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Ao completar 3 anos, coluna passa por reestruturação e conversa com Ayrton Pimentel
ilangoldberg
22/01/2025
Ao completar 3 anos de idade, esta coluna Seguros Contemporâneos passa por uma reestruturação e — já a partir da primeira publicação em 2025 — temos o prazer de contar com a assinatura de Gustavo de Medeiros Melo, doutor em Direito Processual Civil (PUC-SP) e autor de vários trabalhos em matéria securitária.
E para iniciar o novo ano de forma brilhante, entrevistamos o doutor Ayrton Pimentel, uma vida dedicada à advocacia securitária, responsável por formar profissionais de destaque hoje em escritórios e companhias seguradoras. Estudioso do direito securitário, especialmente dos seguros de pessoas, o dr. Ayrton foi homenageado recentemente em coletânea organizada por um grupo de amigos e admiradores intitulada “Estudos em homenagem a Ayrton Pimentel: temas de direito do seguro” (Editora Roncarati). Do alto dos seus 85 anos, com a mesma lucidez e simpatia de sempre, concedeu-nos essa entrevista que temos o prazer de transmitir.
Com desejos de um excelente 2025 aos nossos leitores,
Quando e como o senhor iniciou sua atividade profissional?
Logo após o término de minha graduação, em 1963, houve o golpe militar de 1964. Os festejos de minha formatura, dos quais não participei, ocorreram nos exatos dias do início do golpe militar. Enquanto os meus colegas festejavam alegremente o encerramento do curso, os militares destruíam a incipiente democracia brasileira e muitos sonhos daqueles que pretendiam fazer do Brasil um país melhor.
Fiz o curso de graduação na Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie. Na São Francisco, fiz os cursos de pós-graduação onde obtive os títulos de especialização em direito civil e direito comercial e, posteriormente, o de mestre.
Durante o curso de graduação estagiei, em regime de meio período, no escritório do conceituado comercialista, professor José Barbosa de Almeida. O escritório era de poucas causas, mas as existentes eram complexas, de elevado valor pecuniário. A remuneração era módica, mas o aprendizado difícil de medir.
Foi então que o professor de Direito Penal do Mackenzie, professor Paulo José da Costa Jr., ofereceu ao colega Armando Ribeiro Gonçalves Jr. e a mim, uma única vaga de advogado em uma seguradora, a Meridional Cia. de Seguros Gerais, cabendo-nos o ônus de escolher qual dos dois ficaria com a vaga. De imediato, o Armando, cavalheiro que era e é, deu-me a vaga, sob o argumento de que, por estar casado, maior minha necessidade.
Iniciou-se então minha definitiva inflexão ao Direito do Seguro.
Depois de formado, o que o levou à pós-graduação na velha Faculdade de Direito do Largo de São Francisco nos anos 1970? Como era o ambiente acadêmico naquela época?
Ao tomar conhecimento de minha contratação pela seguradora, o professor Barbosa de Almeida chamou-me para uma conversa e aconselhou-me a estudar profundamente o direito do seguro, pois, dizia ele, ninguém conhece seguro no Brasil, à exceção do professor Fábio Comparato, “mas esse é gênio e gênio não conta”. Disse-me, ainda, o professor Barbosa de Almeida, vá para a Faculdade de Direito do Largo São Francisco e faça pós-graduação. Sábios conselhos.
Não tinha noção do que seria a atividade de seguros. Qual seria a função de uma seguradora? Apesar disso, aceitei a vaga, restando-me uma única alternativa: desvendar o enigma e estudar com afinco o direito de seguro.
Independente da minha atuação na seguradora, matriculei-me, após teste, no curso de especialização da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, na área de concentração em Direito Civil, especificamente sobre Responsabilidade Civil, ministrado pelo professor Silvio Rodrigues, e Direito Comercial, como área de complementação, ministrado pelo prof. Oscar Barreto.
Aos que completassem, com êxito, a especialização, era atribuído o título de especialista. Para obter tal distinção, apresentei, na área de concentração, trabalho sobre seguro de responsabilidade civil, sendo arguido pelo professor Silvio Rodrigues e por ele aprovado. Na área de Direito Comercial, o trabalho foi sobre seguro de crédito. A arguição ficou a cargo do professor Fábio Konder Comparato, justamente o autor da obra “Seguro de Crédito”. O questionamento do professor Comparato foi de um rigor extremo. Mas, ao final, fui também por ele aprovado.
E como veio o mestrado? Por que a predileção pelo grupo dos seguros de pessoas? Havia algum trabalho de pós-graduação desenvolvido em matéria securitária?
Como, a partir de 1971, o direito da São Francisco começou a oferecer cursos de pós-graduação objetivando a formação de mestres e doutores, inscrevi-me no curso de direito civil, novamente sob a orientação do professor Silvio Rodrigues.
Ao ensejo da dissertação de mestrado, o professor Fábio Konder Comparato sugeriu-me dissertar sobre o seguro de vida em grupo, pois minha experiência prática seria muito importante para consecução do trabalho.
Ao me debruçar sobre o tema da dissertação, dei-me conta que minha experiência se resumia a um só aspecto do contrato de seguro de vida em grupo. Aspecto importante é verdade, mas um só aspecto, ou seja, a relação entre segurados e seguradora. O seguro de vida em grupo era muito mais que isso, em sua totalidade abarcava um feixe de relações: entre estipulante (empregador) e seguradora; estipulante e segurados, segurados e seguradora.
Infelizmente não percebera a complexidade do seguro em estudo. Era, enfim, um contrato de elevada complexidade, ainda não devidamente estudado.
Após muito esforço, muito estudo e muita reflexão, concluí ser o seguro de vida em grupo um contrato plurilateral, com características próprias, diferente do contrato plurilateral associativo, o mais conhecido e mais estudado dos contratos plurilaterais.
Submetida a uma Banca, constituída pelos profs. Silvio Rodrigues, orientador, Antônio Junqueira de Azevedo e Irineu Strenger, a dissertação sobre o seguro em grupo restou aprovada. Segundo pesquisa feita na ocasião, foi o primeiro trabalho de pós-graduação em matéria de contrato de seguro apresentado na Faculdade de Direito da USP.
O sr. é coautor dos primeiros comentários ao Código Civil de 2002, na parte referente aos seguros. Como foi essa experiência?
Cerca de vinte anos depois, os colegas Ernesto Tzirulnik e Flávio Queiroz B. Cavalcanti, já falecido, convidaram-me a comentar os artigos referentes ao seguro de pessoas do novo Código Civil brasileiro, para livro ainda em gestação, que tomou a denominação de “O Contrato de Seguro — Novo Código Civil Brasileiro”.
A razão para o convite foi minha já velha dissertação de mestrado, conhecida por ambos, apesar de não publicada.
O convite deixou-me lisonjeado, em primeiro lugar pelo inconteste valor dos que convidaram, e, depois, pela possibilidade de ver publicado o núcleo dessa dissertação ainda inédito.
Foi um grande prazer escrever, não um ou outro artigo, mas toda a matéria a mim atribuída pelos colegas. Prazeroso, também, o convívio com esses dois extraordinários colegas durante a elaboração da obra.
Qual foi o caso mais sensível ou dramático que o senhor teve no seu escritório guardado na memória?
Para quem trabalha com seguro de pessoas, os casos sensíveis e até dramáticos, não são raros. Por falta de espaço, relatarei um só, por ser sucinto: recebi em minha sala uma senhora de meia idade, bem trajada, de porte elegante, que buscava receber o valor do seguro contratado por seu falecido marido, constando como beneficiários os herdeiros legais, no caso, dois filhos menores, não ela. Ao receber a notícia de não ser ela a beneficiária, essa mulher caiu em um choro profundo, inconformada com a atitude do marido, com quem mantivera uma relação de intensa afetividade e confiança mútua e agora via-se impedida de dispor livremente do valor do seguro. Descobria, tardiamente, não merecer a confiança do marido. Doutor, dizia ela, como vou fazer para pagar a prestação da casa? A escola dos meninos? Tentei convencê-la de que o marido provavelmente havia se enganado, por não saber o significado da expressão herdeiros legais, supondo ser ela a herdeira. Em vão, continuou o choro convulsivo, sentindo-se traída. Foi uma situação tensa, triste, humana e eu sem poder ajudá-la.
O que o motivou a escrever o livro “O beneficiário no seguro de vida” em 2017?
A denominada cláusula beneficiária foi sempre motivo de interpretações conflitantes entre os operadores dos seguros de vida. Esses conflitos geravam, na prática, situações difíceis de se entender, principalmente para o não especialista e até para esses. Assim, por exemplo, segurado com vários contratos de seguros de vida em seguradoras diversas, com a indicação de um mesmo beneficiário em todos eles, possibilitava interpretações várias, assim, determinada seguradora poderia concluir ser fulano o beneficiário e outra ser beltrano. Diante desse quadro, embora já aposentado, ao escrever o livro sobre “Beneficiário no Seguro de Vida”, moveu-me o desejo de refletir sobre essa importante questão, causadora de tantas dúvidas entre seus estudiosos.
Qual é a mensagem que o dr. Ayrton gostaria de dar aos mais jovens que já ingressaram ou têm a intenção de ingressar na área de seguros?
Ao fim dessas análises fica-me uma dúvida: teria eu cabedal suficiente para enviar uma mensagem aos jovens pretendentes a ingressar na área de seguros?
Arriscarei. Em minha vida profissional, percebi que os estudantes de direito, mesmo os advogados mais jovens, têm uma fixação com a prática. Para eles, o importante é saber a prática, por isso procuram, já no primeiro ano, estágios em escritórios de advocacia. Digo a eles: estudem em profundidade a teoria, com conhecimentos teóricos é que se resolvem problemas práticos. Os práticos logo estacionam, os teóricos voam mais alto.
Autores
- Ilan Goldberg é sócio fundador de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados, advogado e parecerista. Cursa estágio pós-doutoral em Direito Comercial na Faculdade de Direito da USP; é doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e mestre em Regulação e Concorrência pela Universidade Cândido Mendes (Ucam). É professor visitante da FGV Direito Rio. Membro dos conselhos editoriais da Revista de Direito Civil Contemporâneo (RDCC) e da Revista Jurídica da CNSeg.
- Gustavo de Medeiros Melo é sócio de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados, mestre e doutor em Direito Processual Civil (PUC-SP), membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do Centro de Estudos Avançados de Processo (Ceapro), árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (Cames), professor, autor de livros e trabalhos publicados em periódicos e coletâneas de direito processual e securitário.
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