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Adoção e Direito Intertemporal: Adoção standard do CC/1916, adoção simples e adoção plena

Carlos E. Elias de Oliveira
19/03/2025
Como ficam os direitos sucessórios de quem foi adotado antes, durante e depois do Código de Menores de 1979?
É em torno dessa indagação que gira o presente artigo, enfrentando um problema de direito intertemporal que ainda hoje frequenta os tribunais.
Definição da adoção na atualidade
A adoção é ato jurídico por meio de qual uma pessoa (adotado) recebe o estado civil de filho em relação ao adotante, com rompimento do anterior vínculo jurídico de filiação. O filho adotivo passa a ter todos os direitos dos filhos naturais (filhos biológicos), inclusive os decorrentes de vínculos com os parentes dos pais biológicos. É vedada qualquer discriminação entre os filhos por conta da origem (biológica ou adotiva), conforme art. 227, § 6º, CF1 e art. 41 do ECA2.
Essa é a chamada adoção plena, a única atualmente admitida no Brasil.
O problema de direito intertemporal da antiga adoção simples e da mais antiga adoção standard do CC/1916
Atualmente, não se admite mais a antiga adoção simples (também chamada de adoção restrita), que se distinguia da adoção plena por três principais características:
1 não rompia o vínculo jurídico de filiação anterior;
2 não formava vínculo com os parentes do adotante, mas apenas com o adotante;
3 o poder familiar passava do pai biológico ao pai adotivo.
Nesse tipo de adoção, o filho seguia com vínculo jurídico de filiação com os pais biológicos.
A adoção simples coexistia com a adoção plena após a entrada em vigor do Código de Menores de 19793, quando ainda vigia o CC/1916. A CF/1988, o ECA (que revogou o antigo Código de Menores) e o CC/2002 rejeitaram a adoção simples, porém4.
Essa mudança legislativa, porém, não prejudica as adoções simples até então ocorridas, porque novas leis devem respeitar atos jurídicos perfeitos (art. 6º, LINDB5). As adoções simples não se transformam automaticamente em adoções plenas com as novas leis, porque é preciso respeitar o ato jurídico perfeito.
Antes do Código de Menores de 1979, só havia uma espécie de adoção, disciplinada pelo CC/1916. Chamamo-la de adoção standard do CC/1916.
Daí se seguem algumas consequências práticas de direito intertemporal.
Uma delas é a de que, no caso de adoção simples (aquela ocorrida na vigência do Código de Menores de 1979), o adotado segue com direito sucessório em razão da morte de seus pais biológicos, com quem ainda mantém vínculo de filho. Nesse sentido, o STJ reconheceu que uma pessoa que havia sido adotada, de modo simples, pelos avós tinha direito hereditário por ocasião da morte de seu pai biológico após a entrada em vigor do CC/2002. Confira-se:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE CUMULADA COM PETIÇÃO DE HERANÇA. ADOÇÃO SIMPLES. PARENTESCO ENTRE ADOTANTE E ADOTADO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO SUCESSÓRIO. MANUTENÇÃO DO PARENTESCO NATURAL, EXCETO PODER FAMILIAR. ATO JURÍDICO PERFEITO, SE CUMPRIDOS OS REQUISITOS, FORMA E CONTEÚDO VIGENTES À ÉPOCA. DIREITO ADQUIRIDO AO REGIME SUCESSÓRIO EXISTENTE AO TEMPO DA ADOÇÃO. INOCORRÊNCIA. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO. DIREITO HEREDITÁRIO REGIDO PELA LEI VIGENTE AO TEMPO DA ABERTURA DA SUCESSÃO. SUPERVENIÊNCIA DE NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL E LEGAL. PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE FILHOS E PLENITUDE DA ADOÇÃO. FILHOS DE SEGUNDA LINHAGEM. IMPOSSIBILIDADE. TRANSFORMAÇÃO AUTOMÁTICA DE ADOÇÃO SIMPLES EM ADOÇÃO PLENA. IMPOSSIBILIDADE. PLENITUDE ADOTIVA QUE SE CARACTERIZA NÃO APENAS DO PONTO DE VISTA JURÍDICO, MAS TAMBÉM FÁTICO. INEXISTÊNCIA NA HIPÓTESE EM EXAME. RELAÇÃO PATERNO-FILIAL COM AVÔ MATERNO QUE SE INICIOU E FINDOU À ÉPOCA DAS ADOÇÕES SIMPLES. AUSÊNCIA DE PLENITUDE ADOTIVA. DIREITO DE INVESTIGAÇÃO DA VERDADE BIOLÓGICA E ANCESTRALIDADE E DIREITO SUCESSÓRIO CONFIGURADOS. PRECEDENTE DA 3ª TURMA NO RESP 1.477.498/SP INAPLICÁVEL À HIPÓTESE DIANTE DAS PARTICULARIDADES FÁTICAS. OMISSÃO QUANTO À BASE DE CÁLCULO DOS HONORÁRIOS. INOCORRÊNCIA. QUESTÃO DECIDIDA. PRETENSÃO, SENTENÇA E ACÓRDÃO CONDENATÓRIOS. RECURSO ESPECIAL QUE DISCUTE PROVEITO ECÔNOMICO. CONCEITOS JURÍDICOS DISTINTOS. SÚMULA 284/STF. HONORÁRIOS RECURSAIS. CONFIGURAÇÃO.
1- Ação proposta em 8/5/2018. Recursos especiais interpostos em 24/3/2022 e atribuídos à Relatora em 18/7/2022.
2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) em relação ao recurso especial de ANTONIO e OUTROS, se a pessoa que havia sido adotada pelos avós de forma simples na vigência do CC/1916 pode participar, na qualidade de descendente, da sucessão de seu pai biológico, que fora aberta apenas na vigência da Constituição Federal de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e do Código Civil de 2002, e se o Tribunal local, ao admitir essa possibilidade, dissentiu de precedente desta Corte; (ii) em relação ao recurso especial de POLIANA e OUTROS, se há omissões relevantes no acórdão recorrido e se os honorários advocatícios sucumbenciais foram arbitrados de maneira adequada, seja quanto à base de cálculo, seja quanto à majoração em virtude da atividade desenvolvida em grau recursal.
3- A adoção simples possuía, como características marcantes, o estabelecimento de parentesco somente entre adotante e adotado, a vedação de estabelecimento de direito de sucessão entre o adotado e os parentes do adotante e a ausência de extinção dos direitos e deveres que resultam do parentesco natural, exceto o poder familiar, que era transferido do pai natural para o adotivo.
4- A adoção simples realizada na vigência do CC/1916, se observados os requisitos, forma e conteúdo vigentes à época de sua prática, será considerado um ato jurídico perfeito e consumado, de modo que legislação superveniente não poderá exigir que esse mesmo seja novamente praticado em virtude da inexistência, na nova lei, da figura da adoção simples.
5- O ato jurídico perfeito de adoção simples não conduz à existência de um direito adquirido ao regime sucessório vigente ao tempo da consumação da adoção, pois, naquele momento, existia mera expectativa de direito que somente viria a se concretizar com o falecimento do autor da herança e que se se regerá pela lei vigente no momento da abertura da sucessão.
6- Examinada a questão sob diferente perspectiva, a superveniência de uma nova ordem constitucional e legal, que estabeleceu o princípio da igualdade entre os filhos e a plenitude da adoção, teve por finalidade afastar um antigo padrão social existente em nosso país até aquele momento histórico, mas que, ainda hoje, ainda se repete, felizmente em menor escala: a existência de filhos de segunda linhagem.
7- Nesse contexto, o princípio constitucional da igualdade entre os filhos é um freio, necessário e definitivo, a uma conduta social secular, preconceituosa, hipócrita e odiosa de discriminação e de diminuição humana, calcada simplesmente no fato de que o filho fora concebido fora da casta familiar e, por isso mesmo, seria indigno de frequentá-la.
8- De outro lado, a plenitude da adoção é tonificada com a máxima da desvinculação da família biológica enquanto meio e técnica de fortificação e de consolidação do vínculo familiar adotivo. Para que um vínculo filial originado de adoção seja igual ou mais forte do que um vínculo filial originado do laço sanguíneo, o passado não deve ser um assombro ou desassossego.
9- Para a transformação de uma adoção simples do regime anterior, cuja característica era a manutenção do vínculo com os pais biológicos, em adoção plena no ordenamento atual, com o imediato rompimento desse mesmo vínculo, não basta o reconhecimento jurídico de que o sistema provocou essa ruptura, mas, sim, é indispensável que se observe a existência da plenitude adotiva no mundo dos fatos, isto é, de que houve ruptura fática desse vínculo com a criação de um vínculo entre a adotada e o pai adotivo.
10- Na hipótese em exame, a autora foi adotada pelo avô materno em julho/1984 e ele veio a falecer em maio/1985, ambos os eventos ocorridos na constância da chamada adoção simples, de modo que não houve a transmudação da adoção simples em adoção plena pelo simples fato de, após esses eventos, ter havido uma ruptura constitucional e infraconstitucional para com o modelo adotivo anteriormente vigente.
11- Inexistente a transformação de adoção simples em adoção plena na hipótese em exame, é direito da autora não apenas investigar a sua verdade biológica e ancestralidade, mas também participar da sucessão de seu pai biológico, sob pena de ofensa à isonomia entre os filhos garantido pelo texto constitucional e de reavivar a sepultada ideia de que ainda existiriam filhos de segunda linhagem.
12- Não se aplica à hipótese a tese firmada no REsp 1.477.498/SP diante das diferentes particularidades fáticas existentes na hipótese em julgamento, seja porque a adoção simples se deu por membro da própria entidade familiar, seja porque o rompimento da relação paterno-filial entre adotante e adotado ocorreu imediatamente após a adoção e ainda na vigência da legislação revogada, circunstâncias não verificadas no precedente.
13- Não há que se falar em omissão quanto à base de cálculo dos honorários sucumbenciais quando a questão foi efetivamente examinada pelo acórdão recorrido.
14- Formulada pela parte pretensão de natureza condenatória julgada procedente pela sentença e mantida pelo acórdão, e tendo ambas as decisões judiciais fixado os honorários sucumbenciais, por equidade, porque ínfimo o valor atribuído à causa, não se conhece do recurso especial que impugna o acórdão ao fundamento de que, em verdade, os honorários deveriam ser arbitrados com base em proveito econômico, eis que condenação e proveito econômico são conceitos jurídicos distintos. Aplicabilidade da Súmula 284/STF.
15- Desprovida a apelação interposta pelos réus, os únicos a recorrem da sentença quanto ao mérito e os únicos a quem fora imposta a condenação sucumbencial, impõe-se a majoração da verba honorária em virtude da atividade desenvolvida em grau recursal pelos patronos da autora, na forma do art. 85, § 11, do CPC/15.
16- Recurso especial de ANTONIO e OUTROS conhecido e não-provido, com majoração de honorários; recurso especial de POLIANA e OUTROS parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido, a fim de majorar a verba honorária devida em virtude do desprovimento da apelação.
(REsp n. 2.013.399/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 3/10/2023, DJe de 9/10/2023.)
Outra consequência prática de direito intertemporal é que as regras sucessórias são aquelas vigentes ao tempo da morte (abertura da sucessão). Daí se segue que, no caso de sucessões abertas após a vigência do CC/2002, inexiste direito hereditário a filhos adotivos no caso de adoção simples (as ocorridas na vigência do Código de Menores de 1979). É irrelevante que, antes do CC/2002, a adoção simples gerasse direitos hereditários em relação aos pais adotivos, pois inexiste direito adquirido a regime jurídico sucessório. Com o CC/2002, só se defere direito hereditário a filhos adotivos na hipótese de adoção plena. Logo, mortes ocorridas na vigência do CC/2002 atraem a aplicação das regras hereditárias então em vigor. Não se pode considerar que as antigas adoções simples tenham sido convertidas automaticamente em adoções plenas com as mudanças legislativas, sob pena de violação a ato jurídico perfeito. Veja estes julgados do STJ:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – HABILITAÇÃO EM INVENTÁRIO JUDICIAL – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. IRRESIGNAÇÃO DO AGRAVANTE.
(…)
- O regime jurídico que regula a legitimidade para suceder é aquele da data da abertura da sucessão. Devem ser aplicadas, portanto, no que couberem, as normas de direito de família vigentes ao tempo da abertura sucessão. Inteligência do art. 1787 do Código Civil de 2002.
2.1 O fato de a recorrida ter sido adotada deve ser interpretado à luz do regime vigente ao tempo abertura da sucessão, independentemente da adoção ter ocorrido sob a égide da legislação anterior, em 1972. Precedentes.
2.2 No caso concreto, ao tempo da abertura da sucessão sub judice (2006), o instituto da adoção estava submetido ao atual regime jurídico, que restringe a adoção à modalidade plena (adoção cria vínculo plenos, irrestritos do adotado com o adotante e seus familiares). Não seria possível, então, dar sobrevida à modalidade de adoção simples, própria do diploma civil revogado, para excluir os direitos sucessórios da recorrida. Súmula 83 do STJ.
- Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp n. 1.150.025/BA, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 14/2/2017, DJe de 22/2/2017.)
RECURSO ESPECIAL – PROCEDIMENTO DE INVENTÁRIO – SUCESSÃO LEGÍTIMA E TESTAMENTÁRIA – EXCLUSÃO DE NETAS BIOLÓGICAS – ADOÇÃO SIMPLES REALIZADA POR TERCEIRO SEM PARENTESCO COM A DE CUJUS – TRIBUNAL A QUO QUE MANTEVE A DECISÃO DE EXCLUSÃO ANTE A APLICAÇÃO DAS REGRAS ATUAIS QUANTO AO INSTITUTO DA ADOÇÃO – INSURGÊNCIA DAS EXCLUÍDAS.
Hipótese: Discussão acerca da aplicação, à adoção realizada sob a vigência do Código Civil de 1916, do regime atual da adoção, que rompe completamente os vínculos com a família biológica, a inviabilizar a habilitação das adotadas como herdeiras legítimas da avó biológica.
- Viabilidade de apreciação da violação ao artigo 6º da LINDB por via de Recurso Especial. Alegação de afronta ao direito adquirido por aplicação da lei ao caso concreto, e não por comando legal que determinasse a retroatividade da lei. Precedentes.
- A capacidade para suceder e o direito à herança são aferidos conforme a lei do tempo da abertura da sucessão, nos termos do artigo 1.787 do Código Civil de 2002. Inexistência de direito adquirido à sucessão.
- Inexistência de violação a ato jurídico perfeito. A adoção no caso concreto foi feita no intuito de acolher as recorrentes em nova família. Impossibilidade de realizar a adoção em outra modalidade que não a simples, uma vez que o adotante não tinha, em 1977, outra possibilidade legal, considerando as condições das adotadas.
3.1. Não há direito adquirido ao regime anterior de adoção. Conforme a doutrina e a jurisprudência pátrias, institutos ou conjunto de regras podem ser alterados pelo legislador, modificando os efeitos presentes e futuros de atos passados 3.2 Ocorrência da retroatividade mínima ou eficácia imediata das disposições constitucionais sobre Direito de Família. A Constituição determinou, por meio do artigo 227, § 6º, a igualdade entre filhos, mesmo que havidos por adoção. Eficácia imediata das normas constitucionais.
3.3 A aplicação do dispositivo constitucional impede que as recorrentes utilizem o regime anterior da adoção para figurarem como herdeiras da avó biológica.
- Recurso especial DESPROVIDO.
(REsp n. 1.116.751/SP, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 27/9/2016, DJe de 7/11/2016.)
Há, porém, uma advertência a ser feita. Trata-se de casos de adoção ocorridas antes do Código de Menores de 1979, ou seja, antes de ter sido criada a figura da adoção plena e da adoção simples. Nesses casos, só havia um tipo de adoção, que chamamos de adoção standard do CC/1916, a qual era a única devida. Essa adoção standard do CC/1916 não afastava os direitos hereditários em relação aos parentes biológicos, conforme os já revogados arts. 376 e 378 do CC/19166. Aproximava-se ao que o Código de Menores de 1979 veio a batizar de adoção simples, mas não deve ser considerada igual. Isso, porque, antes do Código de Menores de 1979, não havia duas opções de Adoção (a simples e a plena); só existia a adoção standard do CC/1916.
Por essa razão, parece-nos correta a tendência do STJ em entender que a adoção standard do CC/1916 (anterior ao Código de Menores de 1979), por ser a única opção disponível à época, deve ser tradada como adoção plena para fins sucessórios no caso de morte dos pais biológicos ocorridas após a entrada em vigor do ECA e do CC/2002. Deve-se, pois, considerar que, após essas novas leis, teria havido uma ruptura do vínculo jurídico com a família biológica. Daí se segue que, no caso de morte dos parentes biológicos, não haverá direito hereditário ao filho que veio a ser adotado antes do Código de Menores de 1979. Seu direito hereditário repousa apenas no caso de falecimentos de parentes adotivos. Veja:
PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. CIVIL. ADOÇÃO OCORRIDA SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 [ADOÇÃO OCORREU EM 1969, ANTES, PORTANTO DO CÓDIGO DE MENORES DE 1979]. FALECIMENTO DE ASCENDENTE BIOLÓGICO. DIREITO SUCESSÓRIO. LEI VIGENTE À ÉPOCA DA ABERTURA DA SUCESSÃO. APLICAÇÃO. EXCLUSÃO LEGÍTIMA DOS ADOTADOS. ART. 227, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE OS FILHOS. INTERPRETAÇÃO CONFORME.
- Afasta-se a alegada violação do art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido, integrado pelo julgado proferido nos embargos de declaração, dirime, de forma expressa, congruente e motivada, as questões suscitadas nas razões recursais.
- A adoção constituída na vigência do Código Civil de 1916, consoante o disposto nos arts. 376 e 378, não extinguia o vínculo de parentesco natural, preservando, assim, o direito sucessório do adotado com relação aos parentes consanguíneos.
- Não há direito adquirido à sucessão, que se estabelece por ocasião da morte, pois é nesse momento em que se dá a transferência do acervo hereditário aos titulares, motivo pelo qual é regulada pela lei vigente à data da abertura (art. 1.577 do Código Civil de 1916 e art. 1.787 do Código Civil de 2002).
- In casu, quando do falecimento da avó biológica, vigia o art. 1.626 do Código Civil de 2002 (revogado pela lei 12.010/2009), segundo o qual a adoção provocava a dissolução do vínculo consanguíneo. Assim, com a adoção, ocorreu o completo desligamento do vínculo entre os adotados e a família biológica, revelando-se escorreita a decisão que os excluíra da sucessão porquanto, na data da abertura, já não eram mais considerados descendentes.
- A interpretação do art. 227, § 6º, da Constituição Federal, que instituiu o princípio da igualdade entre os filhos, veda que, dentro da família adotante, seja concedido, com fundamento em dispositivo legal do Código Civil de 1916, benefício sucessório extra a determinados filhos que implique reconhecer o direito de participar da herança dos parentes adotivos e dos parentes consanguíneos.
- Recurso especial desprovido.
(REsp n. 1.477.498/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 23/6/2015, DJe de 30/6/2015.)
Direito civil e processual civil. Recurso especial. Família. Adoção de menor. [ADOÇÃO OCORREU EM 1969, ANTES, PORTANTO DO CÓDIGO DE MENORES DE 1959]. Lei vigente. Aplicabilidade. Sucessão. Ordem de vocação hereditária. Legitimidade dos irmãos.
- Nas questões que versam acerca de direito sucessório, aplica-se a lei vigente ao tempo da abertura da sucessão.
- As adoções constituídas sob a égide dos arts. 376 e 378 do CC/16 não afastam o parentesco natural, resultante da consangüinidade, estabelecendo um novo vínculo de parentesco civil tão-somente entre adotante(s) e adotado.
- Tem, portanto, legitimidade ativa para instaurar procedimento de arrolamento sumário de bens, o parente consangüíneo em 2º grau na linha colateral (irmão natural), notadamente quando, pela ordem de vocação hereditária, ausentes descendentes, ascendentes (naturais e civis), ou cônjuge do falecido.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp n. 740.127/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 11/10/2005, DJ de 13/2/2006, p. 799.)

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1 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
(…)
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
2 Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.
§ 1º Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os respectivos parentes.
§ 2º É recíproco o direito sucessório entre o adotado, seus descendentes, o adotante, seus ascendentes, descendentes e colaterais até o 4º grau, observada a ordem de vocação hereditária.
3 O Código de Menores de 1979 (Lei nº 6.697/1979) criou a adoção simples e a adoção plena: os seus arts. 27 a 37 tratavam das duas figuras. Veja:
Subseção V
Da Adoção Simples
Art. 27. A adoção simples de menor em situação irregular reger-se-á pela lei civil, observado o disposto neste Código.
Art. 28. A adoção simples dependerá de autorização judicial, devendo o interessado indicar, no requerimento, os apelidos de família que usará o adotado, os quais, se deferido o pedido, constarão do alvará e da escritura, para averbação no registro de nascimento do menor.
§ 1º A adoção será precedida de estágio de convivência com o menor, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas a idade do adotando e outras peculiaridades do caso.
§ 2º O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando não tiver mais de um ano de idade.
Subseção VI
Da Adoção Plena
Art. 29. A adoção plena atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.
Art. 30. Caberá adoção plena de menor, de até sete anos de idade, que se encontre na situação irregular definida no inciso I, art. 2º desta lei, de natureza não eventual.
Parágrafo único. A adoção plena caberá em favor de menor com mais de sete anos se, à época em que completou essa idade, já estivesse sob a guarda dos adotantes.
Art. 31. A adoção plena será deferida após período mínimo de um ano de estágio de convivência do menor com os requerentes, computando-se, para esse efeito, qualquer período de tempo, desde que a guarda se tenha iniciado antes de o menor completar sete anos e comprovada a conveniência da medida.
Art. 32. Somente poderão requerer adoção plena casais cujo matrimônio tenha mais de cinco anos e dos quais pelo menos um dos cônjuges tenha mais de trinta anos.
Parágrafo único. Provadas a esterilidade de um dos cônjuges e a estabilidade conjugal, será dispensado o prazo.
Art. 33. Autorizar-se-á a adoção plena ao viúvo ou à viúva, provado que o menor está integrado em seu lar, onde tenha iniciado estágio de convivência de três anos ainda em vida do outro cônjuge.
Art. 34. Aos cônjuges separados judicialmente, havendo começado o estágio de convivência de três anos na constância da sociedade conjugal, é lícito requererem adoção plena, se acordarem sobre a guarda do menor após a separação judicial.
Art. 35. A sentença concessiva da adoção plena terá efeito constitutivo e será inscrita Registro Civil mediante mandado, do qual não se fornecerá certidão.
§ 1º A inscrição consignará o nome dos pais adotivos como pais, bem como o nome de seus ascendentes.
§ 2º Os vínculos de filiação e parentesco anteriores cessam com a inscrição.
§ 3º O registro original do menor será cancelado por mandado, o qual será arquivado.
§ 4º Nas certidões do registro nenhuma observação poderá constar sobre a origem do ato.
§ 5º A critério da autoridade judiciária, poderá ser fornecida certidão para salvaguarda de direitos.
Art. 36. A sentença conferirá ao menor o nome do adotante e, a pedido deste, poderá determinar a modificação do prenome.
Art. 37. A adoção plena é irrevogável, ainda que aos adotantes venham a nascer filhos, as quais estão equiparados os adotados, com os mesmos direitos e deveres.
4 O instituto da adoção do CC/1916 foi, ao longo da história, sendo flexibilizado, pois havia nascido com muito formalismo. Nasceu como uma adoção simples com muitas restrições. Houve até a criação da figura da “legitimação adotiva” pela lei 4.655/1965 nessa marcha de flexibilização. Mas foi só com o Código de Menores de 1979 que se desenhou a adoção plena, que substituiu a legitimação adotiva e que se contrapunha à adoção simples. A adoção simples era a regida pela lei civil e aplica-se a “menor em situação irregular” (art. 27 do revogado Código de Menores de 1979). Já. adoção plena era a que desligava o adotado do vínculo com seus parentes biológicos (art. 29 do revogado Código de Menores de 1979). Sobre o tema, veja este histórico de Hugo Nigro Mazzilli:
A adoção, por qualquer de suas atuais formas, é ficção jurídica que estabelece entre adotante e adotado uma relação de paternidade e filiação. Com as excessivas exigências originariamente previstas no Código Civil de 1916, estava fadada a ser instituto sem a penetração esperada (somente o maior de cinquenta anos sem descendentes legítimos ou legitimados, poderia adotar, e desde que fosse pelo menos dezoito anos mais velho que o adotado; cf. arts. 368 e s.).
Mesmo com as modificações trazidas pela lei 3.133/57, ainda se ficou a meio caminho para uma real simplificação (a idade do adotante foi reduzida para trinta anos; a diferença de idades foi atenuada para dezesseis anos; permitiu-se a adoção mesmo se o adotante tivesse filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, mas sem envolver sucessão hereditária; estipulou-se que ninguém poderia adotar, sendo casado, senão decorridos cinco anos do casamento).
Com a lei 4.655/65, pretendeu-se dar um passo maior, criando-se urna forma de adoção mais ampla, então chamada de “legitimação adotiva”, pela qual o adotado ficava quase com os mesmos direitos e deveres do filho legítimo, salvo no caso de sucessão, se concorresse com filho legítimo superveniente à adoção. Foi ainda solução insatisfatória, porque muito formalista e de acanhada utilização.
Foi com a lei 6.697/79, que instituiu o Código de Menores, que se trouxe maior progresso na matéria: a) afora a adoção do Código Civil, passou-se a admitir uma forma de adoção simples, autorizada pelo juiz e aplicável aos menores em situação irregular (arts. 27 e 28); b) substituiu-se com vantagem a legitimação adotiva pela adoção plena, com diversas alterações no instituto (arts. 29 a 37). (MAZZILLI, Hugo Nigro. Notas sobre a adoção in Revista Justitia. Ano 52. Vol. 149. Jan./Mar./1990. p. 67).
5 Art. 6º A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela lei 3.238, de 1957)
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (Incluído pela lei 3.238, de 1957)
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. (Incluído pela lei 3.238, de 1957)
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. (Incluído pela lei 3.238, de 1957)
6 Art. 376. O parentesco resultante da adoção (art. 336) limita-se ao adotante e ao adotado, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, á cujo respeito se observará o disposto no art. 183, ns. III e V. (…) Art. 378. Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai natural para o adotivo.