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Parcerias sociais, termos de fomento e de colaboração: brevíssimos comentários à Lei 13.109 de 2014
Thiago Marrara
29/08/2017
Os anos pós 1990 representam, para o direito administrativo brasileiro, a era das parcerias, dos contratos, da busca de consenso. A contratualização revela o desejo de que Estado busque apoio no mercado e em entidades com ou sem fins lucrativos no intuito de atingir distintos objetivos: melhorar a qualidade da prestação de serviços públicos, estimular ações de interesse público, ampliar infraestrutura econômica e social, reduzir custos de manutenção do aparato estatal e, em certos casos, fugir do regime jurídico administrativo. Por esses ou outros motivos, multiplicaram-se as formas contratuais. Multiplicaram-se e, a despeito de mudanças governamentais e partidos políticos no poder, continuam a se proliferar. Das concessões comuns da lei de 1995 chegou-se às parcerias públicos privadas criadas por lei de 2004. Das entidades de utilidade pública do passado caminhou-se às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e as Organizações Sociais do final da década de 1990. Ao clássico instrumento de convênio, somaram-se novos ajustes de cooperação administrativa, incluindo o contrato de gestão e os termos de parceria.
A Lei n. 13.019 mostra que esse movimento não arrefeceu. A contratualização e o fortalecimento da cooperação entre e Estado e sociedade agora ganham reforço por meio da construção de um modelo legal de parcerias sociais. Diferentemente da Lei 11.049, que criou as parcerias público-privadas como concessões de regime especial de serviços públicos econômicos, sociais e administrativos, as parcerias sociais se realizam juridicamente a partir de ajustes voltados somente à promoção de atividades não monopolizadas pelo Estado e consideradas de interesse relevante à comunidade.
Em um texto amplíssimo, com 88 artigos e muitas normas extremamente específicas, a Lei 13.019 trata de incontáveis institutos e aspectos jurídicos inovadores e interessantes, dentre os quais merecem destaque:
1) Os princípios das parcerias sociais, consistentes basicamente na valorização, na promoção e no incentivo de entidades da sociedade civil que desejem atuar com o Poder Público; no reconhecimento de que a participação social é um direito do cidadão; na promoção do desenvolvimento inclusivo e sustentável e da defesa dos direitos humanos; na valorização da diversidade cultural, do patrimônio histórico e do ambiente e, em última instância, no fortalecimento da sociedade civil. Isso significa que a lei foi elaborada sob o intuito de formalizar as relações do Estado com práticas sociais de interesse público, permitindo seu fomento de maneira isonômica e de acordo com um grau de transparência e responsabilidade necessário à gestão adequada das políticas e recursos públicos.
2) Os termos de fomento e de colaboração, forjados como instrumentos jurídicos contratuais por excelência em matéria de parceria social. A diferença entre ambos institutos é relativamente simples. O termo de colaboração se destina à seleção de entidades da sociedade civil para participação em projetos propostos pela Administração Pública, enquanto o termo de fomento serve à escolha de entidades privadas para projetos que tenham sido idealizados pela própria sociedade civil. Como se vislumbra, o rótulo do instrumento varia apenas para indicar o sujeito responsável pela iniciativa da parceria.
4) O Projeto de Manifestação de Interesse Social, como instrumento por meio do qual as entidades da sociedade civil, movimentos sociais e cidadãos podem apresentar propostas ao Poder Público para que se examine a possibilidade de realização de chamamento público para eventual celebração de parceria. A proposta, entre outras coisas, deve conter “diagnóstico da realidade que se quer modificar, aprimorar ou desenvolver e, quando possível, indicação da viabilidade, dos custos, dos benefícios e dos prazos de execução da ação pretendida” (art. 19, III). Recebida a proposta, a Administração deve torná-la pública. Caso a considere oportuna, abrirá então consulta pública e, após juízo discricionário, realizará o chamamento público. Para se evitar violação da isonomia, a lei proíbe que a entidade idealizadora da parceria por meio do PMIS seja diretamente contratada, mas permite sua participação no processo de chamamento.
5) O chamamento público, já mencionado, desponta como mecanismo licitatório específico para selecionar entidades da sociedade civil interessadas na celebração de termo de fomento ou termo de colaboração. A esse respeito, a lei é extremamente detalhada, aproximando-se de um verdadeiro regulamento. Prevê critérios para definição do objeto do edital; princípios para condução do chamamento; a obrigatoriedade de uso do procedimento, salvo em hipóteses especiais de dispensa ou inexigibilidade; requisitos para habilitação das entidades interessadas; vedação de medidas discriminatórias durante o processo ou no edital; possibilidade de subcontratação (ou atuação em rede sob coordenação da entidade vencedora); o critério de julgamento e as normas de composição da comissão de seleção, entre outras coisas.
Com tantas novidades e a imposição de inúmeros procedimentos e formalidades para a celebração dos referidos ajustes de parceria social, não há dúvidas de que a Lei 13.019 impõe um novo e grande desafio à Administração Pública Direta e Indireta da União, dos Estados e dos Municípios. Afinal, a partir da entrada em vigor do novo diploma, as “normas gerais” nele previstas exigirão toda uma modificação de cultura e de postura no campo do fomento a entidades civis e na contratação de parcerias. Essa modificação de gestão será mais custosa e dolorosa para Estados e Municípios que não dispunham de legislação sobre entidades do terceiro setor e que vinham mantendo relações de certo modo “informais” com a sociedade civil em projetos de interesse público.
Embora constitua um importante marco nas relações do Estado com o chamado terceiro setor, a bagagem normativa da lei inegavelmente burocratizará essa relação, por exemplo, mediante a imposição de regras detalhadas para os procedimentos de escolha das entidades privadas beneficiárias dos ajustes. A burocratização, é verdade, mostra-se fundamental para a garantia da isonomia no tratamento das entidades privadas sem fins lucrativos pelo Estado e também como técnica necessária para evitar desvios de recursos públicos e outras formas de dano ao patrimônio estatal ou à moralidade administrativa. Resta saber, porém, em que medida essa estratégia normativa será efetiva. Afinal, de há muito se sabe que o problema de gestão pública no Brasil não decorre exatamente da falta de leis, mas sim das dificuldades operacionais e da falta de estrutura de muitos entes políticos para executar as mais básicas políticas públicas existentes. Nesse sentido, o que se deve examinar no futuro próximo é se a Lei 13.019, a custo de promover a isonomia, a proteção de recursos públicos e a legalidade, não acabará por dificultar e/ou desincentivar as parcerias sociais que a ela coube promover.
Veja também:
- “Reformatio in pejus” no processo administrativo
- O que precisa mudar na Lei de Processo Administrativo?
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