicabilidade somente impede que a pessoa receba o bem em vida, e, conforme tem decidido o STJ, “a cláusula de incomunicabilidade imposta a um bem não se relaciona com a vocação hereditária. Assim, se o indivíduo recebeu por doação ou testamento bem imóvel com a referida cláusula, sua morte não impede que seu herdeiro receba o mesmo bem” (STJ, REsp 1.552.553/RJ, 4.ª turma, rel. min. Maria Isabel Gallotti, j. 24/11/2015, DJe 11/2/2016).

Cláusula de impenhorabilidade e possibilidade de alienação

Por fim, a cláusula de impenhorabilidade impede que o bem seja penhorado, constrito para garantia de uma execução. De todo modo, não é ela óbice para que ocorra a alienação do bem, ou que ele seja dado em garantia. Consoante ementa doutrinária aprovada na I Jornada de Direito Notarial e Registral, em agosto de 2022, “a cláusula de impenhorabilidade, imposta em doação ou testamento, não obsta a alienação do bem imóvel, nem a outorga de garantia real convencional ou o oferecimento voluntário à penhora, pelo beneficiário” (Enunciado 27).

O que muda com o projeto de reforma do Código Civil

Pois bem, no atual sistema, essas cláusulas restritivas estão previstas no art. 1.848 do CC, que tem a seguinte redação:

“Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.

§ 1.º Não é permitido ao testador estabelecer a conversão dos bens da legítima em outros de espécie diversa.

§ 2.º Mediante autorização judicial e havendo justa causa, podem ser alienados os bens gravados, convertendo-se o produto em outros bens, que ficarão sub-rogados nos ônus dos primeiros”.

Nos termos do seu caput, as referidas cláusulas devem ser justificadas quando inseridas sobre a legítima, quota dos herdeiros necessários. Há tempos a doutrina tem criticado a eficiência dessa exigência, entre os quais o saudoso Zeno Veloso, que sempre destacou as dificuldades de análise dos limites e das possibilidades dessa imposição, o que pode gerar uma discussão interminável entre os herdeiros, travando o inventário.

No projeto de reforma do CC, elaborado pela Comissão de Juristas nomeada no Senado Federal, sugere-se a retirada da justa causa nas três modalidades. Assim, o caput do art. 1.848 passará a prever, de forma direta e simplificada, seguindo-se as máximas que geraram a sua elaboração, que “pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima”.

Essa parece ser, sem dúvidas, a melhor proposição para o tema. Como explica José Fernando Simão, “a principal alteração feita no art. 1.848 é a supressão da exigência de justa causa para clausular a legítima. A Comissão entendeu que o animus protetivo do herdeiro necessário já se mostra ínsito à própria clausulação e que deve prevalecer o direito à liberdade testamentária quando confrontado com o direito fundamental à herança dos herdeiros necessários. Assim, segue a jurisprudência, que já vem flexibilizando a rigidez da clausulação. Ademais, a justificativa da cláusula de incomunicabilidade já era repudiada pela doutrina” (SIMÃO, José Fernando. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2025, p. 1893).

Seguindo-se na análise do comando vigente, o § 1º do art. 1.848 do CC trata da proibição da conversão de bens. Como explica novamente e exemplifica José Fernando Simão, “a conversão significa que o testador determina em seu ato de última vontade a venda de bens deixados que devem ser trocados por outros. Exemplo disso se verificaria se fosse determinado à herdeira que, após a morte do testador, a venda da fazenda para a aquisição de títulos da dívida pública” (SIMÃO, José Fernando. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2025, p. 1892).

No projeto de reforma do CC pretende-se incluir uma exceção na norma em vigor, admitindo que a conversão seja feita em dinheiro, e passando o novo § 2.º do art. 1.848 a prever que “não é permitido ao testador estabelecer a conversão dos bens da legítima em outros de espécie diversa, salvo se a conversão for determinada em dinheiro”. Penso que a solução é equilibrada, chegando a um bom termo para a temática, igualmente destravando o instituto e afastando disputas indesejadas entre os herdeiros, premissas que guiaram as propostas.

Voltando-se à norma que hoje está em vigor, como se pode perceber da leitura do § 2.º do art. 1.848, por meio de autorização judicial e em havendo justa causa – mais uma vez -, é possível a alienação dos bens clausulados. Em casos tais, o produto da venda deve ser destinado para a aquisição de outros bens, em substituição ou sub-rogação real, que permanecerão com as cláusulas dos primeiros.

Jurisprudência sobre a flexibilização das cláusulas restritivas

A jurisprudência há tempos tem mitigado o rigor no levantamento da restrição da inalienabilidade. De início, o STJ há tempos tem considerado que, “se a alienação do imóvel gravado permite uma melhor adequação do patrimônio à sua função social e possibilita ao herdeiro sua sobrevivência e bem-estar, a comercialização do bem vai ao encontro do propósito do testador, que era, em princípio, o de amparar adequadamente o beneficiário das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade” (STJ, REsp 1.158.679/MG, 3.ª turma, rel. min. Nancy Andrighi, j. 7/4/2011, DJe 15/4/2011).

Na mesma linha, de data mais recente, concluiu-se no Tribunal da Cidadania pela “possibilidade de cancelamento da cláusula de inalienabilidade após a morte dos doadores, passadas quase duas décadas do ato de liberalidade, em face da ausência de justa causa para a sua manutenção. Interpretação do art. 1.848 do CC à luz do princípio da função social da propriedade” (STJ, REsp 1.631.278/PR, 3.ª turma, rel. min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 19/3/2019, DJe 29/3/2019). A título de exemplo, imagine-se o caso de um imóvel rural que se encontra improdutivo porque a cláusula de inalienabilidade obsta que se obtenha um financiamento para o desenvolvimento da atividade agrária. Essa situação, por si só, já deve bastar para o cancelamento da cláusula, não havendo a necessidade de se debater qualquer outro requisito para tanto.

Em 2022, surgiu outro aresto do Tribunal da Cidadania, que levou em conta as regras do Estatuto do Idoso para o cancelamento da restrição, trazendo, ainda, critérios que devem ser considerados pelo julgador. Vejamos o seu trecho principal:

“(…). Cinge-se a controvérsia a definir se o cancelamento das cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade melhor promoveria os direitos fundamentais dos recorrentes, pessoas idosas, e se existente ou não justa causa para o levantamento dos gravames no imóvel rural dos recorrentes. No caso, a alegação de afronta aos arts. 2.º, 3.º e 37 do Estatuto da Pessoa Idosa deve ser analisada em conjunto com a arguição de violação do art. 1.848 do CC/2002, por meio de interpretação sistemática e teleológica. A possibilidade de cancelamento das cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade instituída pelos doadores depende da observação de critérios jurisprudenciais: (i) inexistência de risco evidente de diminuição patrimonial dos proprietários ou de seus herdeiros (em especial, risco de prodigalidade ou de dilapidação do patrimônio); (ii) manutenção do patrimônio gravado que, por causa das circunstâncias, tenha se tornado origem de um ônus financeiro maior do que os benefícios trazidos; (iii) existência de real interesse das pessoas cuja própria cláusula visa a proteger, trazendo-lhes melhor aproveitamento de seu patrimônio e, consequentemente, um mais alto nível de bem-estar, como é de se presumir que os instituidores das cláusulas teriam querido nessas circunstâncias; (iv) ocorrência de longa passagem de tempo; e, por fim, nos casos de doação, (v) se já sejam falecidos os doadores. Na hipótese, todos os critérios jurisprudenciais estão presentes” (STJ, REsp 2.022.860/MG, 3.ª turma, rel. min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 27/9/2022, DJe 30/9/2022).

Essa tem sido a forma de julgar o tema na Corte Superior, sobretudo na sua 3ª turma, sendo relevante o último julgado, pela menção aos critérios para o cancelamento das cláusulas restritivas.

Seguindo-se essa posição hoje majoritária, que tem o meu total apoio doutrinário, mais uma vez no projeto de reforma do CC pretende-se destravar o testamento, facilitando o levantamento dos gravames que foram nele inseridos, e a alienação dos bens, o que segue a linha de outras proposições adotadas pela Comissão de Juristas nomeada no Senado Federal. Nesse contexto, o § 1.º do art. 1.848 do CC, com menor rigidez, passará a prever que, “com autorização judicial e havendo justa causa, podem ser alienados os bens gravados, mediante sub-rogação, ou levantados os gravames”.

Como se nota, não haverá mais menção à sub-rogação real das cláusulas em outros bens, o que representa hoje indesejada intervenção na propriedade, esperando-se a aprovação de todas essas proposições pelo Congresso Nacional, em prol de uma maior simplificação do Direito Civil Brasileiro.

Fonte: Migalhas


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