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Juridicidade do Dano Ambiental: gestão da zona costeira e aspectos da exploração do pré-sal pelo Brasil – Parte 5
José Rubens Morato Leite
03/02/2020
Confira, a seguir, a quinta e última parte do artigo Juridicidade do Dano Ambiental, de José Rubens Morato Leite e Leonio José Alves da Silva. Saiba mais sobre a zona do pré-sal brasileiro:
Zona do Pré-Sal Brasileiro: conceito e caracterização
A zona do Pré-Sal (PALMA, 2011, p. 29) compreende as reservas de hidrocarbonetos de rochas calcárias localizadas abaixo das camadas de sal, possibilitando a descoberta de petróleo em faixas de 5.000 até 7.000 metros de profundidade abaixo do nível do mar; tal camada é apresentada em torno de 800 km de extensão por 200 km de largura, indo do litoral de Santa Catarina até o Espírito Santo.
Desde 1970, a Petrobras já investigava a existência de fontes petrolíferas na região, contudo a tecnologia ainda era incipiente para a prospecção que ultrapassa uma lâmina d’água superior a 2.000m, uma camada de sedimentos em torno de 1.000m e uma terceira de aproximadamente 2.000m de sal, envolvendo as bacias de Santos, Campos e Espírito Santo e sinalizando eventual condição de país exportador ao Brasil.
Alguns campos de petróleo já foram explorados na região do Pré-Sal, dentre os quais: Tupi (reserva estimada entre 5 a 8 bilhões de barris) Guará, Bem-te-vi, Carioca, Júpiter e Iara. Entretanto, em rumo oposto à propalada autonomia econômica no cenário internacional, o governo brasileiro praticamente anulou o debate sobre a sustentabilidade e a promoção de riscos em tal atividade, além de mascarar o incentivo financeiro a uma matriz energética cara e altamente degradante, dado constatável historicamente dos danos oriundos da prospecção, do transporte, do armazenamento e da comercialização de tal modalidade combustível.
O frágil e açodado “debate”, promovido pela Agência Nacional do Petróleo, Ministério das Minas e Energia, Ministério das Ciências e Tecnologia, Petrobras e demais atores interessados na execução do Projeto Pré-Sal, ignora o fato da inexistência de tecnologia suficiente para amenizar ou para até mesmo mensurar os riscos envolvidos (notadamente pela questão sísmica da área) e níveis de segurança desejáveis com uma coerência científica preventiva, notadamente na hipótese de acidente.
Diante da teoria do risco de desenvolvimento e, de maneira irresponsável, investe-se em um paradigma energético contraditório à sadia qualidade de vida, desrespeitando a ótica da variável ambiental e resumindo as externalidades de uma atividade impactante ao debate dos “dividendos sociais” do petróleo e repartição de royalties, quando o cerne da questão deveria ser o princípio constitucional da variável ambiental, da prevenção e precaução e ausência de um debate intergeracional e de boa governança internacional, pois o Brasil será o primeiro a explorar a referida área e, no atual “estado da arte”, qual a garantia da existência de tecnologia na hipótese de vazamento em região tão profunda?
Diante do cenário imposto pelas autoridades brasileiras, apresenta-se um perigoso e irreversível quadro de tolerância com a encampação de atividades sem a prévia noção dos efeitos e potenciais impactos à natureza e, principalmente, a negação à pesquisa e ao investimento nas fontes energéticas limpas, de menor custo e socialmente responsáveis.
A produção do petróleo oriundo da zona Pré-Sal, como toda e qualquer atitude causadora de externalidade negativa, deveria ser uma decisão aberta, democrática, tecnicamente ancorada em tecnologia suficiente e comprovadamente precisa para evitar e conter eventuais acidentes ocorridos, uma vez que o potencial de sinistralidade na prospecção, transporte e comercialização do petróleo e seus derivados é altíssimo e quase sempre de efeitos transfronteiriços, a exemplo do recente derramamento de óleo na Bacia de Campos, verificado em 7 de novembro de 2011, sob a responsabilidade das empresas Chevron e Petrobras, na qual estima-se o vazamento de 1.400 a 2.310 barris no campo de Frade, com extensão da mancha para160 km², consoante a ANP, além do vazamento de gás da plataforma P-40, em Macaé, na mesma bacia fluminense.
O uso de tecnologias na busca de fontes energéticas deve ser compatibilizado com a análise de um possível e exponencial acréscimo dos fatores de risco e afrouxamento das regras preventivas e precaucionais internas e internacionais, além de respeitar o princípio da proibição do retrocesso ecológico, diante do verdadeiro culto ao petróleo, promovido pelo governo brasileiro, desprezando o dado de que as somas vultosas de investimento na prospecção da região Pré-Sal poderiam ser direcionadas para o combate às desigualdades sociais sem diminuir os níveis de qualidade de vida hoje existentes.
Insiste-se no rumo do petróleo como se nenhuma outra fonte de energia limpa e renovável existisse e até o presente momento não foi divulgado estudo conclusivo sobre a concentração de CO² e emissão efetuada com a exploração do Pré-Sal, apenas constando na página da Petrobras o quantitativo da emissão dos atuais empreendimentos, tentando justificar uma pretensa transparência na conduta ambiental e legitimar o uso da tecnologia poluente, inexistindo, de tal forma, preocupação com a transparência de dados e muito menos com o esclarecimento da população brasileira.
Conclusões
Atualmente, os problemas ambientais de segunda geração devem abrir espaço para a sustentabilidade forte, duradoura, principalmente nas hipóteses de riscos de grave dimensão, como na exploração do petróleo do Pré-Sal, em que a incerteza ainda domina o cenário científico ainda pressionado pela ingerência econômica.
A gestão da Zona Costeira e do Brasil e seu magnífico acervo marítimo dependem de um contínuo esforço de cooperação e planejamento preventivo e precaucional, no âmbito internacional, consoante às lições da nova hermenêutica do direito ambiental.
O Brasil, ao contrário das diretrizes internacionais de aproveitamento energético e redução da emissão de poluentes, insiste em investir em tecnologia pesada e suja com o fito de obter independência econômica utilizando o petróleo como matriz energética ultrapassada, altamente impactante, remontando aos primórdios do monopólio estatal e ao início da prospecção, calcado na exclusiva preocupação da partilha dos royalties.
A necessidade de investimentos para erradicação da miséria e das desigualdades regionais é imperiosa; contudo, o preço a pagar consiste na degradação do meio ambiente sem a menor garantia de critérios científicos claros, abertos ao conhecimento popular e franqueando um indispensável debate?
Não se pretende divulgar a eternização do debate científico e dos pilares da tecnologia empregada no Pré-Sal; apenas alerta-se para o apressado processo de licenciamento, imposto pela recente Portaria MMA n. 422/2011 e os possíveis vícios de inconstitucionalidade do seu fluxo e, de igual forma, lamenta-se a ausência de debates com a sociedade para a discussão de fontes alternativas de energia, implicando na supressão constitucional da participação popular na condução dos processos decisórios sobre o meio ambiente e na inexistência de uma verdadeira política energética brasileira.
Qualquer investimento em técnica impactante deve estar ancorado em sólidas e exaustivas bases científicas, o que não se pode afirmar de uma atividade realizada pela primeira vez, em profundidade tão ampla, aliada aos inúmeros exemplos históricos de elevação dos índices de poluição e catástrofes/acidentes locais e mundiais no lamentável catálogo da degradação do meio ambiente.
Enfim, as gerações do futuro devem sofrer com decisões das quais não participaram e tomadas em torno de critérios não divulgados e sem a obediência aos ditames constitucionais? Qual o preço do fomento das políticas de combate às desigualdades regionais e sociais?
Conheça aqui as obras de José Rubens Morato Leite!
Referências
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