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Os Desafios da Comunicação Pública na Era Digital

Otavio Venturini
14/04/2025
Desde a chegada do rádio e da televisão à maioria dos lares brasileiros, tornou-se possível comunicar-se de forma simples, direta e quase instantânea com toda a população. No entanto, com a emergência de uma sociedade hiperconectada, impulsionada pelo acesso às chamadas “mídias digitais” – como redes sociais, plataformas digitais, sites, blogs, serviços de mensageria, streaming, entre outros –, teve início uma verdadeira revolução na publicidade e na comunicação. Essa transformação tem sido moldada por novas formas de interação comunicativa e algoritmos, entre os quais se destacam: (i) a “mídia programática”, que possibilitou a compra automatizada e preditiva de espaços publicitários on-line, utilizando big data para alcançar públicos específicos; (ii) o “microtargeting”, que trouxe segmentação dos públicos-alvo de forma detalhada com base em dados comportamentais, demográficos e contextuais; e (iii) os “influenciadores digitais”, com a sua capacidade de se comunicar e interagir diretamente com seus públicos, ou, no jargão das redes, seus “seguidores”. Em resumo, uma revolução que marca a transição de uma comunicação massificada para um sistema multimídia que promete a entrega direcionada e interativa de mensagens a audiências cada vez mais segmentadas.
De acordo com os últimos dados do IBGE, em 2023, a internet já estava presente em 92,5% dos domicílios brasileiros, sendo a banda larga (fixa ou móvel) o principal tipo de conexão. A televisão, por sua vez, estava em 94,3% dos lares, dos quais 42,1% utilizavam algum serviço pago de streaming de vídeo. Esse cenário aponta para uma quase universalização do acesso à internet nos lares brasileiros.
No entanto, junto com sua consolidação, a comunicação pelas mídias digitais traz sérios desafios éticos e legais. Um dos principais é a violação da privacidade e da proteção de dados pessoais dos seus usuários, evidenciadas por inúmeras ações e procedimentos judiciais movidos contra as big techs ao redor do mundo, que incluem desde a coleta até o compartilhamento não autorizado de dados pessoais. Outro exemplo é a prática de publicidade oculta, enganosa e abusiva por influenciadores digitais, muitas vezes promovendo produtos e serviços ilícitos, o que afeta especialmente grupos vulneráveis, como crianças e pessoas em situação de dependência. Além disso, o constante “bombardeio” de mensagens publicitárias segmentadas com base em nossos dados – como o recebimento de um anúncio de geladeira após rápida busca on-line – tem levado à saturação e à maior resistência das pessoas a esses formatos de comunicação.
É nesse contexto que as administrações públicas de todo o país, em cumprimento do seu dever constitucional e como pressuposto da boa condução de políticas públicas, precisam comunicar e informar a população sobre: campanhas de vacinação, realização de matrículas, exames e programas de financiamento estudantil, programas de assistência social, dentre tantos outros programas e informações de interesse da população.
Quanto mais ferramentas para comunicar com os brasileiros, melhor. No entanto, as administrações públicas, como resultado de conquistas republicanas históricas, atuam de forma vinculada à legalidade e à máxima transparência. É por essa razão que, sob a fiscalização da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), o mesmo Poder Público que aprovou e fiscaliza a lei brasileira de proteção de dados (LGPD) com relação a terceiros, não pode tratar dados que detém dos cidadãos em desconformidade com a lei, tampouco ser conivente com práticas ilegais dos seus fornecedores. O mesmo vale para os formatos de contratação de produção e veiculação de campanhas, em que as administrações devem sempre observar parâmetros de legalidade, economicidade e transparência, conforme normas setoriais e jurisprudência consolidada, como as normativas da Secom e os precedentes dos Tribunais de Contas.
Nessa era digital, um outro desafio se impõe de modo crescente à comunicação pública: as fake news e as estratégias coordenadas de desinformação, voltadas à obtenção de ganhos financeiros ou políticos em detrimento do correto acesso à informação pela população. Como amplamente noticiado e evidenciado por análises empíricas1, esse fenômeno apresenta impacto potencialmente devastador, especialmente na chamada publicidade de utilidade pública (PUP), que tem por finalidade informar, educar, orientar, prevenir e alertar a população sobre políticas públicas e ações emergenciais, como campanhas de vacinação e enfrentamento de pandemias.
A disseminação de informações falsas sobre temas e ações governamentais compromete o funcionamento das políticas públicas, gera desperdício de recursos e afasta a população dos serviços essenciais a que tem direito. Assim, mais do que a conformidade com a legislação, fake news que atingem as PUPs exigem atuação proativa e defensiva das administrações públicas de modo a preservar o funcionamento e acesso a programas e políticas públicas essenciais, o que inclui a capacidade de detecção e resposta rápida no ambiente digital.
Essas são algumas das inúmeras “dores” enfrentadas diariamente por gestores públicos que atuam na comunicação governamental e buscam aumentar sua efetividade. Tais desafios demandam respostas complexas, que devem ser definidas a partir do diálogo entre as instituições (como ANPD, SENACON, SECOMs), entidades de autorregulação (CONAR, CENP, ABAP, ABA) e players do setor (empresas de comunicação, big techs, agências de publicidade, entre outros), com o objetivo de promover avanços na regulação e autorregulação do tema.
Esse diálogo, entretanto, deve ser crítico e contínuo, tomando como prioridade a correta informação da população e a preservação da integridade dos sistemas informacionais. A rápida evolução tecnológica, com destaque para as mais recentes aplicações de Inteligência Artificial na comunicação, como os deepfakes, exigirá atuação cada vez mais proativa e coordenada por parte de gestores, profissionais e empresas da área.
Alguns desses desafios, bem como as boas práticas de compliance publicitário e metodologias voltadas à comunicação pública, foram debatidos por principais especialistas no tema, na obra Publicidade e Comunicação Pública, publicada em 2025 pela Editora Forense. Convidamos o leitor interessado no aprofundamento do tema a conhecê-la!

LEIA TAMBÉM
- Um manual para comunicação pública em tempos de ‘fake news’
- Teorias do Direito Administrativo Global e fenômenos normativos de fonte não estatal
NOTAS
1 Ver, por exemplo: O GLOBO. A luta pela vacina continua. O Globo, 19 jul. 2023. Disponível em: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2023/07/a-luta-pela-vacina-continua.ghtml. Acesso em: 27 jan. 2025. CARTA CAPITAL. Como as redes de desinformação agiram durante a calamidade no RS, segundo pesquisa. G1. Quaest: 31% disseram ter recebido alguma notícia falsa sobre a tragédia no Rio Grande do Sul. G1, 13 maio 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2024/05/13/quaest-31percent-disseram-ter-recebido-alguma-noticia-falsa-sobre-a-tragedia-no-rio-grande-do-sul.ghtml. Acesso em: 27 jan. 2025.