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A função de controle da boa-fé objetiva e o retardamento desleal no exercício de direitos patrimoniais (suppressio)*
Guilherme Magalhães Martins
18/10/2016
Diante de coisa tão doída
Conservemo-nos serenos
Cada minuto de vida
Nunca é mais, é sempre menos
Relógio (Cassiano Ricardo)
Sumário: Introdução; 1. Requisitos da suppressio; 2. A suppressio na jurisprudência nacional; 3. A suppressio e o art. 330 do Código Civil; 4. Distinção em face de outros institutos. A suppressio como modalidade de venire contra factum proprium; 5. A surrectio; 6. A função de controle da boa-fé; Conclusão.
Introdução
O direito visa assegurar expectativas, garantindo desde logo a confiança fundada nas condutas comunicativas das pessoas responsáveis, com base na própria credibilidade que estas reivindicam.[1]
O presente artigo visa discutir o instituto da supressio, conhecido por ser a perda da exigibilidade de um direito, não exercido durante longo lapso de tempo, criando uma expectativa na outra parte em torno da inércia do titular.
Tal figura, portanto, funda-se no valor confiança, visto que, em certos casos, o passar do tempo pode fazer desaparecer situações jurídicas ou direitos subjetivos que não foram exercidos durante certo lapso por seu titular, desde que tal inércia tenha gerado um benefício para a outra parte, por acreditar que aquela situação ou direito não seria mais usado.
A denominação suppressio é usada sobretudo pelo civilista português Antônio Menezes Cordeiro[2], que a define como “a situação do direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, se contrariar a boa-fé”.
O instituto, denominado pelos juristas alemães Verwirkung[3], tem como efeito a paralisação do exercício de um direito como meio sancionatório da deslealdade e da torpeza[4], cuja consagração dogmática definitiva se deve sobretudo às perturbações econômicas causadas pela primeira grande guerra e pela inflação. Isso se justificou especialmente em situações em que o exercício retardado de alguns direitos levou a um inadmissível desequilíbrio entre as partes, tendo em vista alterações imprevisíveis nos preços de determinadas mercadorias ou dificuldades acrescidas na realização de contratos de fornecimento.[5]
O titular do direito ou situação subjetiva seria, portanto, impedido de fazer valer um direito após ter injustificadamente retardado o seu exercício, suscitando na outra parte a expectativa legítima de que se manteria inerte.[6]
A suppressio, portanto, pressupõe o exercício surpreendente de uma posição jurídica cujo abandono o titular já tornara aparente, permitindo o surgimento de uma posição digna de tutela em favor de outrem: a surrectio.[7]
Logo, mesmo que determinado direito subjetivo exista, segundo as regras legais, o seu exercício é vedado e paralisado, sob pena de se atentar contra a boa-fé e lesar a confiança no tráfico jurídico.
Parte da doutrina associa a suppressio à ideia de neutralização de uma posição jurídica, na qual se divisa essencialmente o pensamento da proteção da confiança, derivada de um prolongado não exercício de certa situação jurídica por outrem. [8]
O foco deste trabalho se refere exclusivamente aos direitos patrimoniais, tendo em vista a tutela diferenciada das situações existenciais, baseadas na cláusula geral de tutela da pessoa humana (art. 3º., I, Constituição da República)[9], não sendo possível solucionar em termos de titularidade ou não de direitos subjetivos os conflitos envolvendo a proteção da personalidade.[10]
1 Requisitos da suppressio
O instituto em questão reside, segundo Franz Wieacker, em uma conduta prévia de inatividade, necessariamente associada a uma determinada duração no tempo.[11]
Não basta, porém, o simples decurso do tempo, devendo subsistir circunstâncias peculiares à luz das quais o exercício retardado se mostre contrário à lealdade e correção decorrentes da boa-fé objetiva[12]. Isso pode ocorrer, por exemplo, se determinado direito de crédito somente vem a ser exercido próximo ao vencimento da respectiva obrigação ou mesmo após a satisfação do credor, desde que verificados os demais requisitos de tal figura[13].
Díez-Picazo elenca três requisitos: a omissão no exercício do direito, o decurso de um período de tempo e a objetiva deslealdade e intolerabilidade do posterior exercício atrasado[14].
Segundo Menezes Cordeiro, hão de ser observados os seguintes requisitos para a verificação do regime da suppressio: 1) Em regra, salvo raras exceções[15], todos os direitos subjetivos se lhe sujeitam, sejam individuais ou coletivos[16], desde que transcorra um certo período de tempo sem o exercício do direito; 2) A existência de indícios objetivos de que esse direito não seria mais exercido, devendo ser ponderado o comportamento do titular, havendo, portanto, uma legítima expectativa no tocante à inatividade do credor.
Baptista Machado, de modo singular, elencou as circunstâncias que se combinam nas situações em que se operam o retardamento desleal. São elas: o titular de um direito deixa passar longo tempo sem o exercer; com base nesse decurso do tempo e com base ainda numa particular conduta do dito titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chega à convicção justificada de que o direito já não será exercido; movida por esta confiança, essa contraparte orientou em conformidade a sua vida, tomou medidas ou adoptou programas de acção na base daquela confiança, pelo que o exercício tardio e inesperado do direito em causa lhe acarretaria agora uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado[17].
É desnecessária, para tanto, a ocorrência de culpa ou de quaisquer elementos ditos subjetivos por parte do titular não exercente, bastando a situação objetiva criada, geradora de justificada confiança da pessoa contra quem o direito se dirigia, quanto à sua inércia. [18]
A incidência da suppressio não é afastada pelo fato de o credor desconhecer a existência do seu direito ¾ o que não afeta necessariamente a possibilidade de seu exercício a qualquer tempo, o que pode ou não ocorrer de forma desleal ¾, a menos que tal desconhecimento se deva à conduta deliberada do próprio devedor[19].
Porém, tal conclusão não é absoluta, eis que o conhecimento pelo titular do direito, normalmente passível de verificação pela outra parte, reforça a confiança desta, que pode reputar que o titular, em tal situação, não pretende exercer seu direito.
É certo, no tocante ao atraso desleal (“illoyalen Verspätung”), que o prolongamento excessivo da inércia do credor se inicia no momento em que o titular teria, pela primeira vez, a oportunidade de fazer valer seu direito[20], assumindo uma atitude inicialmente passiva.
Pode ser considerado como referência inicial para a aferição da demora ilegítima ¾ casuisticamente e de cotejo com os demais requisitos da suppressio ¾ o respectivo prazo prescricional ou decadencial, embora estes, sobretudo por seu caráter geral, não se confundam com a figura em estudo, marcada pela excepcionalidade.[21]
A suppressio, no que toca ao seu relacionamento com outros institutos, tem natureza sempre subsidiária, em se tratando de verdadeira saída extraordinária, insuscetível de aplicação sempre que a ordem jurídica prescreva qualquer outra solução. [22]
A excepcionalidade do instituto encontra explicação no fato de que os valores que ela comporta, segundo Menezes Cordeiro, não se encontrarem presentes na generalidade das relações jurídicas. Ocorre exatamente o contrário: seus requisitos surgem apenas em condições especiais, afastando valores genéricos evidentes ligados à existência dos direitos devidamente constituídos, verificando-se, segundo a casuística da jurisprudência alemã, a individualização da boa-fé em função do caso concreto.[23]
A figura em exame não pode ser confundida com a renúncia tácita, a qual, para Alejandro Borda, requer, além de uma vontade negocial, a possibilidade de o renunciante demonstrar a inexistência desta declaração, o que apagaria o seu efeito extintivo, enquanto a suppressio se funda na boa-fé.[24]
A suppressio, com efeito, é uma inatividade abusiva, não correspondendo a uma declaração de vontade abdicativa, ainda que tácita, como a renúncia, além de esta necessariamente exigir o conhecimento do direito pelo seu titular, pois não se pode renunciar àquilo que não se conhece. Além disso, como visto, independe do conhecimento do direito pelo seu titular.[25].
Uma corrente doutrinária nega à suppressio a eficácia de paralisar a pretensão do titular:[26]
tal como no venire, contudo, não cabe falar-se de uma proibição de exercício (ou de um dever de não exercício) de uma posição jurídica. Dentro dos prazos de caducidade e de prescrição, cada sujeito pode também legitimamente escolher, para quando lhe aprouver, o momento de a actuar. E igualmente se deveria reconhecer que a consequência ordinária da ´verwirkung´ está na indemnização dos danos resultantes do exercício ´tardio´ de uma posição e não na inibição desse exercício, devendo esta apenas ser admitida aí onde uma indemnização do dano derivado da frustração da confiança não permita uma satisfatória compensação do prejuízo.
No entanto, atribuir à função de controle da boa-fé, no instituto em questão, função meramente reparatória, não é a melhor solução, tendo em vista a importância consagrada no direito brasileiro às obrigações de fazer e não fazer, que contemplam o melhor interesse dos envolvidos, ultrapassando o velho dogma da intangibilidade da vontade humana, possibilitando a prevenção dos danos. A suppressio, além de paralisar a pretensão do titular, pode vir acompanhada da responsabilidade civil decorrente do retardamento desleal, tendo em vista o princípio da reparação integral (art. 944, Código Civil).
Portanto, são duas as modalidades fundamentais de sancionamento da autovinculação resultante da confiança legítima, como ensina João Baptista Machado:
a) ora em considerar relevante (ainda que como mero facto) e juridicamente exigível o conteúdo significativo da autovinculação extranegocial que engendrou a confiança;
b) ora em obrigar o responsável a indemnizar os danos causados. [27]
2 A supressio na jurisprudência nacional
A importância da análise da incidência do instituto em estudo na jurisprudência pátria reside, justamente, no fato de não encontrar positivação. A tutela da confiança merece uma maior ênfase justamente nesses casos desprovidos de previsão específica no ordenamento. Desse modo, os Tribunais, tanto estaduais quanto superiores, ajudam na identificação dos seus requisitos na prática.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro resolveu interessante litígio relativo à cobrança de cotas condominiais de unidade comercial localizada no térreo de edifício constituído por lojas, subsolo, sobrelojas, pilotis, apartamentos e cinema, buscando a parte autora ver reconhecido o direito de receber as cotas condominiais relativas aos dezessete anos anteriores ao ajuizamento da demanda, as quais jamais tinham sido antes exigidas daquele estabelecimento. [28]
Não obstante a ausência de referência às lojas na convenção de condomínio, foi decisivo para a solução do caso o fato de que os antigos proprietários das lojas, bem como os réus que as adquiriram, sempre tiveram a justa e legítima expectativa de que jamais seriam cobrados pelo rateio de despesas dada a “isenção” que se protraía desde 1972, ou seja, há 41 anos. Conclui o mencionado acórdão:
Não tendo o condomínio exercido(desde 1972) o direito de cobrança de cotas das unidades comerciais que o integram, o ajuizamento da presente demanda configura comportamento contraditório violador da boa-fé objetiva e da confiança dos réus de que estariam isentos do rateio de despesas comuns. Evidente a suppressio, razão pela qual sequer se deve investigar a ocorrência de prescrição(…)
A verificação dos requisitos da suppressio foi igualmente enfrentada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em acórdão assim ementado:
ADMINISTRATIVO. SERVIÇO PÚBLICO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. CONTRATO DE MÚTUO FIRMADO PELO USUÁRIO E A CONCESSIONÁRIA. CORREÇÃO MONETÁRIA. CLÁUSULA CONTRATUAL. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. LIMITAÇÃO DO EXERCÍCIO DO DIREITO SUBJETIVO. SUPPRESSIO. JUROS. TERMO INICIAL.
A suppressio constitui-se em limitação ao exercício de direito subjetivo que paralisa a pretensão em razão do princípio da boa-fé objetiva. Para sua configuração, exige-se ( I ) decurso de prazo sem exercício do direito com indícios objetivos de que o direito não seria exercido e (II ) desequilíbrio , pela ação do tempo, entre o benefício do credor e o prejuízo do devedor. Lição de Menezes Cordeiro.
Não caracteriza conduta contrária à boa-fé o exercício do direito de exigir a restituição antecipada de quantia emprestada depois de transcorridos mais de quinze anos se tal não gera desvantagem proporcional ao devedor em relação ao benefício do credor. Hipótese em que o mútuo não só permitiu a expansão da rede elétrica de concessionário de serviço público de energia elétrica como também a exploração econômica do serviço mediante a cobrança de tarifa, sendo que esta, a par da contraprestação, engloba a amortização dos bens reversíveis. Ausente, portanto, desequilíbrio entre o valor atualizado a ser restituído e o benefício fruído pelo Apelado durante todo esse tempo-, não há (sic) falar em paralisação do direito subjetivo.
Conquanto tenha o contrato de mútuo firmado entre o usuário e a concessionária do serviço público de energia elétrica para custeio das despesas a cargo desta de implantação do fornecimento estabelecido que a quantia seria restituída sem correção monetária, tem direito o usuário de receber o montante atualizado, pena de arcar com os encargos que devem ser suportados pela concessionária e para cuja prestação é remunerada na forma do contrato de concessão”.
Tal acórdão, embora negue a verificação da suppressio, constitui uma das primeiras manifestações da jurisprudência pátria acerca da matéria, negando provimento a recurso de apelação interposto pela Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul/CEEE em face de sentença que a condenou a restituir, com correção monetária, quantia em dinheiro emprestada por usuário com vistas ao financiamento da implantação e expansão da rede elétrica naquele Estado.
Foi inclusive reputada abusiva cláusula constante do instrumento contratual do mútuo que estabelecia a restituição pelo valor nominal, sem correção monetária, afastando-se a sua incidência.
Em caso semelhante, também envolvendo a incidência de correção monetária, a Ministra Nancy Andrighi, ao julgar o Recurso Especial 1.202.514-RS(3ª t., j.21.07.2011), aplicou a suppressio em ação de cobrança baseada em contrato de serviços de advocacia, prevendo o pagamento de prestações reajustáveis a cada doze meses, sem que houvesse, entre novembro de 1998 e outubro de 2004, qualquer correção no valor das prestações.
Considerou o acórdão de origem, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que , ao longo de seis anos, a sociedade de advogados autora concordou em não reajustar os seus honorários, não obstante a existência de previsão contratual expressa nesse sentido.
Concluiu a Ministra, considerando ter ocorrido uma renúncia tácita à cobrança da correção monetária, que
(…)nada impede o beneficiado de abrir mão da correção monetária, mantendo sem reajuste a contraprestação mensal, como forma de persuadir a parte contrária a manter o vínculo contratual. Dada a natureza disponível desse direito, sua supressão pode perfeitamente ser aceita a qualquer tempo pelo titular.
Trata-se, aliás, de procedimento corriqueiro nas negociações envolvendo a renovação e/ou manutenção de contratos, tendo sido justamente esse o caso dos autos, conforme conclusão do TJ/RS no sentido de que “tudo indica que [a recorrente] manteve o valor inalterado para manter o contrato, não sendo razoável exigir tais valores apenas após a rescisão(…)
(…)Para o deslinde da presente controvérsia interessa apenas a suppressio, que indica a possibildade de se considerar suprimida determinada obrigação contratual na hipótese em que o não exercício do direito correspondente, pelo credor, gerar ao devedor a legítima expectativa de que esse não-exercício se prorrogará no tempo.
Em outras palavras, haverá redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer direito ou faculdade, criando para a outra a sensação válida e plausível – a ser apurada casuisticamente – de ter havido a renúncia àquela prerrogativa.
Na hipótese dos autos, a recorrente abriu mão do reajuste anual das prestações mensais durante todos os 06 anos de vigência do contrato, despertando na recorrida, ao longo de toda a relação negocial, a justa expectativa de que a correção não seria exigida retroativamente.
Na realidade, mais do que simples renúncia ao direito de reajuste, a recorrente abdicou da correção monetária para evitar a majoração da parcela mensal paga pela recorrida, assegurando, com isso, a manutenção do contrato. Vê-se, pois, que não se cuidou propriamente de liberalidade da recorrente, mas de uma medida que teve como contrapartida a preservação do vínculo contratual por 06 anos.
Diante desse panorama, o principio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão da recorrente, de exigir retroativamente valores a título de correção monetária, que vinha regularmente dispensado, frustrando uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual(g.n.).
A suppressio fundamentou ainda o voto do Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior no Recurso Especial n º 214.680-SP, em situação na qual a autora, condômina, ajuizou ação cominatória em face dos réus, também condôminos, tendo em vista a indevida ocupação do hall de circulação dos respectivos apartamentos, infringindo a lei e a convenção, por se tratar de área de uso comum. [29] (mudar o número)
Baseou-se o aludido voto na circunstância de que, no caso em tela, os réus passaram a ocupar a parte do corredor que leva aos seus apartamentos, porque houve alteração no próprio projeto de construção do prédio, com incorporação de unidades, de tal modo que o final do corredor dos seus apartamentos praticamente perdeu a razão de ser, e o espaço que lhes correspondia transformou-se em área morta, sem qualquer utilidade para o condomínio; por esse motivo, os réus passaram a se utilizar de tal área com exclusividade, com a plena concordância dos demais condôminos, os quais ratificaram tal estado de coisas em assembleia, assim permanecendo por trinta anos.
Logo, a situação mais justa seria a manutenção do status quo, sendo que
para isso pode ser invocada a figura da suppressio, fundada na boa-fé objetiva, a inibir providências que já poderiam ter sido adotadas há anos e não o foram, criando a expectativa, justificada pelas circunstâncias , de que o direito que lhes correspondia não seria mais exigido. A suppressio tem sido considerada com predominância como uma hipótese de exercício inadmissível do direito(…) e pode bem ser aplicada neste caso, pois houve o prolongado comportamento dos titulares, como se não tivessem o direito ou não mais quisessem exercê-lo : os condôminos ora réus confiaram na permanência dessa situação pelas razões já explicadas: a vantagem da autora ou do condomínio, que ela diz defender, seria nenhuma, e o prejuízo dos réus, considerável(…)”.
Essa mesma decisão foi mencionada pela Ministra Nancy Andrighi na fundamentação de outro julgado do Superior Tribunal de Justiça[30]. O caso envolvia a apuração da responsabilidade de vizinho, em edifício cuja convenção previa a destinação comercial, por danos morais em razão de ruídos excessivos.
O recorrido, locatário do imóvel em que residia, alegou, na inicial, que sua vizinha, a recorrente, instalou, a fim de atender às necessidades de sua atividade comercial, no teto do edifício e logo acima de sua residência, equipamento que gerava ruído e vibrações em sua moradia. A recorrente, valendo-se da convenção condominial, afirma que o prédio tinha como finalidade, exclusivamente, o comércio.
O imóvel alugado pelo recorrido era uma quitinete situada em edifício cuja convenção de condomínio estipulava a finalidade comercial dos imóveis. Após o início do contrato, a recorrente passou a explorar a atividade no ramo de supermercados(Big Box)e, com a autorização do condomínio, fez instalar sobre o teto do edifício equipamento que garante a refrigeração das suas câmaras frigoríficas, gerando ruído excessivo e incômodo.
Não obstante ter o condomínio mantido uma postura ambígua, por anos, quanto à real destinação do prédio, a conduta da recorrente, ao ignorar a realidade de ali também se encontrarem, de fato, imóveis residenciais, acaba por violar a boa-fé objetiva.
A suppressio incide quando a recorrente, sabendo da aceitação da destinação mista do edifício, tenta justificar o ruído e vibração produzidos por ela fazendo uso da regra presente na convenção condominial, a qual, desde sua origem, é tida como letra morta.[31]
Vale transcrever um trecho da fundamentação do acórdão:
O exercício de posições jurídicas encontra-se limitado pela boa-fé objetiva. Assim, o condômino não pode exercer suas pretensões de forma anormal ou exagerada com a finalidade de prejudicar seu vizinho. Mais especificamente não se pode impor ao recorrido uma convenção condominial que jamais foi observada na prática e que se encontra completamente desconexa da realidade vivenciada naquele condomínio
Embora não tenha sido a suppressio aplicada expressamente àquela situação concreta, a professora Judith Martins-Costa[32] a associa ao caso ao comentar o Recurso Especial 401.704-PR(4ª t., j.25.08.2009, rel.Des.convocado do TJ-AP Honildo Amaral de Mello Castro), que envolveu a resilição unilateral do contrato, sem aviso prévio, de distribuição de marca nacionalmente conhecida(Tostines), reconhecendo-se o dever de indenizar pelos danos decorrentes da longa relação contratual existente entre ambas as partes, cuja abrupta diminuição da lucratividade provoca imediatas consequências sociais e econômicas.[33]
Nas palavras da professora Judith Martins-Costa[34], relativamente ao caso acima mencionado,
(…)podem ser configuradas – e em regra configuram-se – , situações de extremada injustiça para aquele contraente que, contando com a continuidade do contrato que se desenvolvia desde muito tempo, sem termo determinado para a sua extinção, não se preparou para o desligamento, seja redirecionando os seus negócios, seja buscando outro fornecedor, ou, ainda, o que fez investimentos de monta para poder prover a execução contratual, mas vê o contrato rompido sem que tivesse corrido tempo necessário para viabilizar a possibilidade de um retorno financeiro.
A “extremada injustiça” acima aludida relaciona-se, diretamente, com as peculiaridades dos contratos duradouros dentre as quais estão, além da relação entre o tempo e o adimplemento, uma especial carga de pessoalidade e, ainda, a sua própria racionalidade econômica, só compreensível em vista da complexa trama de interesses em aliança e interesses em potencial conflito que, comumente, está a permear a sua estrutura. Essas peculiaridades aumentam a intensidade da colaboração contratualmente devida, sob pena de comprometer-se a própria consecução da finalidade contratual. Assim, o longo tempo do contrato, a especial carga de pessoalidade envolvida na relação, a necessidade de um mútuo investimento de confiança no comportamento da contraparte agregam, aos elementos nascidos das declarações negociais, ainda outros elementos, como a confiabilidade no comportamento da contraparte, a previsibilidade(ainda que relativa)acerca de suas ações, a possibilidade de uma renegociação de certas condições contratuais etc., tudo convergindo para uma intrínseca e muito intensa necessidade de cooperação intersubjetiva, distinta daquela exigível em contratos instantâneos, bem como naqueles em que a estrutura dos interesses contratuais é fundada na contraposição, como ocorre, por exemplo, numa compra e venda isolada.
Merecem ser ainda lembradas algumas das principais hipóteses de aplicação da Verwirkung consagradas pelos tribunais alemães.
Algumas dessas decisões remontam à Primeira Guerra Mundial, como verdadeiro improviso em relação aos institutos até então existentes[35], tendo o Reichsgeright, em 05 de julho de 1923, decretado, pela primeira vez, a perda do direito à correção monetária por um empreiteiro que retardara por mais de dois meses a comunicação ao seu cliente acerca da correção do preço, situação essa que correspondeu à supervalorização do marco, hipótese em que poderia ocorrer, por uma mera diferença de dias, a multiplicação do valor do débito, exigindo-se que o credor informasse o mais rapidamente o devedor acerca de sua pretensão. [36]
A suppressio funcionou, então, como um contrapeso à proteção conferida ao credor por meio da admissão da correção monetária, assegurando-se assim a posição do devedor, como imperativo da função de controle da boa-fé, de modo que as pretensões de reajustamento, quando caibam, sejam exercidas num prazo razoável, sem o que atingiriam montantes com os quais o devedor não poderia contar. [37]
A Verwirkung foi igualmente aplicada em precedentes jurisprudenciais ligados ao desuso de marcas e patentes registradas, como ocorreu no célebre caso julgado pelo Reichsgericht em 19 de junho de 1925, em que o autor depositou junto ao órgão competente a marca Goldina para um complexo de produtos laticínios, dentre os quais somente veio a comercializar margarina. Ocorre que, no ano de 1896, o réu depositou a mesma marca Goldina como sinal distintivo da sua produção de cacau e chocolate, passando posteriormente, em 1918, a produzir manteiga e leite condensado, depositando a marca Goldina, que se tornara famosa em função de uma campanha publicitária promovida durante anos pelo réu.
No mesmo ano de 1921, o autor igualmente decidiu iniciar a produção de manteiga e de leite condensado, utilizando como sinal distintivo a marca Goldina, já depositada em 1906 para aqueles outros produtos; ao mesmo tempo, invocando a prioridade na inscrição da marca, propôs ação para que o réu fosse impedido de utilizá-la, tendo sido o pedido julgado improcedente pelo Tribunal alemão, que visualizou na conduta do autor uma violação dos bons costumes (§826 do BGB).
Além da circunstância de o autor não haver produzido anteriormente manteiga e leite condensado, entendeu aquela corte que a ação inibitória tinha a clara finalidade de desfrutar das vantagens resultantes da campanha publicitária promovida pela parte ré, usurpando a clientela por este obtida com a divulgação da marca. Logo, foi reputado inadmissível o exercício tardio dessa impugnação à marca. [38]
Outra hipótese passível de enquadramento na suppressio é a dos compromissos de compra e venda que contenham cláusula de arrependimento a qualquer tempo, sendo tal faculdade exercida pelo promitente-vendedor após o recebimento do preço, invocando o revogado art. 1088 do Código Civil de 1916 [39], situação em que ocorreria um desleal exercício atrasado do direito.
Em matéria de inquilinato, uma demora exagerada entre a notificação para o término do contrato de locação por prazo determinado (art.46, § 2º, Lei n º 8245/91) e a propositura da ação de despejo pode levar o locatário à expectativa legítima de que o locador teria desistido da denúncia. Isso pode induzir a ineficácia do aviso prévio, impondo a sua renovação, embora a lei não preveja qualquer prazo para tanto, ensejando, em nome do princípio da boa-fé objetiva, mais uma possível aplicação da suppressio.
3 A suppressio e o art. 330 do Código Civil
Vislumbra-se uma clara previsão legal da suppressio no art. 330 do Código Civil de 2002, em cujos termos “o pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato”.
Tal dispositivo, ensina a professora Judith Martins-Costa, pressupõe três condições de incidência: a) a determinação, ou determinabilidade, do local do pagamento, em virtude de contrato; b) a sua alteração, por período de tempo reiterado; c) a presunção de renúncia do credor ao direito que lhe fora estabelecido no contrato.[40]
Faz-se necessário, inicialmente, que se trate de adimplemento cujo local possa ser determinado pela autonomia privada e pelos usos, permitindo-se, outrossim, a sua alteração, ficando excluídas situações relativas à tradição de um imóvel ou a prestações relativas a imóvel, caso em que o pagamento deverá ocorrer no local da situação deste, consoante o art. 328 do Código Civil.
Em segundo lugar, a expressão “pagamento reiteradamente feito em outro local” pressupõe o decurso de um razoável lapso temporal, como condição necessária para gerar a legítima confiança. Aquele dispositivo não predetermina o tempo, mas deixa a sua determinação ao juiz, que deverá, à luz das circunstâncias do caso, ponderar o grau de confiança despertado no devedor. [41]
Em terceiro lugar, o legislador enuncia uma presunção de renúncia pelo titular do direito ou situação jurídica, a qual, como bem lembra a professora Judith Martins-Costa, mostra-se inútil e desnecessária, à luz dos outros dois elementos de incidência da regra. Bastaria o decurso de razoável lapso de tempo, o pagamento em local diverso do pactuado e a confiança depositada no beneficiário para a aplicabilidade do dispositivo em questão.[42]
Além disso, a associação da suppressio ao instituto da renúncia tácita constitui postulado já superado, tendo aquela gradativamente se libertado de considerações subjetivistas e roupagens negociais, em direção à sua inserção no âmbito da boa-fé objetiva.[43]
4 Distinção em face de outros institutos. A suppressio como modalidade de venire contra factum proprium.
Claus-Wilhelm Canaris [44] identifica a exceptio doli como uma “subcláusula geral” da boa-fé, carecida de preenchimento com valoração, dentro da qual, num âmbito residual, se situam a exceção do dolus praeteritus[45], a suppressio e o venire contra factum proprium. [46]
No direito romano, a exceptio doli impunha limitações à conduta das partes ao se admitir a possibilidade de oposição de uma exceção ao exercício doloso de uma pretensão; não se tratava de impugnar o direito, mas de paralisar a pretensão. [47]
Corresponde a exceptio doli generalis não a um verdadeiro dolo cometido no momento da celebração do ato jurídico sobre o qual se funda a demanda, mas a um dolo impróprio, imputável ao ator que postula uma condenação que, embora estritamente conforme o direito, termina por tornar-se iníqua. [48]
A exceptio doli, portanto, compreende as situações nas quais o exercício de um direito ante os tribunais infringe a boa-fé, em virtude de circunstâncias especiais, o que decorre do trabalho de sistematização efetuado no §242 do BGB, abrangendo, segundo Karl Larenz, as seguintes situações, dentre outras: o caso da parte que pretende prosseguir no exercício do direito de ação, não obstante haver prometido à outra parte dele desistir ou deixar de interpor recurso; a utilização de uma sentença objetivamente errônea, mas juridicamente válida, no caso da parte que a obteve subrepticiamente, de forma ilícita. Da mesma forma, é abrangida a invocação de um defeito de forma por parte do contratante que o originou, ou cuja conduta despertou a aparência de que atenderia inexoravelmente a palavra dada, sem se sujeitar a quaisquer formalidades. [49]
Trata-se, pois, do poder que uma pessoa tem de repelir a pretensão do autor, por ter este incorrido em dolo, tendo a exceptio doli recebido diversas críticas, endossadas por Menezes Cordeiro, no sentido de corresponder a uma regulação demasiado fluida do problema para permitir uma concretização mínima. [50]
Portanto, a incerteza própria da exceptio doli, cujo conceito fugidio a levou ao desuso, não se mostra presente na suppressio, tendo em vista a progressiva tipificação ¾ sobretudo pela jurisprudência germânica ¾ de suas estritas hipóteses de aplicação. A exceptio doli, como observa Franz Wieacker, congrega uma concepção um tanto antiquada da exceção de inadmissibilidade do exercício do direito. [51]
Da mesma forma, não se confunde com os institutos da preclusão ou da prescrição e decadência. Parte da doutrina a designa como uma prescrição de fato, baseada na tutela da boa-fé objetiva independentemente e acima dos prazos fixados em lei.[52]
A preclusão (art. 473 do Código de Processo Civil) representa a perda da faculdade de praticar determinado ato processual, seja porque se esgotou o prazo legal para tal (preclusão temporal), seja porque a questão já foi decidida anteriormente (preclusão pro judicato), porque o ato já foi praticado (preclusão consumativa) ou, finalmente, porque o ato é logicamente incompatível como outro praticado anteriormente (preclusão lógica). [53]
A decadência, por sua vez, consiste na extinção de um direito potestativo pelo decurso do prazo a que se sujeita o seu exercício, gozando um regime explícito, que não pode ser diretamente associado ao princípio da boa-fé; o seu regime, assim como o da prescrição ¾ ligada ao convalescimento da lesão a um direito subjetivo pelo não exercício da pretensão no prazo legal ¾, é marcado pela generalidade, e não pela excepcionalidade própria da suppressio, a qual ecoa na irregularidade dos lapsos de tempo requeridos pela jurisprudência para a aplicação desta. [54]
Com efeito, ao contrário da prescrição e decadência, cujo lapso temporal é estritamente fixado pelas normas jurídicas, a suppressio não possui uma duração fixa, exigindo uma valoração caso a caso, vindo acompanhada de circunstâncias nas quais o exercício de um direito se mostre posteriormente inadmissível. [55]
João Baptista Machado igualmente afirma que o tempo necessário dependerá muito das circunstâncias que, combinadamente, contribuam para a formação do estado de confiança.[56]
Sobreleva, ademais, a circunstância de que, mais do que simplesmente procurar sancionar uma inércia do titular do direito não exercido, o objetivo da suppressio, bem como do venire contra factum proprium em geral, é o de proteger a legítima confiança despertada em terceiros. [57]
Além disso, o campo de atuação da suppressio é mais vasto, a esta se sujeitando inclusive os direitos não suscetíveis de prescrição ou decadência. [58]Por outro lado, considera-se inadmissível a exceção de prescrição oposta dolosamente pelo devedor, hipótese em que este haja anteriormente impedido o credor de fazer valer oportunamente seus direitos, dando lugar à prescrição superveniente, como no caso de este solicitar a dilação do vencimento com a promessa simultânea de pagamento pontual, caso em que, segundo Alejandro Borda, ocorreria a suppressio com o objetivo de proteger o credor. [59]
Igualmente, deve a suppressio ser extremada em face do tu quoque, pelo qual a parte que deixou de realizar certo ato não pode exigir da contraparte que o faça. Na forma do brocardo inglês “equity must came in clean hands”, um contratante não pode exigir do outro um determinado comportamento que ele próprio descumpriu[60], restando tal situação expressa, ainda, na máxima turpitudinem suam allegans non auditur.[61]
O tu quoque, leciona Menezes Cordeiro, traduz o aflorar de uma regra pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica não poderia, sem abuso, exercer a situação jurídica que essa mesma norma lhe tivesse atribuído. Nas suas palavras, “fere as sensibilidades primárias, ética e jurídica, que uma pessoa possa desrespeitar um comando e, depois, vir exigir a outrem o seu acatamento”. [62]
Trata-se, pois, de uma subespécie de venire contra factum proprium, consubstanciada no emprego desleal de critérios valorativos diversos para situações substancialmente idênticas, na fórmula que se resume como “dois pesos, duas medidas”, voltando-se igualmente à tutela da confiança e a uma preocupação com o reflexo social dos comportamentos que caracterizam o direito atual. [63]
A suppressio, porém, constitui uma modalidade de proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium), ou seja, a inadmissibilidade da contradição em face de uma conduta prévia do mesmo agente, constituindo uma regra derivada do princípio da boa-fé, que sanciona como inadmissível toda pretensão lícita mas, portanto, objetivamente contraditória[64], vedando-se a duplicidade de comportamentos. [65]
Poderia ser observado, numa abordagem superficial, que a suppressio não integra o venire contra factum proprium , faltando a este, como elemento constitutivo, o fator tempo, ao passo que a pura inatividade não constitui, em termos claros, um factum proprium. [66]
Nesse sentido, destaca Paulo Mota Pinto que o fator que caracteriza especialmente e distingue a Verwirkung em face da proibição de conduta contraditória é a relevância autônoma desse elemento temporal. [67]
Porém, a questão é enfrentada com propriedade por Menezes Cordeiro, o qual conclui que o tempo não pode ser visto como fator diferenciador entre ambas as figuras, eis que em qualquer manifestação de venire contra factum proprium existe, por mínimo que seja, um lapso entre os dois comportamentos do sujeito.[68]
João Baptista Machado, ao comparar os institutos da Verwirkung e do venire contra factum proprium, afirma que no primeiro parece estar mais em causa, além do decurso do tempo, o resultado a que o exercício tardio do direito conduziria e a questão de saber se ainda será exigível da contraparte conformar-se à pretensão do titular do direito e suportar esse resultado.[69]
O caráter omissivo do comportamento inicial do credor na suppressio, da mesma forma, não justifica seja tal figura colocada à parte do venire contra factum proprium, o qual, pressupondo a projeção de um comportamento sobre outrem, de modo a despertar a sua confiança, pode se dar seja este comportamento positivo ou negativo, consista ele em um agir ou em um não agir.
A suppressio envolve uma justiça individualizadora, que pondera as circunstâncias específicas de cada caso concreto, no que tenham de particularizador, merecendo ser ainda cotejada com a figura do abuso de direito, ora positivado no art. 187 do Código Civil.
Logo, exclui-se que exista aqui uma aplicação da função social ou econômica que tenha presidido à atribuição dos direitos envolvidos. Este fator, como sublinha Menezes Cordeiro, encontra-se ligado a todos os direitos da mesma espécie, os quais, tendo função idêntica, revelam, ao contrário, a intenção normativa de uma justiça generalizadora. [70]
Em relação aos bons costumes, igualmente integrantes da noção de abuso de direito, não ocorrendo, aqui, o confronto entre dois sujeitos relacionados entre si, cujo equilíbrio o direito pretende solucionar, como na suppressio, mas sim a valoração de situações isoladas, independentemente de relação entre si. [71]
No entanto, assim como ocorre em relação ao venire contra factum proprium, do qual a suppressio constitui uma modalidade, como visto, pode-se falar em um abuso de direito por violação à boa-fé, em se tratando de um comportamento que se torna inadmissível, examinado em conjunto com uma conduta anterior, ofendendo a confiança despertada em outrem.[72]
5 A surrectio
O mesmo fenômeno, pois, se reveste de dois aspectos: ora faz desaparecer um direito que não corresponda à efetividade social (suppressio), ora faz surgir um direito não existente antes, juridicamente, mas que, na efetividade social, era tido como presente (surrectio). [73]
A surrectio corresponde ao neologismo alemão Erwirkung, proposto por Claus-Wilhelm Canaris, cujos requisitos são basicamente os mesmos da suppressio: a exigência de certo lapso de tempo, por excelência variável, associada a uma conjunção objetiva de fatores jurídicos que concitem a constituição do novo direito e, sobretudo, à presença de uma previsão de confiança pelo beneficiário ¾ que deve acreditar ser ao menos provável a regularidade da situação fática subjacente ¾, aliada à sua imputação ao prejudicado, a título de culpa ou risco.[74]
A surrectio em sentido próprio ou estrito corresponde à criação de direitos subjetivos ou situações jurídicas, em relação ao beneficiário que adquiriu uma permissão específica de aproveitamento, situação essa que se situa numa relação de espécie e gênero em relação à surrectio em sentido amplo, a qual engloba também o caso do titular que, tendo se livrado de uma adstrição antes existente, recuperou uma permissão genérica de atuação, ou seja, a liberdade de movimentos. [75]
Trata-se, portanto, da vantagem advinda da incidência da suppressio¸ caracterizando-se como liberação de possibilidade de ação ou de recuperação de liberdade de ação, sendo que é admissível a surrectio para a constituição de situações mais vantajosas para aquele a quem aproveita. [76]
Para que o beneficiário adquira através da surrectio posição jurídica mais vantajosa, é necessário que esteja presente a boa-fé tanto em suas acepções subjetiva como objetiva, ou seja, o beneficiário, nas palavras de Menezes Cordeiro, deve integrar uma previsão de confiança, ou seja,
Encontrar-se numa conjuntura tal que , objectivamente, um sujeito normal acreditaria quer no não-exercício superveniente do direito da contraparte, quer na excelência do seu próprio direito. Subjectivamente, ele deve estar de boa-fé, no sentido de não ter consciência de prejudicar outrem e de ter acatado os deveres de indagação que, no caso, ocorressem.[77]
6 A suppressio e a função de controle da boa-fé
A ideia de boa-fé, lembra Díez-Picazo, não passa de um conceito técnico cunhado pelos técnicos do direito e utilizado como elemento de descrição ou delimitação de diferentes situações correspondentes a um standard de conduta social, apresentando-se esta como paradigmática [78], como é assente na técnica das cláusulas gerais.
O fundamento constitucional da boa-fé objetiva, enquanto norma de conduta para os contratantes, que devem se comportar com todo cuidado e respeito para com a outra parte, ensejando os chamados deveres laterais, instrumentais ou anexos de comportamento, pode ser buscado tanto no art. 1º, III (que prevê a dignidade da pessoa humana como fundamento da República) como no art. 3º, I (que coloca entre os objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária), ambos da Constituição da República. [79]
Enfatiza Franz Wieacker que o problema fundamental de uma cláusula geral como a do §242 do BGB, que consagra o princípio da boa-fé, concerne à relação do juiz com o direito escrito [80], o que orienta a sua tríplice função, já consagrada no direito romano (adjuvandi vel, suplendi vel, corrigendi vel).
Na classificação proposta por Wieacker, [81] a boa-fé funciona da seguinte maneira: a) como concretização do plano legal em áreas de explicitação insuficiente implicando uma via para a adequada realização, pelo juiz, do plano de valoração do legislador [82]; b) nas hipóteses em que o juiz atua com maior liberdade e praeter legem, exigindo às partes que no exercício e defesa de seus direitos se comportem de maneira justa. Neste segundo caso, a boa-fé atua como regra de comportamento ético-jurídico, compreendendo bitolas extralegais, mas não opostas à lei, o que compreenderia o campo da velha exceptio doli, vista em sua concepção tradicional; c) A aplicação do §242 poderia ainda ocorrer contra legem, o que compreenderia, segundo a criação jurisprudencial alemã, as hipóteses de revisão dos contratos em função de uma mudança total e superveniente das circunstâncias econômicas de sua celebração, caso em que seria necessário ultrapassar as brechas ético-jurídicas do direito legal. [83]
Porém, segundo uma classificação mais moderna, já consolidada na doutrina, a boa-fé objetiva desempenha três distintas funções, quais sejam, enquanto cânone hermenêutico-integrativo do contrato ¾ presente no art.113 do Código Civil ¾ , norma de criação[84] dos deveres jurídicos de proteção e lealdade ¾ e limite ao exercício de direitos subjetivos, esta igualmente denominada função de controle [85](as duas últimas mais acentuadas pelo art. 422 do Código Civil).[86]
É da terceira função acima que se extrai a suppressio, enquanto freio do exercício do direito subjetivo, impedindo a conduta desleal daquele que pretende fazer valer o seu direito após suscitar na contraparte a legítima confiança de que o mesmo não seria exercido. [87]
É inadmissível todo exercício de um direito subjetivo que contravenha em cada caso concreto as considerações que dentro da relação jurídica ou situação subjetiva uma parte está obrigada a adotar em face da outra.[88]
Por força de uma conduta anterior do responsável, portanto, existe uma espécie de autovinculação[89], uma particular relação de confiança, decorrendo a abusividade da violação dos deveres de conduta decorrentes da boa-fé objetiva.
Conclusão
O retardamento desleal do exercício dos direitos patrimoniais (suppressio) funda-se no valor confiança, visto que, em certos casos, o passar do tempo pode fazer desaparecer situações jurídicas ou direitos subjetivos que não foram exercidos durante certo lapso por seu titular, desde que tal inércia tenha gerado um benefício para a outra parte, por acreditar que aquela situação ou direito não seria mais usado.
Trata-se de um instituto subsidiário, em se tratando de verdadeira saída extraordinária, insuscetível de aplicação sempre que a ordem jurídica prescreva qualquer outra solução.
O efeito mais importante da suppressio é a paralisação da exigibilidade do direito, traduzindo importante função de prevenção, e não apenas de reparação de danos, por meio da imposição de obrigações de fazer ou não fazer.
O mesmo fenômeno pode ser visualizado por um outro aspecto, no tocante à tutela da expectativa legítima do réu, ao qual se dá o nome de surrectio, que equivale à outra face da suppressio, aquela relativa à parte cuja confiança se pretende proteger.
A suppressio decorre da função de controle exercida pelo princípio da boa-fé objetiva, constituindo uma modalidade de proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium). Trata-se, portanto, de sancionar a inadmissibilidade da contradição em face de uma conduta prévia do mesmo agente, constituindo uma regra derivada do princípio da boa-fé, que sanciona como inadmissível toda pretensão lícita mas, portanto, objetivamente contraditória[90], vedando-se a duplicidade de comportamentos.
[1] MACHADO, João Baptista. Revista de Legislação e de Jurisprudência. 118º ano , nº 3730-3741. Coimbra Editora, p. 229, 1985-1986.
[2]Da boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 1997, p.797.
[3] Este trabalho utilizará indistintamente os termos suppressio e retardamento desleal ao designar o instituto em exame.
[4] MARTINS-COSTA, Judith, Comentários ao novo Código Civil. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.315.
[5] CORDEIRO, Antônio Menezes, op.cit., p.801.
[6] RANIERI, Filippo. Rinuncia tacita e Verwirkung. Padova: CEDAM, 1971. p.01-02(tradução livre)
[7] PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos obrigacionais da publicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p.158.
[8] FRADA, Manuel António de Castro Portugal Carneiro da. Teoria da confiança e responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 2004.p.426-427.
[9] O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo teve a oportunidade de enfrentar uma situação ligada à apropriação e exibição, irregular e sem autorização, da imagem do apresentador de televisão Silvio Santos, no programa televisivo Pânico na Band, envolvendo “a sua perseguição e o cerco, em público, por integrante do programa que, de forma agressiva, formulou uma série de provocações, causando-lhe profundo aborrecimento”( Agravo de instrumento n o. 0107420-50.2012.8.26.0000, 6ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, rel.Des.Vito Gugliemi, j.21.02.2013). No caso, foi afastada a tese de suppressio invocada pela parte ré, visto que” ainda que se considere que o uso da imagem do autor por longo período de tempo pelo mesmo programa de televisão sugerisse autorização tácita, pode a mesma ser revogada a qualquer tempo, independentemente de motivação, e o ingresso de medida inibitória isso claramente revela”. O acórdão é assim ementado: “ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AÇÃO ORDINÁRIA RELATIVA A DIREITO DE IMAGEM. PRETENDIDA PROIBIÇÃO DE QUE OS PROFISSIONAIS DA EMPRESA DE RÁDIO E TELEVISÃO REQUERIDA SE APROXIMEM DA PESSOA DO AUTOR, NEM EXIBAM SUA IMAGEM SEM AUTORIZAÇÃO. ADMISSIBILIDADE. PRESENÇA DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A CONCESSÃO DA TUTELA. HIPÓTESE EM QUE RESTA EVIDENTE A MONTAGEM DAS FALAS ATRIBUÍDAS AO AUTOR, ATRIBUINDO AO MESMO EXPRESSÕES IMPRÓPRIAS À LINGUAGEM DA TELEVISÃO ABERTA. CASO QUE CONFIGURA VIOLAÇÃO AO DIREITO À PRIVACIDADE DO AUTOR. RECURSO PROVIDO”
[10] MORAES, Maria Celina Bodin de. Ampliando os direitos da personalidade. In: _______ . Na medida da pessoa humana; estudos de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.p.128.
[11] WIEACKER, Franz. El principio general de la buena fe. Tradução de José Luis Carro. Madrid: Civitas, 1986. p.62.
[12] RANIERI, Filippo, op.cit, p.27.
[13] BIRR, Christiane. Verjährung und Verwirkung. Tradução Tânia Simões. Berlin: Erich Schmidt, 2003. p.164.
[14] Prólogo à obra de Franz WIEACKER, El principio general de la buena fé, op.cit, p.22 .
[15] CORDEIRO, António Menezes, . op.cit., p.810-811. Aponta o autor, dentre as exceções, os direitos sujeitos a prazos curtos de prescrição, a qual atinge a respectiva exigibilidade, além dos direitos que, no ordenamento alemão, seriam legalmente excluídos da suppressio, como, por exemplo, os direitos emergentes de contratos coletivos de trabalho e certos direitos que considera existenciais dos trabalhadores, como o direito ao salário.
[16] BIRR, Christiane, op.cit, p.165.
[17] MACHADO, João Baptista. , op.cit., p. 228.
[18] NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 187.
[19] BIRR, Christiane, op.cit, p.170.
[20]Idem.
[21] No entanto, como bem adverte Anderson SCHREIBER (A proibição de comportamento contraditório. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.p.182), “(…) a importância de um longo decurso do tempo não deriva de ser a extensão do intervalo temporal um requisito essencial da Verwirkung, mas do fato de que, na maior parte das situações concretas, tal extensão temporal é necessária à formação de uma confiança legítima no não-exercício, ressalvada a concorrência de outras circunstâncias que atribuam este poder gerador de confiança ao comportamento omissivo em lapso temporal mais exíguo”.
[22]CORDEIRO, Antônio Menezes, op.cit, p.812.
[23]Op.cit, p.818.
[24] BORDA, ALEJANDRO. La teoria de los actos próprios. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2000. p.43.
[25] BIRR, Christiane, op.cit., p.183
24 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n º 700007665250, rel. Des. Maria Isabel de Azevedo Souza. Julgamento em 17 de fevereiro de 2004.
[26] É a posição defendida por Manuel Carneiro da Frada, op.cit., p.426-427.
[27]Op.cit. , p.298. Prossegue o autor: “Na primeira hipótese, tratando-se de actuar preventivamente, vai-se paralisar ou considerar inexigível o direito que o autor da conduta geradora da confiança pretende mais tarde exercer, ou vai se sancionar juridicamente aquela autovinculação, tornando exigível a satisfação do compromisso contratualmente assumido, ao impedir-se o responsável de arguir a nulidade desse compromisso.
Na segunda hipótese, tratar-se-á, em regra, de ressarcir o interesse negativo ou de confiança, sem que todavia se exclua de todo a possibilidade de, em casos excepcionais, se impor ao responsável a obrigação de indemnizar o interesse positivo ou de cumprimento”.
Porém , admite João Baptista Machado, no mesmo artigo, op.cit., p.292, a possibilidade de exceções àquela regra: “no domínio de casos em que é aplicável a proibição do venire contra factum proprium a responsabilidade pela confiança funciona em regra em termos preventivos, paralisando o exercício de um direito ou tornando ineficaz aquela conduta declarativa que, se não fosse contraditória com a conduta anterior do mesmo agente, produziria determinados efeitos jurídicos. É teoricamente admissível, porém, que uma conduta declarativa destinada a produzir certo efeito jurídico, mas contrária à boa-fé, não veja recusada essa eficácia jurídica, mas, em compensação, dê origem a uma obrigação de indemnizar. Assim, p.ex., o n o. 4 do artigo 30 do Decreto-lei n o. 231/81, de 28 de julho, que se refere à resolução do contrato de associação em participação, admite que mesmo a declaração de resolução com abuso de direito extingue a relação contratual, mas não exonera de responsabilidade aquele que exerce o direito de resolução “.
[28] Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, apelação cível 0014558-75.2010.8.19.0210, 20ª Câmara Cível, rel.Des.Marco Antonio Ibrahim, julgado em 13 de junho de 2012. Segundo o relatório, “a análise dos autos revela que a cobrança jamais foi deflagrada por se ter entendido que a convenção condominial isentava as unidades comerciais do pagamento das cotas. Com efeito, a escritura de convenção do condomínio(fls. 06/16), firmada em 26/03/1965, não menciona que a divisão das despesas comuns deve ser feita entre os proprietários das unidades residenciais e comerciais, embora não haja qualquer ressalva no sentido da isenção destas últimas. Bem verdade que, estabelecendo a lei a obrigatoriedade do rateio das despesas, qualquer entendimento diverso deve ter por base a Convenção(…)Mas é importante frisar que como unidades autônomas a convenção designou apenas os apartamentos(…) Ora, se a loja não foi individualizada na Convenção como unidade autônoma, sendo implicitamente excluída do rateio, e se não utiliza as dependências internas do condomínio, possui entrada separada, não faz uso dos elevadores e tem hidrômetros e quadros de luz independentes, parece mais do que razoável a exegese de que seus proprietários não estariam sujeitos à divisão de despesas” (g.n.). A ementa é a seguinte: “Direito Civil. Cobrança de cotas condominiais. Inércia do exercício do direito de cobrança. Violação do princípio da boa-fé objetiva. ´Suppressio´ e ´surrectio´. Não tendo o condomínio exercido(desde 1972) o direito de cobrança de cotas das unidades comerciais que o integram, o ajuizamento de demanda configura comportamento contraditório violador da boa-fé objetiva dada a confiança dos réus de que estariam isentos do rateio de despesas comuns, longi temporis. O ordenamento jurídico veda que uma pessoa adote comportamentos contraditórios, ainda que lícitos. Omissão reiterada que gerou legítima expectativa de que os réus não estariam obrigados a rateio. Inexistência da obrigação. Doutrina. Precedentes. Sentença reformada”
.No mesmo sentido, o seguinte acórdão, também do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: “AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. RÉU QUE ALEGA A VENDA DO IMÓVEL POR INSTRUMENTO PARTICULAR, MAS NÃO JUNTA PROVA DA REALIZAÇÃO DO NEGÓCIO. VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES DO RÉU NO SENTIDO DE NUNCA HAVER O CONDOMÍNIO LHE COBRADO AS COTAS. COBRANÇAS DIRIGIDAS A SINDICATO OCUPANTE DO IMÓVEL. INÉRCIA DO CONDOMÍNIO QUE GERA LEGÍTIMA EXPECTATIVA DO PROPRIETÁRIO DE QUE TAL DIREITO NÃO MAIS SERIA EXERCIDO. COBRANÇA QUE ATENTA CONTRA O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. APLICAÇÃO DOS INSTITUTOS DA SUPPRESSIO/SURRECTIO. SUPRESSÃO DO DIREITO SUBJETIVO DE COBRANÇA EM FACE DO RÉU, MAS NÃO EM FACE DE QUEM OCUPA O IMÓVEL. PROVIMENTO DO RECURSO PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL, COM A INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. Sabe-se que a obrigação do condômino de arcar com o pagamento da cota condominial para conservação da propriedade comum possui natureza de obrigação propter rem. Em que pese haver o condomínio demonstrado que o nome do réu consta do Registro Geral de Imóveis como um dos proprietários da fração ideal correspondente ao imóvel em cobrança, há notícia nos autos de que o imóvel em questão foi vendido há mais de quarenta anos atrás, através de instrumento particular. Apesar de não ter o réu apresentado documento que demonstrasse a realização do referido negócio, mostram-se verossímeis as alegações do mesmo no sentido de nunca haver recebido qualquer cobrança por parte do condomínio, uma vez que todos os boletos acostados à inicial se dirigem ao Sindicato dos Técnicos e Auxiliares de Radiologia do Estado do Rio de Janeiro, a quem o demandado afirma ter alienado o imóvel. Ademais, o oficial de justiça que esteve no imóvel no intuito de citar o demandado informa haver sido atendido por uma funcionária do sindicato que esclareceu que este funciona naquele endereço desde 1964, sendo de sua propriedade o imóvel, além de ser o demandado desconhecido no local. É inegável que o não exercício do direito por certo lapso temporal pode gerar expectativa legítima na contraparte de que tal direito não venha mais a ser vindicado. In casu, a inércia do condomínio em promover a cobrança das cotas em face do demandado deu indícios de que o direito não seria mais exercido, de modo que a cobrança efetuada de forma retardada acaba por lesar a confiança do apelante na inatividade do credor. Urge fazer prevalecer na presente demanda o valor confiança, com base no instituto da suppressio, que consiste exatamente na supressão do exercício de um direito por deixar o seu titular de exercê-lo durante certo lapso temporal, quebrando a expectativa que havia surgido no outro sujeito quanto ao seu exercício. Trata-se de reflexo do princípio da boa-fé objetiva, no que diz respeito à função limitativa do exercício de direitos subjetivos advindos do contrato. Ao direito subjetivo do réu decorrente da tutela conferida a esta expectativa legítima dá-se o nome de surrectio, que equivale à outra face da suppressio, aquela relativa à parte cuja confiança se pretende proteger. A modificação do julgado para reconhecer a impossibilidade de cobrança em face do réu em razão da inatividade prolongada do condomínio não importa em supressão do direito do mesmo de promover a cobrança em face de quem ocupa o imóvel, como vem fazendo, podendo, inclusive, ajuizar a demanda em face do possuidor, no caso de não haver o cumprimento voluntário da obrigação na data do vencimento, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça(TJ-RJ, 9ª Câmara Cível, apelação cível 0101561-84.2008.8.19.0001, rel.Des.Carlos Santos de Oliveira, j.07.04.2009).
25 Revista do Superior Tribunal de Justiça, 130/366, D.J. 16.11.99, p.214
[30] REsp 1096639 / DF. Rel. Min. Nancy Andrighi.3ª t.,, j. 09/12/2008. A ementa é a seguinte: “DIREITO CIVIL. VIZINHANÇA. CONDOMÍNIO COMERCIAL QUE ADMITE UTILIZAÇÃO MISTA DE SUAS UNIDADES AUTÔNOMAS. INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTO POR CONDÔMINO QUE CAUSA RUÍDO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. DANO MORAL QUE SE FIXA EM QUANTUM RAZOÁVEL. – O exercício de posições jurídicas encontra-se limitado pela boa-fé objetiva. Assim, o condômino não pode exercer suas pretensões de forma anormal ou exagerada com a finalidade de prejudicar seu vizinho. Mais especificamente não se pode impor ao vizinho uma convenção condominial que jamais foi observada na prática e que se encontra completamente desconexa da realidade vivenciada no condomínio. – a suppressio, regra que se desdobra do princípio da boa-fé objetiva, reconhece a perda da eficácia de um direito quanto este longamente não é exercido ou observado. – Não age no exercício regular de direito a sociedade empresária que se estabelece em edifício cuja destinação mista é aceita, de fato, pela coletividade dos condôminos e pelo próprio condomínio, pretendendo justificar o excesso de ruído por si causado com a imposição de regra constante de convenção condominial, que impõe o uso exclusivamente comercial, mas que é letra morta desde sua origem”.
27 Em outro precedente, igualmente relatado pelo Ministro Ruy Rosado, embora sem referência expressa à suppressio, mas apenas à teoria dos atos próprios (nemo potest venire contra factum proprium), o Superior Tribunal de Justiça(Recurso Especial n o. 95.539-SP, j.3.9.96) considerou que “a mulher que deixa de assinar o contrato de promessa de compra e venda juntamente com o marido, mas depois disso, em juízo, expressamente admite a existência e validade do contrato, fundamento para a denunciação de outra lide, e nada impugna contra a execução do contrato durante mais de 17 anos, tempo em que os promissários compradores exerceram pacificamente a posse sobre o imóvel, não pode depois se opor ao pedido de fornecimento de escritura definitiva. Doutrina dos atos próprios”.
Segundo o voto do relator, “para ter o comportamento da mulher como relevante, lembro a importância da doutrina sobre os atos próprios. O direito moderno não compactua com o venire contra factum proprium, que se traduz como o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente (…) Havendo real contradição entre dois comportamentos, significando o segundo quebra injustificada da confiança gerada pela prática do primeiro, em prejuízo da contraparte, não é admissível dar eficácia à conduta posterior”. Finalmente, conclui que: “o sistema jurídico nacional, a meu juízo, deve ser interpretado e aplicado de tal forma que através dele possa ser preservado o princípio da boa-fé, para permitir o reconhecimento da eficácia e validade de relações obrigacionais assumidas e lisamente cumpridas, não podendo ser a parte surpreendida com alegações formalmente corretas, mas que se chocam com princípios éticos, inspiradores do sistema”.
[32] O caso dos produtos Tostines: uma atuação da boa-fé na resilição dos contratos duradouros e na caracterização da suppressio. In: FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo (coord.). O Superior Tribunal de Justiça e a reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Trbunais, 2001. p.527 e seguintes.
[33] Segue um trecho do relatório: “infere-se dos autos que Comércio e Representação de Produtos Alimentícios Bom Retiro ajuizou ação cautelar de busca e apreensão de documentos e ação indenizatória cumulada com declaratória de inexistência de débito em face de Tostines Comercial e Industrial Ltda.
A recorrida sustenta que manteve contrato verbal de distribuição de produtos alimentícios com a empresa Tostines desde 1966 até 1996(exatos 30 anos), cujo contrato correspondia a 70% do seu faturamento. A relação contratual fora unilateralmente rescindida pela recorrente após transferência do controle societário da contratante para o grupo Nestlé.
Face à ruptura contratual, a contratada sofreu vários prejuízos decorrentes da suspensão do fornecimento dos produtos, uma vez que a marca estava consolidada no mercado. Pediu através de liquidação de sentença a fixação de danos emergentes relativamente ao fundo de comércio, indenizações trabalhistas e investimentos que se viu obrigada a arcar, além de lucros cessantes e danos morais(…)” . O pedido foi julgado procedente pela 8ª Vara Cível de Curitiba, que, julgando parcialmente procedentes os pedidos iniciais, confirmou a medida cautelar e fixou indenização como sendo: a)danos emergentes em R$ 347.345,96, conforme apurado pela perícia; b)lucros cessantes, tendo por base o valor de R$ 577.431,63, na forma do laudo pericial; c)danos morais, em 800(oitocentos) salários mínimos; custas e honorários em 10% do valor líquido apurado(…) A 2ª Câmara Cível do TJ-PR deu parcial provimento à indenização da Tostines, para reduzir o montante da indenização(…) Ação indenizatória – Ruptura de contrato verbal de distribuição exclusiva de produtos Tostines – Redução no faturamento, dispensa de empregados, cessação das atividades – danos causados com a perda do fundo de comércio e verbas trabalhistas – Lucros cessantes e dano moral(…)III- A ruptura, sem justa causa, do contrato de distribuição exclusiva do produto obriga o fabricante a ressarcir o distribuidor dos prejuízos dela resultantes, como danos emergentes, lucros cessantes e danos morais”.
[34]Ibidem, p.532, 540: “No caso, os prejuízos foram imputados à conduta de Tostines porque – conforme comprovado – esta alterara o seu comportamento empresarial depois da aquisição do seu controle societário pelo Grupo Nestlé. Resiliu abruptamente o contrato e , uma vez demandada, usou o argumento de a Bom Retiro atrasar o pagamento de mercadorias. O que o acórdão demonstra, porém, é que , se é lícito resilir ( nas hipóteses previstas pela lei ou derivadas, expressa ou implicitamente, do contrato), o exercício desse poder formativo há de ser pautado pela boa-fé, que impõe ao seu titular determinados deveres de “aviso prévio”, evitando-se o rompimento abrupto, que surpreende, negativamente, o parceiro de longos anos; desconsidera os seus interesses legítimos(porque amparados num ´investimento de confiança´objetivamente constatável, derivado da conduta constante e duradoura) e que, por isso mesmo, é capaz de ocasionar injusta ´diminuição da lucratividade´àquele que, surpreendido pela ruptura, não se pode preparar para enfrentá-la.
A ´abusividade ´ detectada, como se vê, não está na resilição unilateral, mas no modo como operada sem que oferecido à outra parte, mediante aviso prévio, um ´prazo razoável´ para que pudesse ter planejado empresarialmente(…)
A referência à reiterada tolerância de um contratante a falhas na prestação do outro leva a mencionar, por fim, outra face de atuação do princípio da boa-fé como limite ao exercício de direitos subjetivos ou poderes formativos: é a que apanha a hipótese de perda ou de ´paralisação´do direito subjetivo para além dos casos tradicionais de prescrição ou decadência, o que vem nomeado, no léxico de Menezes Cordeiro, por suppressio e surrectio”(g.n.)
[35] BIRR, Christiane, op.cit., p.165.
[36] R.G. 5.7.1923, vol.107, p.106 e seg., apud RANIERI , Filippo , op.cit, p.17.
[37] CORDEIRO, Antônio Menezes, op.cit, p.802.
[38] RANIERI, Filippo, op.cit, p.18-19.
[39] O exemplo é dado por Fernando NORONHA, op.cit. p.185-186, em cujas palavras os promitentes-vendedores desistiam do negócio por vezes no próprio momento em que deveriam outorgar a escritura definitiva de compra e venda, o que foi vedado por diversas manifestações jurisprudenciais (como cristalizado na súmula n º 166 do Supremo Tribunal Federal) que culminaram na proibição legal da cláusula de arrependimento em diversos compromissos relativos a imóveis, como no art. 16 do decreto-lei n º58/37 e no art.25 da lei n º 6.766/79,
[40] MARTINS-COSTA, Judith . Op.cit, p.317
[41] Ibidem, p.319
[42] Ibidem , p.320
[43] De acordo com Menezes Cordeiro, op.cit., p. 807, “a suppressio não pode, de facto, ser qualificada como renúncia, por não reunir os pressupostos respectivos. A ponderação da metodología inerente às decisões que consagraram a suppressio mostra que falta uma indagação nas condições que permitiram decelar, no titular exercente, uma vontade de renúncia. Desde o início, é estudada a situação apenas nos seus efeitos objectivos, sem contemplação da vontade dos intervenientes. E bem se compreende esse procedimento: pretender, do puro silêncio, ou da mera inacção, retirar actuações negociais, coloca dificuldades de construção teóricas e práticas que, às dos comportamentos concludentes, somam as inerentes a uma actuação que prima, afinal, pela ausência. No entanto, ainda que se alcançasse a não actuação no titular como uma manifestação de vontade em renunciar, a suppressio não ficaria deslindada: seria necessário reunir ou acrescentar uma série de factores, tais como a forma e a aceitação da contraparte, para que se pudesse falar de uma figura verdadeiramente negocial.”
[44] CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Tradução: Antônio Menezes Cordeiro. Lisboa: Calouste Gulbenkiam, 1989. p.275
[45] A exceptio doli, lembra Menezes CORDEIRO, op.cit, p.721-722, exercia um papel duplo, podendo se expressar em duas figuras : a exceptio doli praeteriti ou specialis ¾ quando o réu alegava a prática, pelo autor, de dolo, no momento da formação da situação jurídica posteriormente levada a juízo ¾ e a exceptio doli praesentis ou generalis, quando a ação do incurso em dolo ocorria no momento da discussão da causa.
[46] Em sentido contrário, distinguindo a exceptio doli da proibição do venire contra factum proprium, Paulo Mota PINTO (Sobre a proibição do comportamento contraditório [ venire contra factum proprium ] no direito civil. Revista Trimestral de Direito Civil. vol. 16. Rio de Janeiro, outubro/dezembro 2003, p.171). Para o autor, “no venire contra factum proprium nem sempre se exigirá dolo atual, predominando o elemento de contradição com a conduta anterior, e sua imputação ao agente, por forma a tornar ‘digna de proteção’ pela ordem jurídica a confiança pela contraparte”.
[47] PASQUALOTTO, Adalberto, op.cit., p.157.
[48] RANIERI, Filippo, op.cit, p.08.
[49]Derecho de obligaciones. Tomo I. Tradução Jaime Santos Briz. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958, p.156-159.
[50]Op.cit, p. 728-741 e 808. Por esse motivo, nega o autor que a suppressio possa ser reconduzida à exceptio doli, eis que “(…)a utilização desse conceito conduz a uma metodologia construtivista de tipo central(…)O defasamento metodológico é patente : ao recorrer à exceptio, usa-se de um conceito central para cobrir soluções periféricas, sendo que, do primeiro, não se deduzem as segundas nem das segundas, se induz o primeiro(…)Muito extenso, de compreensão escassa, acaba, afinal, por se traduzir num mero arrimo linguístico destinado a dar credibilidade a posições que, por inovatórias, careciam de, no passado , provar a sua inoquidade”.
[51]Op.cit, p.59.
[52] SCHREIBER, Anderson, op.cit, p.185.
[53]MARTINS-COSTA, Judith, op.cit, p.321.
[54] CORDEIRO, Antônio Menezes, op.cit, p.819-820.
[55] RANIERI, Filippo, op.cit, p.30. Nesse sentido. o seguinte acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: “de outro lado, para a caracterização da suppressio é necessário um comportamento contraditório do titular do direito decorrente de uma conduta omissiva. A suppressio, assim, não se confunde com prescrição, pois, enquanto esta exige apenas o decurso do prazo legal e tem fundamento na segurança jurídica, aquela reclama a existência da confiança gerada na outra parte, decorrente da inatividade do exercício de determinado direito(TJ-RJ, 20ª Câmara Cível, apelação cível 00006910-23.2005.8.19.0209, rel.Des.Agostinho Teixeira, j.22.09.2010)”.
[56] MACHADO, João Baptista, op.cit, p. 228.
[57] SCHREIBER, Anderson, op.cit. p.183.
[58] BIRR, Christiane, op.cit., p.183-184.
[59]Op.cit., p.47.
[60] NEVES, José Roberto de Castro. Boa-fé objetiva: posição atual no ordenamento jurídico e perspectivas de sua aplicação nas relações contratuais. Revista Forense. Rio de Janeiro, vol. 351, 2000. p.175.
[61] Segundo o professor Antonio Junqueira de AZEVEDO ( Interpretação do contrato pelo exame da vontade contratual. Revista Forense. Rio de Janeiro, vol. 351, 2000. p.280-281 ), uma aplicação do tu quoque no direito brasileiro pode ser percebida na exceção de contrato não cumprido ( art. 476, Código Civil ).
[62]Op.cit, p.837.
[63] SCHREIBER, Anderson, op.cit., p.181. Salienta, no mesmo sentido, MENEZES CORDEIRO, op.cit., p.843, que “(…) dada a grande extensão já decelada no venire, nada impediria que o tu quoque lhe representasse um subtipo mais concreto, com especificidades bastantes para incluir princípios próprios”.
[64] BORDA, Alejandro, op.cit, p.53.
[65] AZEVEDO, Antônio Junqueira de , op.cit, p.281.
[66] CORDEIRO, Antônio Menezes, op.cit., p.812-813.
[67]Op.cit, p.172. Embora, segundo o autor, nada obste igualmente se verifique no venire contra factum proprium esse fator temporal, que poderá atuar quer como mero indício para a irreversibilidade do investimento da confiança, quer como verdadeiro elemento fundante da responsabilidade decorrentes da proibição do comportamento contraditório.
[68]Op.cit, p.813.
[69] MACHADO, João Baptista, op.cit, p. 229.
[70]Op.cit, p.828.
[71]Idem .
[72] SCHREIBER, Anderson, op.cit, p.86-87. Acerca do venire, o enunciado n º 362, aprovado na IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “362 – Art. 422. A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil”.
[73] CORDEIRO, Antônio Menezes, op.cit, p.816.
[74] Ibidem, p.822 Na surrectio, como observa Marcelo Dickstein,op.cit, p.164, a partir do factum proprium comissivo e da confiança justificada pelo decurso do tempo, haverá a modificação da relação jurídica previamente existente com a aquisição de um direito subjetivo – nesse incluem-se os direitos potestativos e as faculdades – derivado da cristalização de uma situação repetida, ainda que ao arrepio de disposições contratuais ou legais, de modo que se presuma uma nova conformação jurídica dada as circunstâncias objetivas.
[75]Ibidem, p.821.
[76] NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado.8.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.548.
[77]Op.cit., p.824: “Esta situação deve ser imputável ao prejudicado pela surrectio, seja porque este, em directo, lhe deu lugar, seja porque ela acompanha, com concomitância, outras situações relativas ao mesmo prejudicado, em termos tais que fazem surgir a ideia de risco. No caso concreto, algum ou alguns desses requisitos podem faltar, desde que os restantes assumam uma intensidade tal que supram a sua ausência: integram um sistema móvel. A surrectio, por fim, não deve ser afastada por normas específicas ou por outros princípios que, pontualmente, se lhe sobreponham e é supletiva, no sentido de postular a inaplicabilidade, ao caso em causa, de quaisquer outros remédios que satisfaçam a necessidade jurídica imperiosa que ele visa contemplar. A base legal da surrectio reside no preceito que mande actuar de boa-fé”.
[78] Prólogo a El principio general de la buena fé, op.cit, p.12-13.
[79] NEVES, José Roberto de Castro, op.cit, p.170-171.
[80]Op.cit, p.50.
[81] Tal classificação encontra fortes críticas em MENEZES CORDEIRO, op.cit., p.1129, para quem “Toda a ordenação de WIEACKER assentou, apenas, num reagrupar de elementos diversos, em função das similitudes superficiais que, porventura, apresentem. Há, desta forma, um procedimento periférico, próprio dos jurisprudentes elegantes, com ausência de representações centrais e sem atribuição de um papel básico no próprio sistema (…) A sistemática de WIEACKER ¾se é que de sistemática se pode, em tais condições, falar ¾ é, apenas, descritiva e empírica”.
[82] WIEACKER, Franz. Op.cit, p.53.
[83]Ibidem, p.51 e seg.
[84] Com relação a esta função, segundo DÍEZ-PICAZO, Prólogo, op.cit., p.19, “as partes não devem somente aquilo que elas mesmas estipularam ou estritamente aquilo que determina o texto legal, mas a tudo aquilo que em cada situação impõe a boa-fé”.
[85] Nomenclatura utilizada por Fernando NORONHA, op.cit, p.167.
[86] MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.427 e seg. A referência à tripartição é ainda utilizada por Ruy Rosado de AGUIAR JÚNIOR (cf. A boa-fé na relação de consumo. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, v.14, abril/junho 1995, p.25.
[87] RANIERI, Filippo, op.cit., p.27.
[88] DÍEZ-PICAZO, op.cit., p.19.
[89] MACHADO, João Baptista, op.cit. ,p.324.
[90] BORDA, Alejandro, op.cit, p.53.
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