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Ilana Zeitoune

Ilana Zeitoune

17/04/2017

O assunto dos recursos não convencionais de petróleo e gás vem recebendo destaque no Brasil e no mundo. Descobertas recentes de reservatórios não convencionais em concessões localizadas em bacias sedimentares brasileiras, e a constatação de sua real dimensão, tem produzido intenso debate na doutrina, uma vez que tanto os Concessionários quanto a própria agência reguladora do setor petrolífero depararam-se com uma nova realidade exploratória, a qual demanda técnicas distintas de exploração e produção.

A escassez de recursos petrolíferos é fator relevante para a procura de novas possibilidades de exploração. Recentes descobertas de novas áreas de extração de petróleo, como os campos offshore do pré-sal brasileiro, no entanto, não são suficientes para eliminar o interesse estratégico e econômico de se buscar novas fontes energéticas. Uma dessas alternativas é o denominado comumente recurso não convencional ou “unconventional” que pode permitir igualmente a extração de petróleo e de gás.

A classificação convencional ou não convencional deixou de ser pautada por aspectos econômicos e passou a ser regida pelas diferenças geológicas dos reservatórios.1 Nesse sentido, afirma-se que a descoberta de acumulações de hidrocarbonetos em folhelhos, por exemplo, que atuam simultaneamente como rocha geradora e como rocha reservatório, representou uma quebra de paradigma na geologia, antes centrada na divisão tripartite: rocha geradora, rocha reservatório e selo.

Diferentemente do óleo e gás da categoria convencional, que ocorrem em acumulação em sub- superfície e podem ser produzido por método convencional de extração, por produção natural ou por estimulação do reservatório, o petróleo  e gás não convencionais exigem a implantação de tecnologia e de processos diferentes daqueles tradicionais de extração, em que o fluxo de fluido no meio poroso depende basicamente de condições favoráveis de permeabilidade do reservatório e da viscosidade do petróleo.2

Destarte, a categoria de não convencional compreende o petróleo e o gás extraídos por meio de técnicas especiais de produção, como o fraturamento hidráulico em reservatório fechado (de baixa permeabilidade), com a utilização de poços horizontais e verticais, e o aquecimento in-situ para redução da viscosidade. A análise da
qualidade do reservatório, no caso desta categoria, depende de estudos estratigráficos e construção de modelos do sistema petrolífero e da evolução geológica de toda a bacia sedimentar.

Diversos são os tipos de reservatórios associados ao termo não convencional, dentre os quais se destacam: shale gas (gás de folhelho), tight sands gas (gás de arenitos de baixa permeabilidade), gas hydrates (hidratos de gás natural), coalbed methane (gás de carvão), oil sands, oil shale e shale oil.

Até o presente momento, não há no ordenamento jurídico brasileiro uma regulação específica para a exploração e a produção de fontes não convencionais de petróleo e gás natural, sendo que determinados Concessionários, embasados majoritariamente por razões de ordem técnica, já atentaram à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (“ANP”) para a necessidade de tal regulação, de forma a viabilizar tais atividades não convencionais.

Nesse contexto, o presente artigo tem por objetivo apresentar essa nova questão regulatória que emergiu tanto na Indústria do Petróleo quanto na Indústria do Gás, salientando algumas das especificidades dos recursos não convencionais, perpassando pelo conflito de competência que se instaurou no meio jurídico para a regulação de tais recursos, e concluindo, ao final, pela necessidade de uma regulamentação própria para o gás não convencional.

1. A Indústria do Gás Natural: breves notas

A cadeia do gás natural é constituída pelas seguintes etapas: exploração e produção, processamento, transporte e distribuição. A primeira etapa resume-se à identificação de reservas de gás natural (associado ou não ao petróleo) no subsolo, em terra ou no mar, para sua extração pelo concessionário. Na etapa seguinte, o gás extraído é transportado, por meio de gasodutos de recolhimento, às Unidades de Processamento de Gás Natural, nas quais passa por um processo de separação. Em seguida, o gás é transportado

até os locais de consumo, por meio de uma rede de gasodutos. Por fim, após a transferência do gás nos city-gates, este é distribuído aos consumidores finais por meio de redes de distribuição. Diferentemente do petróleo, não há etapa de refino no caso do gás natural.3

Afirma-se que, historicamente, o desenvolvi- mento da indústria de gás natural concentrou- se em países com grandes dotações de recursos e disponibilidade de capital, por demandar investimentos não apenas para a etapa de exploração e produção, mas para toda a cadeia produtiva do gás, em particular nos segmentos de transporte, distribuição e estocagem. Por isso, afirma-se que o comércio internacional do gás natural desenvolveu-se tardiamente.4

Diferentemente de outras fontes energéticas, o gás natural apresenta uma série de especificidades técnicas e econômicas que tornam o seu comércio mais complexo. Dentre tais especificidades, destaca-se uma maior dificuldade para o seu transporte e estocagem, criando-se forte dependência entre produtores e consumidores.

Ao contrário do petróleo, que pode ser armazenado para utilização posterior, o gás natural exige o consumo imediato, pois as tecnologias que permitem seu armazenamento, como as de compressão, liquefação e uso de cavidades do solo são extremamente dispendiosas. Acresce-se a isso o fato de que, em países em desenvolvi- mento, a fragilidade institucional faz com que os segmentos de transporte e distribuição de gás natural somente se viabilizem com investimentos estatais, em vista do grande volume de capital exigido.

Outro fator apontado por especialistas como inibidor do desenvolvimento dessa fonte energética é a falta de um mercado cativo para o  gás natural. Consequentemente, o valor do gás natural passa a ser determinado pelo preço dos combustíveis concorrentes, o que gera riscos econômicos para os investimentos nessa matriz energética.5

Entretanto, com a elevação do preço do petróleo e o aperfeiçoamento de novas formas de utilização do gás natural nas últimas décadas – como para a produção de termoeletricidade, além do tradicional uso industrial e residencial – houve um crescimento do mercado internacional desse recurso energético, com o aumento de seu con- sumo. Dentre os maiores produtores de gás natural destacam-se os Estados Unidos, a Rússia e o Canadá. Vale registrar que o desenvolvimento do GNL possibilitou uma maior diversificação dos modais de transporte do gás natural e, por conseguinte, um aumento na segurança de seu abastecimento.

A expansão do uso do gás natural pode ser ainda justificada devido a sua relativa abundância e as suas vantagens de ordem ambiental, já que, dentre os combustíveis fósseis, é um dos que provocam menores emissões de carbono. Nesse sentido, Edmilson Montinho dos Santos afirma que:

além do menor impacto sobre o efeito estufa, outros parâmetros ambientais são vantajosos no caso do uso do gás natural, em comparação a outros combustíveis fósseis: emissão muito menor de dióxidos de enxofre (relacionados à ocorrências de chuvas ácidas) e  de material particulado – desde que o uso se dê em equipamentos adequados à queima de gás.6

Além do baixo nível de emissões de poluentes, destacam-se como características vantajosas do gás natural seu elevado poder calorífico e o alto rendimento energético. Logo, comparado com outros recursos energéticos, o gás natural pode ser considerado um combustível limpo.7

Com efeito, o crescimento da produção de gás natural em formações geológicas não convencionais contribuiu para a reconfiguração da geopolítica gaseífera. Nesse contexto, o aperfeiçoamento das técnicas de perfuração horizontal e fraturamento hidráulico tem redimensionado e redistribuído as bases de recursos de gás natural, de modo que países antes dependentes de sua importação passam a atuar como exportadores desse recurso energético.

No âmbito internacional, afirma-se que o termo ‘gás não convencional’ surgiu na década de 1970 para designar os recursos subcomerciais (leia-se, economicamente não viáveis de serem explorados ou com retornos econômicos marginais) contidos em reservatórios fechados, em rochas geradoras e em carvão. Registre-se, ademais, que o referido termo começou a ser difundido nos Estados Unidos como resultado da política norte-americana definida pelo Gas Policy Act de 1978, que previa incentivos fiscais à produção de fontes alternativas de energia, na qual se inclui o shale gas.8

Note-se que no ano de 2000, o shale gas correspondia a menos de 2% do total da produção americana de gás natural, ao tempo que, em 2012, esse percentual evoluiu para 37% do total de produção. Especialistas da Indústria estimam que, no ano de 2020, tal percentual subirá a mais da metade do total da produção, podendo contribuir para a independência energética do Ocidente.9

De acordo com estudo realizado pela U.S. Energy Information Administration (“EIA”), estima- se que haja 7.299 trilhões de metros cúbicos de shale gas tecnicamente10 recuperável no mundo. A China, os Estados Unidos e a Rússia são apontados como possuidores das maiores reservas recuperáveis de gás natural não convencional, sendo que apenas nos EUA sua produção tornou-se realidade. Outros países como França, Polônia, México, África do Sul e Argentina, apesar de reduzidas reservas de recursos convencionais, apresentam elevado potencial de produção de shale gas. Tal constatação foi possível por meio da perfuração de poços em formações não convencionais, que auxiliou no esclarecimento das respectivas propriedades geológicas e do potencial de produção. 11

Releva notar que diversas agências federais americanas estão assistindo outros países no conhecimento e desenvolvimento de shale gas sob o manto do Programa de Engajamento Técnico de Gás Não Convencional (denominado Unconventional Gas Technical Engagement Program – UGTEP, e antes conhecido como Global Shale Gas Initiative – GSGI), inaugurado pelo Departamento de Estado norte-americano em 2010.12 Países como Argélia, Índia, Polônia, Romênia, Arábia Saudita, Turquia, Ucrânia e Reino Uni- do já demonstraram interesse e/ou iniciaram atividades exploratórias em formações não convencionais.

No Brasil, do mesmo modo, intensifica-se o interesse pela exploração de gás não convencional. Em que pese não se identificar o início de tal produção, concessionários da Indústria, antes mesmo do anúncio da Rodada de Licitação da ANP para a exploração e produção de recursos não convencionais, que será abordada adiante, já haviam localizado em suas concessões potenciais alvos não convencionais, conclamando à Agência um tratamento específico para a questão, pelas razões que pontuaremos em seguida.

2. O desafio de um novo  paradigma: reservatórios não convencionais

A quebra do paradigma para a obtenção de vazões economicamente viáveis em reservatórios de baixa permeabilidade e porosidade começou, no caso dos Estados Unidos e do Canadá, em bacias que já haviam sido extensivamente exploradas, em fase de forte declínio de produção e em muitos casos em processo de abandono definitivo de campos antigos. A busca de mecanismos de recuperação terciária e quaternária destes velhos campos levou ao desenvolvimento tecnológico de novas técnicas para estimular reservatórios de baixíssimas permeabilidades (denominados unconventional reservoirs).

Uma das principais características das bacias que tornaram o berço tecnológico desses reservatórios não convencionais foi o seu conhecimento extensivo, com um número gigantesco de poços previamente perfurados, e uma infraestrutura de produção e transporte já instalada. No caso dos Estados Unidos e do Canada, outros fatores importantes contribuíram para a expansão dos não convencionais, como o direito de propriedade privada sobre o subsolo existente em tais jurisdições – o que gera um grande incentivo ao desenvolvimento – a disponibilidade de vários operadores independentes, a preexistência de uma infraestrutura para escoamento do gás natural, e a disponibilidade de fontes de água para serem utilizadas no fraturamento hidráulico, com vistas à retirada do gás preso na rocha.

Pode-se afirmar que tanto o shale gas quanto o tight oil revolucionaram a produção de petróleo e gás natural nesses países, proporcionando larga escala de produção a custo relativamente baixo. A EIA estima que a produção de tais fontes cor- responderam, respectivamente, a 40% e a 29% do total da produção americana de gás natural e petróleo bruto em 2012.13

De acordo com diversas fontes da literatura técnica, os reservatórios convencionais são aqueles que apresentam vazões economicamente viáveis sem a necessidade de aplicação de processos especiais de recuperação. Um reservatório convencional é essencialmente um reservatório com condições permoporosas que permitem a recuperação e produção de volumes economicamente viáveis, sem a necessidade de utilização de tecnologias avançadas de perfuração, completação e estimulação.

Por outro lado, um reservatório não convencional pode ser entendido como aquele  que não atinge vazões de fluxo de gás economicamente viáveis sem a aplicação de tratamentos de estimulação extensiva, do tipo fraturamento hidráulico combinado com a perfuração de poços horizontais, poços multilaterais ou alguma outra técnica que possa permitir expor uma área maior do reservatório para a parede do poço.

A aplicação da técnica de faturamento hidráulico para estimular a produção de petróleo e gás natural iniciou na década de 1950, antecedida de experimentação que remonta ao século 19. Tal técnica consiste na injeção de um fluido, à base de água e solventes químicos comprimidos, na formação, sob vazão e pressão controladas e elevadas o suficiente para provocar a ruptura da rocha por tração, dando início a uma fratura que se propaga durante o período de bombeamento do fluido. Em seguida, o material de sustentação de fratura ou propante, é bombeado, juntamente com o fluido de fraturamento, mantendo a fratura aberta e criando caminhos preferenciais de alta permeabilidade para a migração do gás a ser extraído.14 A quantidade, tipo e qualidade do agente propante são fundamentais para o sucesso da propagação e sustentação das fraturas no reservatório.

Ademais, campanhas de fraturamento hidráulico em reservatórios de baixa permeabilidade geralmente geram uma demanda de grandes volumes de propante a serem injetados na formação, o que implica na utilização simultânea de várias unidades de fraturamento e água em grande es- cala, o que gera crítica de ambientalistas.

A utilização da perfuração horizontal de petróleo, por sua vez, teve início no início da década de 1980, em conjunto com o desenvolvimento de equipamentos de apoio e tecnologia necessários a tornar tal produção uma realidade.15

Ao contrário de reservatórios convencionais, que são comparativamente pequenos em volume in situ, mas fáceis de serem desenvolvidos, os reservatórios não convencionais são grandes em volume in situ, mas difíceis de serem desenvolvidos. Contudo, a rapidez com que se pode dar o início da produção de gás natural em reservatórios não convencionais, e o perfil da curva de produção, justificam a viabilidade econômica deste tipo de recurso, apesar de seus elevados custos de produção.16

A definição constante do Dicionário do Petróleo17 faz o contraponto entre gás convencional e gás não convencional. Confira-se:

Gás natural de reservatórios convencionais, excluindo aquele de fontes como aquíferos saturados, hidratos, xisto e outras fontes atual- mente consideradas fora do alcance das técnicas convencionais de exploração e produção de gás. Reservas de gás não convencional passam a ser consideradas como de gás convencional à medida que novas técnicas aplicáveis a estas reservas são viabilizadas. 2. Gás contido nos poros das formações produtoras dos reservatórios, em contraposição Àquele absorvido na matriz da rocha, ou no carvão, por exemplo.

Dentre os principais tipos de reservatórios de gás natural associados ao termo não convencional, a doutrina destaca os seguintes: gás de folhelho (shale gas), gás de arenitos de baixa permeabilidade (tight sands gas), gás de carvão (coalbed methane), e os hidratos de gás natural.

O gás de folhelho18 é contido em rocha geradora de baixa permeabilidade – menor que as de formações convencionais – de forma que apenas pequeno volume de gás flui naturalmente para um poço. Além disso, tal espécie é localizada em camadas profundas, de difícil extração, o que demanda tecnologia avançada.19

Registra-se que a produção de shale gas em larga escala, comercialmente viável, somente ocorreu no ano de 2000, em Barnett, localizado no centro-norte de Texas. Em 2005, apenas essa formação sozinha estava produzindo cerca de meio trilhão de metros cúbicos de gás natural por ano. Outras formações como Fayetteville, Haynesville, Marcellus, Woodford e Eagle Ford, seguiram similar trajetória, com êxito na produção de gás de folhelho.20 Tendo em vista que a maioria dos poços de gás de folhelho é ainda relativamente nova, há ainda uma considerável incerteza acerca da vida útil desses poços e sua recuperação.21

Reservatórios do tipo tight sands gas são geral- mente definidos como reservatórios areníticos ou com matriz carbonática, que podem ou não estar naturalmente fraturados, e que exibem permeabilidades (in-situ) menores que 0.10 mD. Muitos reservatórios de gás do tipo ‘ultra tight’ podem ter permabilidades (in-situ) tão baixas quanto 0.001 mD. Em geral, os poros desse tipo de formação geológica são distribuídos de for- ma irregular pelo reservatório, de maneira que a porosidade da rocha apresenta-se muito inferior à das rochas de reservatórios convencionais. 22 Com tais características, a taxa de fluidez do gás através dessas rochas é, geralmente, muito baixa, demandando métodos especiais que façam com que o gás flua mais facilmente em direção ao poço, como acidificação, fraturas em formações subterrâneas e, mais recentemente, utilização de poços horizontais e multilaterais.23

Outra fonte de gás não convencional que vem ganhando atenção é o metano da camada de carvão, que pode ser dela extraído e injetado em dutos de transporte de gás natural, para comercialização. O metano é termicamente gerado com a quebra do carvão, e posteriormente absorvido pela matriz de carvão, ficando aprisionado nos depósitos sólidos de hidrocarbonetos. Em razão de movimentos da crosta terrestre, ocorrem fraturas naturais nos depósitos de carvão, que permitem que parte do gás absorvido pela matriz de carvão mova-se para tais fraturas, não sendo liberado para a atmosfera, podendo delas ser extraído.

Adicionalmente, aponta-se como uma recente fonte de gás natural não convencional o hidrato de gás, consistente em formações compostas por uma rede de moléculas de água no estado sólido, que circundam moléculas de metano. O hidrato de gás é estável em condições de baixa temperatura e alta pressão.24 Não se conhecem, ao certo, os efeitos que a extração de hidrato de metano pode ter sobre o ciclo natural do carbono e sobre o meio ambiente, havendo estudos que apontam para o risco de intensificação do efeito estufa em decorrência dessa produção. Assim, apesar de considerável disponibilidade desses recursos, sua produção ainda não é economicamente viável.25

3.  O Gás Natural no Brasil: dos primórdios da exploração e produção convencional às alternativas não convencionais

Remonta-se à década de 1940 as primeiras descobertas de gás natural no Brasil, sendo o primeiro campo de gás não associado descoberto na Ilha de Itaparica.26 A produção do gás natural, por sua vez, tem início no ano de 1954, no Estado da Bahia, e concentrou-se primeiramente na região Nordeste (Bahia, Alagoas, Sergipe e Rio Grande do Norte), região em que também ocorria o maior consumo dessa energia. A partir da década de 1980, o eixo da produção migra para a região Sudeste, especialmente, para o Estado do Rio de Janeiro, onde ocorria a expansão da produção na Bacia de Campos.27

Além do desenvolvimento da Bacia de Campos, a implantação do gasoduto Bolívia-Brasil e o início da importação de gás natural da Bolívia, estimada a 30 milhões de m3/dia, deram novo impulso à Indústria brasileira de Gás Natural.28 O primeiro trecho do gasoduto, conhecido como trecho norte, entre a Bolívia e as cidades de Campinas e Guararema, no Estado de São Paulo, iniciou suas operações em julho de 1999. O outro trecho, denominado sul, de São Pau- lo a Porto Alegre, foi inaugurado em março de 2000.

Reformas setoriais e o programa de privatização ocorrido na década de 1990, em particular no setor elétrico, sinalizaram novas oportunidades para os investidores privados na geração. Nesse contexto, as centrais termoelétricas a gás se constituíam em um empreendimento mais adequado ao perfil de riscos do capital privado, por exigir escalas menores e tempo menor de retorno do investimento.29

Assim, a expansão da indústria do gás natural brasileira transformou-se em um dos principais objetivos da política energética nacional. Nesse sentido, a Lei 9.478/1997, que instituiu o Conselho Nacional de Política Energética e criou a ANP, estabeleceu, em seu art. 1º, inc. VI, como um dos objetivos das políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia, “incrementar, em bases eco- nômicas, a utilização do gás natural”.

Posteriormente, o legislador pátrio editou a Lei nº 11.909, de 04 de março de 2009, com  o objetivo de permitir a abertura do segmento da comercialização e a expansão da malha de transporte, o que decorre na elaboração de vários arranjos contratuais entre os importa- dores, exportadores, comercializadores, distribuidoras e consumidores livres.30

Em 2010, foi editado o Decreto nº 7.382, o qual, além de regular o acesso e o uso das instalações essenciais para o transporte de gás, previu o desenvolvimento das atividades da indústria do gás natural, que não deveria estar restrito apenas à conveniência e à oportunidade da iniciativa privada, mas em consonância com o planejamento do próprio Estado.31

Segundo informação disponibilizada pela ANP32, o Brasil possui 38 bacias sedimentares, sendo 29 com interesse para petróleo e gás natural (5,0 milhões km2 em terra e 2,5 milhões km2 em mar), mas apenas um peque- no percentual (proporcional à extensão total) é, de fato, explorado. Dentre as principais Bacias terrestres com exploração de gás natural convencional atualmente destacam-se a Bacia do Amazonas e a Bacia do Paraná33.

Visando o desenvolvimento da potencialidade das bacias terrestres brasileiras, a ANP promoverá nova Rodada de Licitações (Décima Segunda), na qual serão ofertados 240 blocos com risco exploratório, localizados em 13 setores de 7 bacias sedimentares, sendo 110 blocos exploratórios em áreas de Novas Fronteiras nas Bacias do Acre, Parecis, São Francisco, Paraná e Parnaíba, e 130 blocos exploratórios em Bacias Maduras do Recôncavo e de Sergipe-Alagoas, que totalizam 68.348,42 km² de área.34

A Décima Segunda Rodada foi autorizada pela Resolução CNPE nº 6, de 25 de junho de 201335. Apesar de não ser uma Rodada voltada especificamente para a exploração e produção de recursos não convencionais, a referida Resolução institui como objetivos dessa iminente Licitação (i) a atração de investimentos para regiões ainda pouco conhecidas geologicamente ou com barreiras tecnológicas a serem vencidas, possibilitando o surgimento de novas bacias produtoras de gás natural e de recursos petrolíferos convencionais e não convencionais e, com relação às Bacias Maduras, (ii) o oferecimento de oportunidades exploratórias que possibilitem a exploração e
a produção de gás natural a partir de recursos petrolíferos convencionais e não convencionais contidos nessas regiões.

Passemos à análise do marco regulatório brasileiro para o gás natural, a fim de verificar sua conformidade ao atendimento do objetivo instituído pelo Poder Executivo acerca da exploração e produção de gás extraído de recursos não convencionais.

3.1. Da competência regulatória para o gás não convencional

Uma questão prévia que merece ser mencionada, por sua relevância histórica, é a controvérsia originalmente instaurada entre o Departamento Nacional de Produção Mineral (“DNPM”), órgão regulador de setor minerário brasileiro, e a ANP para definir a regulação da lavra do xisto betuminoso. Apesar de este trabalho não tratar
do xisto betuminoso, é certo que o desfecho dessa controvérsia resulta indiretamente na definição do órgão competente para regular o gás não convencional.36

Identificamos como ponto de partida da controvérsia parecer de lavra da Consultoria Geral de República (Parecer CGR nº H-247, de 31 de agosto de 1965), no qual é afirmado que o xisto betuminoso não é um hidrocarboneto, nem um fluido, de modo que seria regulado pelo então Código de Minas (Decreto-lei nº 1.985/1940) e não pelo mesmo regramento que o petróleo.37

Com o advento do novo Código de Mineração (Decreto nº 62.935/1968), tem-se a exclusão das jazidas de rochas betuminosas e pirobetuminosas da competência do DNPM, o que levou ao entendimento de que as atividades realizadas sobre tais rochas estariam sujeitas à regulação do então Conselho Nacional de Petróleo.

A Lei nº 9.478/97 (“Lei do Petróleo”), contudo, não regulou expressamente o xisto  betuminoso – tampouco outras fontes não convencionais de petróleo e gás natural. Dessa forma, autoridades do DNPM permaneceram com a posição de que a competência para outorga de autorizações para exploração de xisto seria desse Órgão, por se tratar de lavra mineral, cabendo-lhe, portanto, a arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (“CFEM”).

Em 06 de outubro de 2011, a Procuradoria Federal junto à ANP firmou, no Parecer nº 061/2011/PF-ANP/PGF/AGU, o entendimento de que a competência regulatória da exploração do xisto betuminoso e de demais fontes não convencionais é da ANP.38

Dentre as razões apontadas no referido Parecer, afirma-se que a Lei do Petróleo, em seu art. 61, distinguiu mais de uma espécie do gênero petróleo (“petróleo proveniente de poço, de xisto ou de outras rochas”) e que, por isso, não importaria, juridicamente, diferenciar as características físico químicas do “petróleo de poço” e do “petróleo de xisto”, pois ambos seriam espécie do gênero petróleo, devendo, por conseguinte, receber o mesmo tratamento legal, inclusive no que diz respeito ao órgão regulador com atribuição para regulamentar as atividades industriais correlatas, o que se examina no presente trabalho. Igual entendimento aplicar-se-ia ao gás natural.

Na mesma linha, a Superintendência de Participações Governamentais (“SPG”) da ANP afirmou que a utilização de técnicas exploratórias não convencionais não é condição suficiente para descaracterizar o objeto da lavra como não abrangido pela Lei nº 9.478/97 e, portanto, sujeito à regulação da ANP.39

3.2. Da regulamentação do gás não convencional no Brasil e os desafios a serem enfrentados

Ultrapassada a questão inerente à competência regulatória sobre a exploração de fontes não convencionais, passemos à análise de sua regulamentação.

O arcabouço regulatório brasileiro da indústria de gás natural estrutura-se a partir de leis, porta- rias e decretos. O segmento de upstream (exploração e produção de gás natural) é regulamentado pelas Leis nº 9.478, de 1997 (Regime de Concessão), e nº 12.351, de 2010 (Regime de Partilha de Produção). O segmento de midstream, que engloba as atividades de recolhimento, processamento, transporte, liquefação, regaseificação e estocagem de gás natural, passou a ser regido, desde 2009, pela Lei nº 11.909/09, regulamentada pelo Decreto nº 7.382/2010. A distribuição de gás natural, por sua vez, é regulamentada por regras estaduais, tendo em vista a competência atribuída pelo art. 2540 da Constituição Federal de 1988.

Em termos de gás natural, observa-se que a Lei nº 9.478/97 regulamenta as atividades que são monopólio da União, nos termos do art. 177 da Constituição Federal, quais sejam: pesquisa, lavra, importação, exportação e transporte dutoviário de gás natural. A Lei nº 11.909/09, por sua vez, traz uma normatização específica para  a Indústria do Gás Natural, mantendo-se, em princípio, diretrizes comuns às atividades petrolíferas, e regulando, com maior propriedade, aspectos peculiares ao gás natural.41

A doutrina, em geral, reconhece que tanto a Lei nº 9.478/97 quanto a Lei nº 11.909/2009 não fazem menção específica ao gás não convencional. Contudo, há quem sustente a possibilidade de enquadrar essa categoria na definição de gás natural contida no inciso II do art. 6° da  Lei 9.478/97 e no inciso XIV do art. 2° da Lei 11.909/09, cujas respectivas redações seguem transcritas:

Gás Natural ou Gás: todo hidrocarboneto que permaneça em estado gasoso nas condições atmosféricas normais, extraído diretamente a partir de reservatórios petrolíferos ou gaseíferos, incluindo gases úmidos, secos, residuais e gases raros.

Gás Natural ou Gás: todo hidrocarboneto que permaneça em estado gasoso nas condições atmosféricas normais, extraído diretamente a partir de reservatórios petrolíferos ou gaseíferos, cuja composição poderá conter gases úmidos, secos e residuais.

Tais redações levam em consideração a definição de reservatório prevista no inc. X do art. 6º da Lei nº 9.478/97, segundo o qual “Reservatório ou Depósito: configuração geológica dotada de propriedades específicas, armazenadora de petróleo ou gás, associados ou não.”.

Nesse sentido, BISAGGIO, ESTEVÂO e CONFORT asseveram, conforme definições acima destacadas, que:

Tendo em vista que o gás natural se caracteriza como um hidrocarboneto gasoso extraído de reservatórios e que um reservatório é um configuração geológica capaz de armazenar gás, pode-se depreender que, à exceção do gás de hidrato de metano, o produto obtido de todas as demais fontes não-convencionais poderia ser enquadrado simplesmente como “gás natural”.42

Nada obstante, mesmo que se entenda que o gás não convencional seja abarcado pela Lei do Petróleo ou pela Lei do Gás, há quem argumente que o modelo regulatório contratual vigente para o gás e o petróleo convencional não é ade- quado para o petróleo e o gás não convencionais.

Com efeito, concessionários que vislumbraram a possibilidade de explorar gás de reservatórios não convencionais no âmbito de suas Concessões, oriundas de Rodadas de Licitações anteriormente promovidas pela ANP, apresentaram pleitos junto à Agência, com vistas a viabilizar tal intento. Dentre os aspectos mais críticos levantados consta a necessidade de um período exploratório mais extenso, de forma a permitir o real conhecimento da área explorada e  o acesso aos recursos, considerando que o tipo de ‘play’ não convencional geralmente abrange áreas maiores que o ‘play’ convencional e, por conseguinte, demanda a perfuração de mais poços. Além disso, releva notar que diferentemente dos ‘plays’ não convencionais americanos, por exemplo, que se situam em bacias amplamente exploradas, com um grande volume de perfuração, no caso brasileiro, muitas dessas oportunidades estão em bacias de Novas Fronteiras, ainda não tão bem conhecidas.43

Há outros aspectos que evidenciam a necessidade de uma específica regulamentação, como os aspectos de ordem ambiental relacionados a tal exploração. Primeiramente, com relação ao licenciamento ambiental, há de se avaliar se, no caso do shale gas, esse poderia se dar por campo ou por bloco, e não por cada poço, como ocorre no caso dos convencionais. Merece igual atenção o tratamento a ser conferido à atividade de fraturamento hidráulico no Brasil44. Este procedimento vem sendo objeto de críticas sob a alegação de que há risco de contaminação da qualidade da água em razão dos fluidos utiliza- dos no fracionamento.45

Ademais, por se tratar de atividade incipiente no Brasil, não se sabe se o mercado nacional conseguirá atender a demanda de tecnologia e infraestrutura de processamento e escoamento para os mercados consumidores, com bens e serviços produzidos no país, de forma a atender a exigência de Conteúdo Local (“CL”) que se tem para as concessões convencionais – como, por exemplo, ocorre no mercado norte-americano, que desenvolve técnicas de exploração de recursos não convencionais há pelo menos 30 anos. Portanto, é preciso adequar os percentuais de CL a viabilizar a efetivação dos investimentos na exploração e produção de gás não convencional, sem que o concessionário incorra em descumprimento de  uma obrigação contratual e editalícia, e sujeite-se à penalização de multa.

Atenta aos desafios a serem encarados pela Indústria do Petróleo, em 2010, a Superintendência de Comercialização e Movimentação de Petróleo, seus Derivados e Gás Natural da ANP (“SCM”) já havia emitido Nota Técnica (NT n.º 9/2010/SCM) sobre os recursos não convencionais, a qual traz explanações técnicas e, ao final, reconhece que a aplicação de técnicas diferenciadas para viabilizar a exploração e produção desses recursos aumenta o custo da produção do gás natural e, portanto, exige incentivos econômicos para a viabilização da atuação de empresas nesse setor.

Apesar da ausência de uma prévia e específica normatização da matéria, em 22/08/2013 foram publicados, após autorização conferida pela Resolução CNPE nº 6, de 25/06/2013, o pré-edital e a minuta de contrato de concessão da Décima Segunda Rodada de Licitações, tendo por objeto a outorga de contratos de concessão para o exercício das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural em 240 Blocos com risco exploratório, localizados nas Bacias de Acre-Madre de Dios, Paraná, Parecis, Parnaíba, Recôncavo, São Francisco e Sergipe-Alagoas, que perpassam pelos Estados de Alagoas, Acre, Bahia, Goiás, Manaus, Mato Grosso, Piauí, Paraíba, Sergipe, São Paulo e Tocantins.

Na mesma data em que publicados o pré-edital e a minuta do contrato, foi também publicado o Aviso de Consulta Pública e Audiência Públi- ca de nº 25/2013, abrindo-se aos interessados  a oportunidade de submeterem comentários e sugestões de alteração, inclusão e/ou supressão de itens do edital da Décima Segunda Rodada  e do contrato de concessão, com o fito de dar publicidade e legitimidade aos atos da Agência.

Em que pese essa Rodada não ter sido destinada exclusivamente a recursos não convencionais, diferentemente das Licitações anteriores, o pré-edital e a minuta de contrato de concessão contemplaram a possibilidade de o concessionário identificar e explorar recursos não convencionais no âmbito de sua concessão e, em caso positivo, previu um tratamento diferenciado para sua exploração. 46

Nesse sentido, a minuta do contrato de conces- são trouxe inovações como a previsão de uma Fase de Exploração Estendida, na hipótese de ocorrência de uma Descoberta de Recursos Não Convencionais, com períodos exploratórios estendidos (2+2+2 anos); do Plano de Exploração e Avaliação de Descoberta de Recursos Não Convencionais e o Projeto Piloto, com o propósito de testar a produtividade do reservatório não convencional e verificar a comercialidade do projeto; do Relatório Final de Exploração e Avaliação de Recursos Não Convencionais; dentre outros.

No dia 18/09/2013, foi realizada a Audiência Pública, com o objetivo anunciado pela Agência de obtenção de subsídios e informações adicionais sobre o pré-edital e a nova minuta do contrato de concessão. Entretanto, apenas alguns pleitos pontuais dos Concessionários foram deferidos pela ANP, e vários outros desconsiderados, por entender a Agência que o contrato, nos termos em que elaborado, já atenderia tais peculiaridades.

Na  linha,  inclusive,  das  propostas submetidas por diferentes agentes da Indústria, vê-se que a solução imposta pela ANP não parece ser a que melhor atenda às especificidades e necessidades da exploração e produção não convencional. Até porque a própria Agência, ao deliberar sobre as contribuições desses agentes, consignou a necessidade de aprofundar estudos para a adequação da legislação aplicável; sinalizando, dessa forma, que existe vácuo normativo que precisa ser regulamentado.47

Logo, o assunto demanda uma legislação pró- pria para que possam nela se pautar, satisfatoriamente, tantos os concessionários quanto o ente regulador, no exercício de sua atividade regulatória e fiscalizatória. Com isso, evita-se a insegurança jurídica e serão atraídos mais investimentos ao setor.48

É preciso, outrossim, que tal normatização seja precedida dos mecanismos previstos no art. 1949 da Lei nº 9.478/97, qual seja, a realização de prévia consulta pública e de audiência pública, nas quais se permitam a plena participação dos concessionários e demais interessados. Apenas com a colaboração recíproca entre administra- do e ente regulador, na linha do consensualismo administrativo, e com a devida apreciação e enfrentamento técnico das questões levantadas pelos administrados, é que restarão atendidos   o princípio do hard look e o princípio da eficiência, estampado no art. 37 da Constituição Federal, que busca a maximização racional da riqueza, tendo em vista a escassez de recursos naturais.

Vê-se, portanto, que diversos são os desafios envolvendo a exploração do gás não convencional, de forma que apenas com a união de forças entre a Administração Pública e os administrados é que poderemos esperar verdadeiro êxito nessa empreitada, a contribuir significativamente para a tão almejada autossuficiência energética brasileira.

Considerações Finais

Este artigo objetivou analisar questão emergente na Indústria que trata da exploração e produção de gás oriundo de reservatórios não convencionais. O tema é de extrema relevância prática, na medida em que a escassez de recursos naturais  é fator que provoca a constante busca de  novas fontes energéticas.

Primeiramente, tecemos breves notas sobre o desenvolvimento da indústria do  gás  natural no contexto mundial e sua importância como insumo energético, ressaltando algumas de suas dificuldades e as vantagens dessa matriz. Mencionou-se acerca do crescimento da produção de gás natural em reservatórios não convencionais, o que contribuiu para a reconfiguração da geo-política gaseífera.

Em um segundo momento, analisamos os principais tipos de reservatórios de gás natural associa- dos ao termo não convencional e diferenciamos tecnicamente os reservatórios convencionais dos denominados não convencionais, atentando-se para os desafios que se colocam, especial, à exploração do gás não convencional.

Em seguida, fizemos um breve histórico sobre  a exploração e a produção de gás natural convencional no Brasil até o advento de descobertas não convencionais, que suscitaram grandes debates na Indústria e na sociedade em geral. Mencionamos a controvérsia que existiu com respeito ao órgão competente para regular acerca de recursos não convencionais no Brasil e demonstramos a existência de lacuna no ordena- mento jurídico brasileiro com relação à matéria, além de demais desafios a serem enfrentados.

Com isso, alerta-se para a necessidade de uma remodelação do arcabouço regulatório tradicionalmente adotado na indústria do gás natural, para atender às especificidades do gás não convencional e conferir segurança jurídica aos investidores interessados na exploração e produção de recursos oriundos de reservatórios não convencionais.

O estudo da regulamentação do gás não convencional faz-se ainda mais necessário, no presente momento, em vista da Décima Segunda Rodada de Licitação da ANP que objetivou a concessão de blocos de gás natural, incluindo o gás não convencional. Certo é que esse estudo cabe tanto à ANP, na condição de regulador, quanto os demais players da Indústria, para que possam ter uma efetiva participação no processo consultivo que antecipa a aludida Licitação.

Apesar do melhor esforço empreendido pela Indústria na transformação de todo este potencial em realidade, cabe observar que esta não se dará de forma automática. Para isso, é preciso que a Administração Pública, em especial, a ANP, bem como as comunidades locais, estejam alinhados à Indústria, esperando-se que aquela forneça além de um quadro político estável, um arca- bouço jurídico que atenda, de forma adequada e coordenada, a todos os elos e atores da cadeia econômica do gás natural, atentando, sobretudo, à complexidade da exploração e produção dos recursos ditos não convencionais.


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Conforme definição da EIA, recurso tecnicamen- te recuperável representa o volume de petróleo e gás que podem ser produzidos com a tecnologia atual, independentemente dos preços do petróleo e do gás e dos respectivos custos de produção. Diferentemente, a recuperação econômica de recursos petrolíferos e gasí- feros depende de três fatores: (i) o custo da perfuração e completação dos poços, (ii) o montante de petróleo e gás que será produzido do poço ao longo de sua vida útil, (iii) os preços que serão recebidos pelo investidor pela produção do petróleo e do gás.

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Note-se que há quem traduza, no Brasil, o termo shale gas como gás de xisto. Entretanto, argumenta-se que, em termos geológicos, o mais correto é traduzi-lo como gás de

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Apesar da denominação mais correta, segundo es- pecialistas, ser folhelho betuminoso ou folhelho piro- betuminoso, no Brasil, foi consolidado historicamente o termo xisto para a designação desse material pelos agentes regulatórios e pelo mercado. Em que pese ine- xistir no Glossário disponibilizado no sítio da ANP de- finição para “folhelho”, mas apenas para o “xisto”, no Glossário da ANP elaborado para jornalistas (atualizado em 12/04/2013), já há uma definição para “shale gas”. Seguem, respectivamente, as referidas definições: “Xisto betuminoso é uma rocha sedimentar, normalmente argilosa, muito rica em matéria orgânica (querogênio). Quando submetido a temperaturas elevadas, o xisto betuminoso libera óleo, água e gás, e deixa um resí- duo sólido contendo carbono.”. Disponível em <http:// www.anp.gov.br/?id=582#x>. Acesso em 20/10/2013; “Gás não convencional ou ‘shale gas’ – popularmen- te conhecido como gás de xisto, é extraído a partir do fraturamento da rocha geradora (ou folhelho gerador). Difere-se do ‘convencional na forma de extração, pois este último é produzido a partir da rocha reservatório, no entanto, o produto resultante é o gás natural em am- bos os casos.”. Disponível em: <http://www.anp.gov. br/?pg=65492&m=folhelho&t1=&t2=folhelho&t3=&- t4=&ar=0&ps=1&cachebust=1382549254031>. Aces- so em 20/10/2013.

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Também na década de 1990 houve importantes des- cobertas de gás natural, declaradas comerciais, como o Campo de gás Barra Bonita, na Bacia do Paraná.

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Segundo dados divulgados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, o poten- cial de recursos de shale estimado na Bacia do Paraná é de 25,6 tri m3, sendo 6,4 tri recuperáveis (EIA/DOE).

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Ressalte-se, por oportuno, que há quem entenda que o xisto betuminoso localizado na bacia sedimen- tar brasileira trata-se, na realidade, de folhelho, isto é, uma rocha geradora, que contém matéria orgânica, em baixo estágio de evolução térmica, capaz de gerar óleo e gás por processo de retortagem. Esta, contudo, não é a posição adotada neste trabalho, conforme nota de rodapé de nº 17.

Vide o art. 1º do Decreto nº 56.980/1965, segundo o qual: “A pesquisa e a lavra dos xistos oleígenos, vul- garmente denominados rochas betuminosas e pirobe- tuminosas, regulam-se, inclusive quando às exigências de prazos, pelas disposições do Decreto-lei nº 1.985 (Código de Minas) de 29 de janeiro de 1940, e modifi- cações posteriores.”

Não opinaremos se correto ou não tal entendimen- to, limitando-se este artigo a relatar a controvérsia e o que foi, ao final, decidido pelo

No sentido da competência da ANP para a regula- ção do xisto betuminoso encontramos, ainda, o Ofício nº 368/2012/CONJUR-MME/CGU/AGU e o Despa- cho nº 145/PROGE/DNPM/2012.

Constituição Federal de 1988. Art. 25 (…) “§ 2º – Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na for- ma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação.”.

BISAGGIO, Helio da Cunha; ESTEVÂO, Lu- ciana Rocha de Moura; CONFORT, Mário Jorge Fi- gueira. Gás não-convencional. Boletim do Gás. Su- perintendência de Comercialização e Movimentação de Petróleo, seus Derivados e Gás Natural. Fevereiro 2010, Número 14, disponível em <anp.gov.br/?- dw=22287>, acesso em 12/05/2013. CAVALCANTE, Pedro Mendonça. Direito Internacional dos Investi- mentos e a Exploração de Petróleo por meios não convencionais. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito da UERJ, como requisito parcial para obtenção do título de Mes- tre em Direito Internacional e da Integração Econômi- ca. Rio de Janeiro, 2002, p. 119.

Pleiteou-se, ainda, dentre outros aspectos, a extensão do prazo de avaliação de descobertas, a revisão dos crité- rios de medição, e uma adequação dos critérios exigidos para o Plano de Desenvolvimento regulado pela Portaria ANP nº 90/2000.

No momento em que elaborado este artigo, encon- tra-se em andamento a Consulta Pública da ANP de nº 30/2013, sob a responsabilidade da Superintendência de Segurança Operacional e Meio Ambiente (SSM), com vistas à obtenção de subsídios e informações adi- cionais sobre a minuta de Resolução que estabelece os critérios para a perfuração de poços seguida do empre- go da técnica de Fraturamento Hidráulico Não Conven- cional.

Observa-se que tais dúvidas relacionadas aos efeitos negativos advindos do faturamento hidráulico levaram países como França, a impedirem a exploração de shale gas em seu território. Similar restrição foi igualmente imposta em outras jurisdições, como Austrália (Estado de New South Wales), Canada (Província de Quebec), África do Sul (região de Karoo) e Estados Unidos (Es- tados de New York e New Jersey). (BAKSHI, Vivek. SCOBIE, Jeff. STUBER, Ron. Shale gas for LNG. In: Liquified Natural Gas: The Law and Business of LNG, Second Edition. Globe Law and Business, 2012, p. 178).

O Contrato  de  Concessão  definiu,  em  seu item Sobre o conflito federativo entre a União e os Es- tados, em matéria de regulação e legislação do gás na- tural, ver: GONÇALVEZ, Gustavo Mano. Indústria brasileira do gás natural: a Lei do Gás e os conflitos legais e regulatórios entre a União Federal e os Es- tado. Salvador, 2010. Dissertação (Mestrado em Regulação da Indústria de Energia). Universidade Salvador 1.3.46 o termo “Recurso Não Convencional” como “acumulação de Petróleo e Gás Natural que, diferen- temente dos hidrocarbonetos convencionais, não é afe- tada significativamente por influências hidrodinâmicas e nem é condicionada à existência de uma estrutura geológica ou condição estratigráfica, requerendo, nor- malmente, tecnologias especiais de extração, tais como poços horizontais ou de alto ângulo e fraturamento hi- dráulico ou aquecimento em retorta. Incluem-se nessa definição o Petróleo extrapesado, o extraído das areias betuminosas (“sand oil” ou “tar sands”), dos folhelhos oleíferos (“shale oil”), dos folhelhos ricos em matéria orgânica (“oil shale” ou xisto betuminoso) e das formações com baixíssima porosidade (“tight oil”). Conside- ram-se, também, na definição, o gás metano oriundo de carvão mineral (“coal bed methane” ou “coal seam gas”) e de hidratos de metano, bem como o Gás Natu- ral extraído de folhelhos gaseíferos (“shale gas”) e de formações com baixíssima porosidade (“tight gas”).”

AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS. Superintendên- cia de Promoção de Licitações. 12ª Rodada de Lici- tações. Consulta e Audiência Pública. Disponível em: <http://www.brasil-rounds.gov.br/round_12/portu- gues_R12/audiencia.asp>. Acesso em 06. 10.2013.

Nesse sentido, consideramos procedente o alerta feito por Giovani Loss quanto à insegurança jurídica em matéria de gás natural no Brasil, seja em razão da incerteza quanto às competências legais e regulatórias dos entes federados, seja pela falta de tradição brasilei- ra em matéria regulatória, o que atrai riscos e afasta in- vestimentos. (LOSS, Giovani Ribeiro. A regulação se- torial do gás natural. Belo Horizonte: Fórum, 2007).

Lei nº 9.478/97, art. 19: “As iniciativas de projetos de lei ou de alteração de normas administrativas que impliquem afetação de direito dos agentes econômicos ou de consumidores e usuários de bens e serviços das indústrias de petróleo, de gás natural ou de biocombus- tíveis serão precedidas de audiência pública convocada e dirigida pela ”.


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