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A reforma do Código Civil e as mudanças quanto ao regime de bens – Parte I

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A Reforma do Código Civil

PABLO STOLZE GAGLIANO

REFORMA DO CÓDIGO CIVIL

Pablo Stolze

Pablo Stolze

22/07/2025

Joseph Kohler, em sua clássica obra Lehrbuch des burgerlichen Rechten, com sabedoria, afirmou que:

“Nenhum Código jamais caiu do céu e nenhum foi objeto de uma revelação instantânea, e todos aqueles que acreditaram criar algo do seu espírito, tão-somente serviram ao espírito da cultura em que viveram e da qual extraíram o seu pensamento. (“Kein Gesetzbuch ist je vom Himmel gefallen, und keines der Gegenstand einer augenbliklichen Offenbarung gewesen, und diejenigen, welche glaubten, etwas aus ihrem Geist zu schaffen, haben fast nur dem Geist der Kultur gedient, in der sie lebten und der sie ihr Denken entnahmen)”2.

De fato, um código tende a refletir o espírito da cultura (Geist der Kultur) da sua época.

Não é adequado, em meu sentir, disparar contra o Código de 2002 dardos de generalizada crítica, como se todo o diploma de nada servisse. Tal postura acadêmica denota desconhecimento ou, em certos casos, é fruto de profunda vaidade intelectual.

Como todo resultado do agir humano, marcado pela falibilidade, há, em sua densa arquitetura normativa, erros e acertos. No entanto, é forçoso convir que, por refletir o espírito da cultura de sua época e, aliado a isso, haver permanecido em hibernação legislativa por longos anos, é marcado por uma obsolescência profunda.

A efervescência tecnológica da virada do século, a reconstrução profunda dos standards familiares, a velocidade da comunicação são apenas alguns fatores que não puderam – ou não podiam – ser absorvidos por aquele importante diploma.

Dou-lhes um exemplo simples.

Vasculhe em sua memória os cinco últimos contratos que você pactuou. Certamente, não o fez por correspondência epistolar ou sequer utilizou uma chamada telefônica. Provavelmente, o negócio fora consumado pelo computador ou, simplesmente, pela tela do seu celular, utilizando um aplicativo. Aliás, por meio de um “app”, atualmente, nós comemos, passeamos, viajamos, compramos, jogamos, trabalhamos, ou, até mesmo, podemos encontrar o amor das nossas vidas. Um enredo que causaria espanto até mesmo a George Orwell.

O Código de 2002 não pôde antever essa realidade. Mas é a realidade da vida de cada brasileiro.

Atento a tudo isso, o então Presidente do Senado Federal, Senador Rodrigo Pacheco, instituiu uma comissão de juristas, da qual tive a honra de participar, para apresentar um anteprojeto de atualização do Código Civil, sob o comando do eminente Ministro Luís Felipe Salomão (STJ).

Todo trabalho desempenhado fora inspirado pela ideia de que a reforma não é voltada para uma elite acadêmica, mas, sim, tem como destinatária a própria sociedade brasileira.

Recentemente, o anteprojeto de Reforma fora convertido no Projeto de Lei nº 04/2025.

E, por certo, a Reforma do Código Civil, atualmente, é o centro das atenções dos estudiosos do Direito Privado.

Destaco, aqui, pois, no blog da Editora Gen, dentre várias, uma importante proposta de atualização, no âmbito do Direito Obrigacional, que tem por objeto um tema importantíssimo para concurso e para a prática profissional: a cessão de contrato.

Pois bem.

Pretende-se disciplinar, expressamente, a cessão da posição contratual, como se dá em outros sistemas no mundo, a exemplo do Código Civil português (arts. 424 a 427).

De fato, aguardava-se esse avanço.

Seguem os novos artigos propostos:

DA CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL

Art. 303-A. Qualquer uma das partes pode ceder sua posição contratual, desde que haja concordância do outro contraente.

Parágrafo único. Se o outro contraente houver concordado previamente com a cessão, esta somente lhe será oponível quando dela for notificado ou, por outra forma, tomar ciência expressa.”

“Art. 303-B. A cessão da posição contratual transfere ao cessionário todos os direitos e deveres, objetos da relação contratual, inclusive os acessórios da dívida e os anexos de conduta, salvo expressa disposição em sentido contrário.”

“Art. 303-C. O cedente garante ao cessionário a existência e a validade do contrato, mas não o cumprimento dos seus deveres e obrigações.”

“Art. 303-D. Com a cessão da posição contratual, o cedente libera-se de seus deveres e de suas obrigações e extinguem-se as garantias por ele prestadas.

Parágrafo único. Com relação às garantias prestadas por terceiros, extinguem-se aquelas as dadas para garantir prestações do cedente, mas não aquelas que garantem prestações do cedido.”

“Art. 303-E. Uma vez cientificado da cessão da posição contratual, o cedido pode opor ao cessionário as exceções que, em razão do contrato cedido, contra ele dispuser.”

Longo debate doutrinário existiu acerca das teorias explicativas em torno dessa especial forma de transmissão obrigacional, desde a teoria da decomposição ou atomística, inclusive a Zerlegungskonstruktion, passando pela teoria unitária.

Nas palavras da Subcomissão:

“O objetivo deste artigo é deixar claro que a cessão de contrato transfere não apenas créditos e dívidas, mas todos os direitos e obrigações objeto da relação contratual, compreendendo, portanto, instituto maior que a simples junção de uma cessão de crédito com assunção de dívida, tal como defendem muitos juristas (v.g., Pontes de Miranda: “Houve a teoria da decomposição, que admite a transmissão da posição jurídica no negócio jurídico por ser transmissão de créditos e de dívidas. Segundo ela, haveria negócios jurídicos translativos que exauririam o conteúdo da transferência do negócio jurídico. Tal teoria debulha a espiga de milho, mas não se adverte de que não pode debulhá-la toda. A cessão de todos os créditos e de todas as pretensões e futuras e a assunção de todas as dívidas e obrigações exaurem o conteúdo do negócio jurídico de transferência de posição subjetiva em negócio jurídico? Não. De fora ficariam, e. g., os direitos formativos (e. g., o direito de resolução ou de denúncia vazia ou cheia) e faculdades unidas à posição de figurante. A relação jurídica fundamental (e. g., de compra, de troca, de locação, de empreitada) ultrapassa a soma dos direitos e dívidas que derivam do negócio jurídico. É relação jurídica, fundamental, e não soma de relações jurídicas de crédito ou de dívida.1), inclusive juristas italianos e portugueses, onde o instituto tem disciplina expressa no Código Civil”.

Em síntese, para além da cessão de crédito e da cessão de débito, já reguladas no Código Civil em vigor, a referida modalidade de transmissão obrigacional é, por certo, mais profunda e abrangente, operando uma cessão global.

Neste tipo de cessão, o cedente transfere a sua própria posição contratual (compreendendo créditos e débitos) a um terceiro (cessionário), que passará a substituí-lo na relação jurídica originária.

A despeito de ser muito usual no Brasil, a cessão de posição contratual não fora contemplada no Código de 2002, de maneira que a sugestão proposta, de fato, supre uma lacuna. Aliás, esse regramento poderá, até mesmo, se conhecido e bem aplicado, coibir, em muitos casos, o denominado contrato de gaveta.

Trato da cessão da posição contratual no volume 2 – Obrigações, do Novo Curso de Direito Civil e no Manual de Direito Civil (Ed. Saraiva), obras escritas em coautoria com Rodolfo Pamplona Filho.

E uma excelente dica: foram inseridas, em nossas obras, referências selecionadas sobre a Reforma do Código Civil, para deixar você bem atualizado (a)!

Autor: Pablo Stolze Gagliano, Membro da Comissão de Juristas do Senado Federalpara a Reforma do Código Civil

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NOTAS

1 Texto baseado no artigo “A Reforma do Código Civil”, disponível no https://www.migalhas.com.br/depeso/399818/a-reforma-do-codigo-civil, acesso em 11 de julho de 2025.

2 Citado em alemão por Clóvis Beviláqua, em Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, I, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1916 – tradução livre de Pablo Stolze Gagliano.

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